Galípolo descarta corte de juros após piada

Presidente do Banco Central adota tom descontraído em evento da XP, mas reforça manutenção da taxa básica em 15% ao ano enquanto inflação não mostrar sinais de melhora significativa.

Gabriel Galípolo em evento de política monetária destacando que não há corte de juros iminente.
Galípolo descarta corte juros e brinca sobre Palmeiras após derrota na Libertadores. Selic permanece em 15% até nova decisão do Copom.

O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, iniciou sua participação em evento econômico nesta segunda-feira com uma brincadeira inesperada que misturou futebol e política monetária. Em tom bem-humorado, o dirigente palmeirense atribuiu sua rouquidão à derrota do time na final da Copa Libertadores, disputada no último sábado contra o Flamengo em Lima. Apesar do clima descontraído, a mensagem central permaneceu firme: os juros não devem cair tão cedo no Brasil. A taxa Selic está travada em 15% ao ano desde junho, patamar mais elevado em duas décadas, e a próxima reunião do Comitê de Política Monetária acontece nos dias 9 e 10 de dezembro.

Durante o almoço anual promovido pela XP em São Paulo, Galípolo logo alertou a plateia sobre sua condição vocal. Ele mencionou que pessoas “maldosas” do mercado financeiro e até do próprio gabinete poderiam associar sua rouquidão ao resultado esportivo do fim de semana. O Palmeiras perdeu por 1 a 0 para o Flamengo, em jogo que definiu o tetracampeonato da Libertadores para os cariocas. Aproveitando o momento, o presidente do BC brincou sobre a atuação da arbitragem, citando uma possível expulsão não marcada durante a partida. A fala gerou risos entre os presentes, mas rapidamente o discurso retornou ao tema central: a condução da política monetária brasileira.

Mantém taxa Selic alta por tempo prolongado

A autoridade monetária não vê espaço para reduzir os juros no curto prazo. Galípolo reforçou que a política restritiva precisa continuar atuando pelo tempo necessário até que a inflação convirja efetivamente para a meta de 3%. Segundo ele, não surgiram fatores novos desde a última declaração, feita na quinta-feira anterior, que pudessem alterar essa perspectiva. A leitura do Banco Central indica que os efeitos da Selic elevada estão aparecendo na economia, porém de maneira mais lenta do que o desejado. Esse ritmo gradual exige paciência e manutenção da dose de aperto monetário por período estendido.

O dirigente destacou ainda que o mercado de trabalho brasileiro permanece aquecido, fator que contribui para sustentar a demanda e pressionar os preços. Essa dinâmica reforça a necessidade de postura cautelosa por parte do BC. Em cenários de incerteza, como o atual, a instituição prefere adotar estratégia mais conservadora. Galípolo foi categórico ao afirmar que a autoridade continuará utilizando os instrumentos disponíveis, mesmo que isso signifique aplicar doses maiores de restrição monetária caso seja preciso. O compromisso com o mandato institucional de controlar a inflação permanece prioritário, independentemente das críticas ou pressões externas que possam surgir.

Rejeita redução da taxa básica diante das incertezas

As expectativas do mercado financeiro por cortes na Selic esbarraram no diagnóstico técnico apresentado pelo presidente do Banco Central. Durante sua fala, Galípolo enfatizou que conviver com juros estruturalmente mais altos faz parte da realidade brasileira. Diversos fatores domésticos, como subsídios ao crédito e programas de financiamento habitacional, reduzem a efetividade da política monetária tradicional. Esses mecanismos permitem que famílias e empresas acessem recursos com taxas subsidiadas, mesmo quando a Selic está em patamares elevados. Consequentemente, o Banco Central precisa elevar ainda mais os juros para alcançar o efeito desejado sobre a inflação.

Questionado sobre o termo “bastante prolongado” usado pelo Copom para descrever o período de juros altos, o presidente esclareceu que essa expressão não zera a cada nova reunião. Trata-se de um processo contínuo de convergência da inflação, sem prazo definido para conclusão. A instituição avalia os dados econômicos a cada 45 dias, ajustando sua comunicação conforme a evolução dos indicadores. Galípolo deixou claro que o BC não pretende criar códigos ou sinais para telegrafar suas próximas decisões ao mercado. A transparência ocorre pela apresentação dos dados e do raciocínio técnico, não por antecipações que possam gerar volatilidade adicional no cenário econômico.

Afasta queda dos juros até melhora inflacionária

As discussões sobre política monetária dentro do próprio governo brasileiro são consideradas saudáveis pelo presidente do Banco Central. Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugeriu que poderia ser momento de iniciar cortes na Selic. Galípolo reconheceu que tais debates são naturais e até desejáveis em uma democracia. Segundo ele, seria problemático se o governo não pudesse expressar suas visões sobre temas econômicos. Porém, isso não significa que a autoridade monetária alterará suas decisões por causa dessas manifestações. O BC mantém sua independência operacional e continuará pautando suas escolhas exclusivamente pelos dados técnicos disponíveis.

Para ilustrar como lida com pressões externas, o presidente do BC recorreu novamente ao futebol. Ele comparou as críticas recebidas pela instituição com as reclamações sistemáticas da torcida do Palmeiras, conhecida por cobrar resultados independentemente das circunstâncias. A metáfora serviu para demonstrar que quem assume cargos de responsabilidade precisa estar preparado para conviver com contestações, venham elas antes ou depois das decisões tomadas. Galípolo também mencionou conversa que teve com um piloto de avião, destacando a responsabilidade de tomar decisões visando a segurança de todos os passageiros, mesmo sob condições adversas. A mesma lógica se aplica à condução da política monetária brasileira.

Confirma juros elevados enquanto inflação preocupar

Os impactos das tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros entraram na análise do Banco Central. Galípolo comentou que existe visão predominante de que esse movimento represente mais uma mudança pontual no nível de preços do que um processo inflacionário persistente. Ainda assim, a autoridade monitora atentamente os desdobramentos dessa situação no comércio internacional. As projeções iniciais sobre os efeitos do “tarifaço” não se concretizaram integralmente até o momento, e persistem dúvidas sobre a intensidade e duração dessas medidas. O BC acompanha esses desenvolvimentos externos, mas mantém o foco nos fatores domésticos que determinam a trajetória da inflação brasileira.

A convicção de Galípolo sobre as decisões tomadas no fim de 2024 ficou evidente em sua fala. Ele afirmou estar absolutamente certo de que, se o Banco Central não tivesse promovido o rápido aumento da Selic naquele período, o Brasil estaria em situação bastante diferente, e provavelmente pior. Na última reunião sob comando do antecessor Roberto Campos Neto, o Copom elevou os juros em 1 ponto percentual e sinalizou mais duas altas da mesma magnitude. Essa postura firme serviu para ancorar as expectativas e demonstrar ao mercado que a nova gestão manteria o compromisso com o controle inflacionário. A estratégia foi bem-sucedida em dissipar dúvidas que existiam sobre qual seria a função de reação da autoridade com a chegada dos novos integrantes indicados pelo governo Lula.

A análise do mercado de trabalho tem se mostrado especialmente complexa, segundo o presidente do BC. Embora alguns dados apontem para desaceleração em certos segmentos, a leitura geral indica resiliência do emprego que sustenta a renda disponível das famílias. Esse cenário alimenta o consumo e, consequentemente, mantém pressão sobre os preços. Galípolo reconheceu que é difícil contestar a força atual do mercado de trabalho brasileiro, o que justifica a manutenção da postura conservadora. A autoridade monetária precisa pesar todos esses elementos antes de sinalizar qualquer mudança na trajetória dos juros básicos da economia.

Os dados mais recentes reunidos pelo Banco Central confirmaram tendências que já vinham sendo observadas, sem trazer surpresas significativas que pudessem alterar o diagnóstico. O Copom migrou do estágio em que avaliava se a Selic em 15% seria suficientemente contracionista para o momento atual, em que percebe impactos reais dessa taxa sobre a economia. A questão central agora é a velocidade com que esses efeitos aparecem nos indicadores. A lentidão nesse processo exige que os juros permaneçam elevados por período mais extenso. Essa é a informação que os dados permitem transmitir, sem necessidade de criar expectativas sobre movimentos futuros que ainda não estão definidos.

A próxima reunião do Comitê de Política Monetária será decisiva para avaliar se houve mudanças significativas no cenário macroeconômico. O encontro está marcado para a semana que vem, e o mercado acompanha atentamente qualquer sinal que possa indicar alteração na trajetória da Selic. Porém, Galípolo deixou claro que não há compromisso prévio com determinado resultado. As decisões serão tomadas exclusivamente com base nos dados disponíveis naquele momento. Enquanto a inflação não mostrar convergência consistente para a meta, os juros devem permanecer no patamar atual. A autoridade monetária brasileira reitera seu compromisso com a estabilidade de preços, mesmo que isso implique manter a taxa básica em nível historicamente elevado por tempo prolongado.

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