Keeta estreia em SP com R$ 200 em cupons: a nova guerra do delivery contra o iFood

Gigante asiática desafia soberania do iFood com investimento bilionário, capacetes inteligentes e fim da exclusividade para restaurantes parceiros.

A imagem destaca a chegada dos entregadores da Keeta às ruas de São Paulo, identificados pela cor amarela.
Com investimento bilionário, nova plataforma chinesa inicia operações na capital paulista desafiando a concorrência.

A paisagem urbana de São Paulo amanheceu diferente nesta primeira semana de dezembro de 2025. Os já onipresentes motoboys com mochilas vermelhas agora dividem o asfalto com uma nova cor: o amarelo vibrante da Keeta. A plataforma, subsidiária da gigante chinesa Meituan (a maior empresa de delivery do mundo), oficializou sua entrada na capital paulista e em mais oito municípios da região metropolitana, prometendo não apenas competir, mas redefinir as regras de um jogo dominado há anos pelo iFood. Com um caixa robusto — a previsão de investimento no Brasil gira em torno de R$ 5,6 bilhões até 2030 —, a empresa chega com uma estratégia agressiva que ataca as principais dores de consumidores, restaurantes e entregadores simultaneamente.

A estreia na maior metrópole da América do Sul não é um evento isolado, mas o capítulo mais dramático da chamada “Guerra do Delivery”. Após testar sua operação na Baixada Santista em outubro, a Keeta decidiu que era hora de enfrentar os líderes de mercado no seu principal território. A proposta de valor é clara e tentadora: para o usuário final, a plataforma oferece um pacote de boas-vindas com até R$ 200 em cupons de desconto e frete grátis em mais de 90% dos restaurantes parceiros. Essa política de subsídio pesado, conhecida como cash burning (queima de caixa), é uma tática clássica de players asiáticos para ganhar market share rapidamente, forçando os concorrentes a reagirem ou perderem base de usuários.

Entretanto, o impacto vai além dos descontos. A chegada da Keeta coloca em xeque o modelo de exclusividade que por muito tempo blindou o iFood. A plataforma chinesa aposta em um ecossistema aberto, sem exigir fidelidade contratual dos restaurantes, e acena com taxas zero de comissão por três anos (cobrando apenas uma taxa de transação financeira). Para o pequeno e médio empreendedor, sufocado por margens estreitas, essa promessa soa como música. A movimentação já causou reações no setor, com a 99Food também retornando ao jogo e o iFood buscando parcerias estratégicas, como a recente integração com a Uber, sinalizando que o tempo de “navegar sozinho” acabou.

Analistas de mercado apontam que a Keeta traz para o Brasil uma tecnologia logística que é estado da arte na China. Não se trata apenas de um aplicativo de pedidos, mas de uma empresa de big data que usa algoritmos preditivos para otimizar rotas em tempo real. A promessa é de entregas mais rápidas e, crucialmente, pontuais. A empresa instituiu a política de “Horário Garantido”, onde o cliente é recompensado financeiramente caso o pedido atrase, uma ousadia operacional que demonstra a confiança da Meituan em sua infraestrutura tecnológica e na capacidade de gerenciar o caos do trânsito paulistano.

Aplicativo asiático revoluciona benefícios

Para entender a magnitude da aposta do novo aplicativo asiático, é preciso olhar para a experiência do consumidor. A interface da Keeta foi desenhada para ser viciante e ultraconveniente, replicando o sucesso que a Meituan tem na Ásia, onde processa dezenas de milhões de pedidos por dia. O diferencial não está apenas no preço, mas na percepção de vantagem. Além dos cupons agressivos de entrada, a plataforma introduziu um sistema de fidelidade gamificado que incentiva a recorrência. A ideia é fazer com que o paulistano, acostumado a pedir comida várias vezes na semana, veja na troca de aplicativo uma economia real no final do mês.

A estratégia de “frete grátis” em escala massiva é o principal aríete dessa invasão. Enquanto concorrentes cobram taxas de entrega que muitas vezes rivalizam com o preço da refeição em pedidos pequenos, a Keeta subsidia esse custo para ganhar volume. Em um cenário econômico onde o poder de compra está pressionado, remover a barreira da taxa de entrega é decisivo para a conversão. Além disso, a empresa trouxe para o Brasil o conceito de “entrega tudo”, não se limitando a refeições prontas, mas integrando farmácias, mercados e lojas de conveniência desde o dia um, visando ocupar todos os momentos de consumo do usuário.

Outro ponto de inovação é a transparência no rastreamento. A tecnologia da Keeta permite que o usuário veja, com precisão de metros, onde o entregador está em mais de 90% das rotas. Isso reduz a ansiedade do cliente e o número de contatos com o suporte. A empresa sabe que, no Brasil, a confiança é um ativo difícil de conquistar e fácil de perder. Por isso, investiu pesado em uma central de atendimento humana 24 horas, fugindo dos chatbots frustrantes que se tornaram padrão na indústria. A aposta é que o atendimento de qualidade será o fator de retenção quando os cupons iniciais acabarem.

Contudo, essa generosidade tem um custo e levanta dúvidas sobre a sustentabilidade a longo prazo. O mercado brasileiro já viu outras empresas, como a Uber Eats, deixarem o setor de entrega de restaurantes por não conseguirem fechar a conta. A Keeta, porém, afirma que seu horizonte de investimento é de longo prazo e que a eficiência algorítmica permitirá, eventualmente, lucrar com margens menores e volumes colossais, uma tese que será testada a ferro e fogo nas ruas congestionadas de São Paulo.

Plataforma de delivery inova na logística

O coração da operação da Keeta não está apenas no software, mas no hardware e no capital humano. A plataforma de delivery introduziu no Brasil os “capacetes inteligentes”, equipamentos que já são comuns na China. Esses capacetes possuem conectividade Bluetooth, alto-falantes e microfones integrados, além de sensores de segurança. Eles permitem que o entregador receba instruções de rota e aceite novos pedidos via comando de voz, sem precisar tirar o celular do bolso ou os olhos do trânsito. Essa tecnologia visa reduzir acidentes e aumentar a eficiência da entrega, atacando um dos pontos mais críticos da gig economy: a segurança do trabalhador.

A relação com os entregadores, aliás, é um pilar central da estratégia da Keeta. Sabendo que sem motoboys não há negócio, a empresa anunciou um investimento de R$ 100 milhões em ações de apoio aos parceiros. Isso inclui a inauguração de pontos de apoio físicos (chamados de “Estações Keeta”) em locais estratégicos como Santo Amaro, oferecendo banheiro, água, cozinha e área de descanso e carregamento de celular. Em um mercado onde a precarização do trabalho é tema constante de debate e regulação, oferecer um mínimo de dignidade é uma forma inteligente de atrair e reter a frota de entregadores, disputando-os com o iFood não apenas pelo valor da corrida, mas pela qualidade de vida.

Os algoritmos de despacho de pedidos da Keeta também merecem destaque. Eles utilizam inteligência artificial para agrupar pedidos de forma mais eficiente, permitindo que o entregador faça mais entregas em menos tempo, aumentando seu ganho por hora sem necessariamente aumentar a quilometragem rodada. Para o restaurante, isso significa que a comida chega mais quente; para o entregador, significa menos tempo ocioso. A empresa promete que essa eficiência operacional será o grande diferencial competitivo capaz de sustentar as taxas baixas a longo prazo.

Além disso, a Keeta estuda a implementação futura de drones para entregas em áreas específicas, embora a regulamentação brasileira ainda seja um entrave. A menção a essa possibilidade, no entanto, reforça a imagem de empresa de tecnologia de ponta. A logística da Keeta é pensada de ponta a ponta: do momento em que o pedido cai na cozinha até o “bip” da entrega concluída, cada segundo é monitorado e otimizado, trazendo para o Brasil um nível de sofisticação operacional que obriga todos os concorrentes a subirem a régua.

Serviço de entregas enfrenta disputa judicial

A entrada da Keeta no mercado não se deu apenas com confetes e promoções; houve também faíscas jurídicas. Antes mesmo de sua estreia oficial em São Paulo, o novo serviço de entregas protagonizou um embate nos tribunais contra a 99Food. A empresa chinesa acusou a rival de concorrência desleal, alegando que a 99Food estaria comprando palavras-chave relacionadas à marca “Keeta” no Google Ads para desviar tráfego. A Justiça paulista deu ganho de causa à Keeta, condenando a 99Food a pagar indenização e cessar a prática. Esse episódio ilustra o nível de tensão e a agressividade que permeiam essa nova fase do mercado.

A disputa judicial é apenas a ponta do iceberg de uma briga comercial feroz. A questão da exclusividade, que foi tema de longos debates no CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) envolvendo o iFood, volta à tona com força total. A Keeta se posiciona como a “libertadora” dos restaurantes, advogando pelo fim das amarras contratuais. Essa postura agrada as associações de bares e restaurantes (como a Abrasel), que há anos reclamam da dependência de um único player. Ao se colocar como parceira que não exige “fidelidade forçada”, a Keeta ganha a simpatia política do setor, um ativo valioso para penetrar em grandes redes e franquias.

A reação do iFood e da 99Food será determinante nos próximos meses. Espera-se uma contraofensiva com programas de fidelidade mais robustos, revisão de taxas para parceiros estratégicos e, possivelmente, novas fusões ou aquisições. O mercado brasileiro, que parecia consolidado, volta a ser um terreno de incertezas e oportunidades. Para o consumidor, essa briga é excelente: significa mais opções, preços menores e melhor serviço. Para as empresas, é uma corrida de resistência onde quem tiver o bolso mais fundo e a tecnologia mais eficiente sobreviverá.

Por fim, a chegada da Keeta a São Paulo em 2025 é mais do que o lançamento de um app; é um teste de maturidade para o mercado brasileiro de delivery. Se a gigante chinesa conseguir replicar aqui o sucesso que tem na Ásia, o duopólio atual será quebrado, inaugurando uma era de fragmentação e competição real. Resta saber se a cultura brasileira, com suas peculiaridades logísticas e sociais, se adaptará ao modelo chinês de eficiência extrema, ou se a Keeta terá que “tropicalizar” sua operação para conquistar o coração — e o estômago — dos paulistanos.

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