Jimmy Cliff morre aos 81 anos após pneumonia

Cantor jamaicano faleceu ontem após convulsão seguida de pneumonia. Pioneiro do reggae tinha forte ligação com o Brasil, onde morou e teve filha com artista baiana Sônia Gomes.

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Jimmy Cliff durante apresentação ao vivo usando camisa estampada colorida e segurando microfone
Jimmy Cliff durante apresentação. Cantor jamaicano morreu nesta segunda-feira aos 81 anos após convulsão seguida de pneumonia

O cantor jamaicano Jimmy Cliff morreu aos 81 anos nesta segunda-feira, 24 de novembro. A esposa do artista, Latifa Chambers, confirmou a morte por meio de comunicado publicado nas redes sociais. Segundo a nota, o músico sofreu uma convulsão seguida de pneumonia. A família não divulgou informações sobre velório ou sepultamento, mas pediu privacidade e prometeu novas atualizações posteriormente.

No comunicado assinado também pelos filhos Lilty e Aken, Latifa agradeceu familiares, amigos e colegas de trabalho que acompanharam a jornada do artista. Ela fez questão de destacar o carinho dos fãs ao redor do mundo, afirmando que o apoio do público foi a força de Cliff durante toda a carreira. A esposa também agradeceu ao doutor Couceyro e à equipe médica que acompanhou o cantor.

Jimmy Cliff, cujo nome real era James Chambers, nasceu em 30 de julho de 1944 em St. James Parish, na Jamaica. Ainda na adolescência, mudou-se para Kingston em busca do sonho de se tornar músico. A carreira profissional começou oficialmente em 1967 com o disco “Hard Road to Travel”. Durante mais de cinco décadas, construiu um legado como pioneiro do reggae mundial.

O artista foi fundamental para internacionalizar o reggae antes mesmo da explosão de Bob Marley. Na década de 1960, quando a Jamaica conquistava sua independência da Grã-Bretanha, Cliff ajudou a levar os sons do ska e do rocksteady para além do Caribe. Representou seu país na Feira Mundial de Nova York em 1964, consolidando-se como embaixador da música jamaicana.

Astro mundial conquistou reconhecimento em premiações históricas

Ao longo da carreira, Jimmy Cliff recebeu reconhecimento de instituições musicais importantes ao redor do planeta. O cantor foi indicado sete vezes ao Grammy e venceu duas. Em 1986, levou o prêmio de Melhor Álbum de Reggae por “Cliff Hanger”. Anos depois, em 2013, conquistou novamente a mesma categoria com “Rebirth”, trabalho aclamado pela crítica como um de seus melhores.

Em 2010, Cliff entrou para o Rock and Roll Hall of Fame, tornando-se apenas o segundo artista de reggae a receber tal honra, após Bob Marley. A introdução foi feita pelo rapper haitiano Wyclef Jean. Curiosamente, décadas antes, o próprio Cliff havia encorajado Marley a fazer audição para o produtor Leslie Kong, ajudando a lançar a carreira do futuro ícone do reggae.

O governo jamaicano também reconheceu a importância do artista para a cultura nacional. Em 2003, Cliff recebeu a Ordem do Mérito da Jamaica, a mais alta distinção concedida pelo país nas áreas de artes e ciências. O reconhecimento oficial consolidou sua posição como símbolo cultural da nação caribenha e embaixador de seu ritmo mais famoso.

Entre os sucessos que marcaram gerações estão “Many Rivers to Cross”, “The Harder They Come”, “You Can Get It If You Really Want”, “I Can See Clearly Now”, “Wonderful World Beautiful People”, “Reggae Night” e “Vietnam”. As letras frequentemente abordavam temas de protesto social, resistência, desigualdade e esperança, refletindo o compromisso humanista que Cliff manteve ao longo da vida.

Cinema levou cultura jamaicana para o mundo com trilha inesquecível

O filme “The Harder They Come”, lançado em 1972, tornou-se um marco na história do cinema e da música mundial. Dirigido por Perry Henzell e inspirado na vida do fora-da-lei jamaicano Ivanhoe Martin, o longa teve Cliff como protagonista. Apesar de poucos recursos e atrasos na produção devido a problemas de financiamento, a obra revolucionou a indústria cultural da Jamaica.

Inicialmente, o filme vendeu poucos ingressos em sua primeira exibição nos Estados Unidos no começo de 1973. Porém, exibidores perceberam semelhanças com filmes de Blaxploitation como “Shaft” e “Superfly”, e rapidamente o longa conquistou espaço nos cinemas de meia-noite. Segundo o jornal The New York Times, chegou a ficar 26 semanas em cartaz em Cambridge em 1973, retornando em 1974 para mais sete anos de exibição.

A trilha sonora do filme, lançada pela gravadora Island Records, catapultou Cliff ao estrelato internacional e desempenhou papel fundamental na popularização do reggae pelo mundo. Apenas a faixa-título foi gravada especificamente para o filme. O álbum reuniu clássicos anteriores de Cliff além de músicas de The Melodians, Desmond Dekker, The Maytals e outros artistas jamaicanos importantes.

Cliff também atuou na comédia “Club Paradise” com Robin Williams, contribuindo com músicas para a trilha sonora e cantando “Seven Day Weekend” ao lado de Elvis Costello. Participou ainda do álbum “Sun City” com o grupo Artists United Against Apartheid, criado por Steven Van Zandt. A versatilidade artística incluía colaborações com The Rolling Stones, Paul Simon, Annie Lennox e Keith Richards.

Lenda construiu laços profundos com o Brasil desde anos 1960

A primeira visita de Jimmy Cliff ao Brasil aconteceu em 1968, quando veio ao Rio de Janeiro para participar do Festival Internacional da Canção. A passagem marcou profundamente o artista, inspirando-o a compor “Wonderful World, Beautiful People”, uma das primeiras músicas de reggae a fazer sucesso internacional. A experiência brasileira rendeu frutos artísticos duradouros.

Em 1969, Cliff lançou o álbum “Jimmy Cliff in Brazil”, registrando versões em inglês de canções brasileiras como “Andança”, de Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós. O disco incluía também “Vesti Azul”, de Nonato Buzar, Paul Anka e Sammy Cahn. O projeto demonstrou o fascínio do jamaicano pela música brasileira e sua capacidade de transitar entre culturas diferentes.

Durante as décadas de 1970 e 1990, Cliff se tornou presença constante no país, realizando shows em 1984, 1990, 1993 e 1998. Chegou a morar tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador. Em 1984, gravou nas praias cariocas o videoclipe de “We All Are One”, dirigido por Tizuka Yamasaki. A produção audiovisual simbolizou a conexão afetiva que construiu com o território brasileiro.

Na Bahia, Cliff desenvolveu proximidade com a cultura afro-brasileira e encontrou conexões espirituais profundas. Em 1992, nasceu em Salvador sua filha Nabiyah Be, fruto do relacionamento com a artista visual baiana Sônia Gomes. Segundo Nabiyah revelou em podcast, a ministra da Cultura Margareth Menezes apresentou seus pais em uma cerimônia de ayahuasca na praia, em Salvador.

Nabiyah Be seguiu carreira artística como cantora e atriz. Com 33 anos atualmente, participou do filme “Pantera Negra” em 2018 e da série “Daisy Jones and The Six”. Em entrevista recente, contou detalhes sobre sua criação na capital baiana, para onde sua mãe decidiu se mudar após engravidar. A filha brasileira postou homenagem simples mas emocionante nas redes sociais: “Meu grande ancestral. Que vida”.

Maranhão celebrou artista como rei da Jamaica brasileira

O estado do Maranhão, especialmente São Luís, desenvolveu relação única com Jimmy Cliff e sua música. A capital maranhense é conhecida oficialmente como “Capital Nacional do Reggae”, título que deve muito à influência do cantor jamaicano. O álbum “Follow My Mind”, lançado em 1975, teve impacto gigantesco na região e permanece popular após 50 anos.

Segundo o jornalista e DJ Ademar Danilo, diretor do Museu do Reggae de São Luís, Cliff foi um dos primeiros artistas a ser amado no Maranhão, muito antes de Bob Marley. As músicas do álbum já frequentavam os salões de dança no início da década de 1970. Até hoje, várias faixas desse disco continuam sendo sucesso quando tocam, fazendo as pessoas correrem para dançar.

Cliff sentia-se verdadeiramente em casa no Maranhão. Passou dias visitando clubes de reggae na periferia, deitando em redes, conversando com moradores e comendo manga colhida do pé. Foi ele o responsável por propagar o apelido de São Luís como “Jamaica brasileira”, consolidando a identidade regueira da capital. A conexão transcendeu o aspecto musical e tornou-se cultural.

Ironicamente, a morte de Cliff foi anunciada logo após São Luís realizar o Ilha do Reggae, o maior festival de reggae da América Latina, que aconteceu no fim de semana anterior à segunda-feira do falecimento. Ademar Danilo resumiu o sentimento da cidade: “Ontem São Luís foi dormir em festa. E hoje a nossa cidade acorda triste com a morte de Cliff”.

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, manifestou-se nas redes sociais destacando que Cliff, ao lado de Bob Marley e Peter Tosh, colocou o reggae na sintonia do planeta. Ela revelou ter convivido com o artista quando ele morou na Bahia, compartilhando momentos musicais inesquecíveis. O cantor Gilberto Gil também prestou homenagem, afirmando que Cliff influenciou e seguirá influenciando sua música.

Em 1980, Cliff e Gil realizaram turnê histórica juntos, passando por Salvador, Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo relatos, um dos shows em São Paulo ocorreu no ginásio da Portuguesa, no Canindé. A parceria entre os dois artistas representou a fusão entre o reggae jamaicano e a música popular brasileira, gerando frutos culturais duradouros.

O último álbum de estúdio lançado em vida por Cliff foi “Refugees”, de 2022, com participação de Wyclef Jean e outros artistas. O disco manteve o compromisso com temas sociais, incluindo faixas como “We Want Justice”, “Racism” e “Bridges”. Até o fim, o artista permaneceu fiel à mensagem de resistência, união e esperança que marcou suas seis décadas de carreira.

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