A Justiça da Paraíba tomou uma decisão histórica e severa nesta sexta-feira (12), abalando as estruturas do mercado de influência digital no Brasil.
O influenciador Hytalo Santos e seu marido, Israel Nata Vicente, conhecido como Euro, tornaram-se oficialmente réus em um processo criminal e trabalhista de proporções gigantescas.
As acusações aceitas pelo tribunal são gravíssimas: exploração sexual de menores e submissão de pessoas a condições análogas à escravidão.
A decisão atende a uma denúncia robusta formulada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB).
O caso, que já vinha sendo investigado sob sigilo, ganhou contornos públicos dramáticos com o bloqueio imediato de bens do casal.
A Justiça determinou o congelamento de contas, carros de luxo e imóveis que somam cerca de R$ 20 milhões.
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Esse montante visa garantir o pagamento de futuras indenizações às vítimas, que, segundo a promotoria, são adolescentes vulneráveis aliciados pela promessa de fama.
Hytalo e Euro, que já estavam detidos preventivamente desde agosto, agora enfrentarão o banco dos réus para responder por crimes hediondos.
A “Turma do Hytalo”, projeto que projetou o influenciador nacionalmente, é apontada na denúncia como uma fachada para um esquema de exploração humana.
O glamour exibido nas redes sociais, com presentes caros e festas, escondia uma realidade de controle absoluto e violação de direitos humanos.
Escândalo Influenciador Digital
A denúncia apresentada pelo MPT descreve um cenário de horror psicológico vivido pelos integrantes da “Turma”.
Segundo os procuradores, os jovens eram submetidos a um confinamento rigoroso, com isolamento total de seus núcleos familiares.
Havia um controle obsessivo sobre a comunicação das vítimas com o mundo externo, impedindo que relatassem os abusos sofridos.
A liberdade de ir e vir era cerceada, transformando a mansão do influenciador em uma espécie de cativeiro de luxo.
Os relatos colhidos pelas autoridades apontam para uma rotina exaustiva de gravações, sem horários definidos para descanso ou alimentação adequada.
A privação de sono era utilizada como ferramenta de controle, mantendo os jovens em estado de vulnerabilidade mental constante.
Além disso, a denúncia destaca a ausência completa de remuneração pelo trabalho realizado nas redes sociais, que gerava milhões para Hytalo.
Os adolescentes trabalhavam em troca de “visibilidade” e presentes pontuais, caracterizando a servidão por dívida ou a exploração pura da mão de obra.
A supressão da autonomia pessoal chegava a níveis alarmantes, com ingerências diretas na vida íntima dos jovens.
O influenciador é acusado de ditar a identidade de gênero e a orientação sexual dos menores para gerar engajamento online.
Denúncia Ministério Público
O Ministério Público do Trabalho foi incisivo ao classificar as condutas como “as piores formas de trabalho infantil”.
A exploração sexual não se limitava ao ato físico, mas à exposição erotizada de menores em vídeos para plataformas digitais.
O conteúdo, muitas vezes com conotação sexual explícita ou implícita, era monetizado sem qualquer repasse ou proteção às vítimas.
Na ação, o MPT pede uma indenização por dano moral coletivo no valor expressivo de R$ 12 milhões.
Além disso, solicita reparações individuais para cada criança e adolescente explorado, variando entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões por vítima.
Para proteger o futuro desses jovens, o órgão requereu que o dinheiro das indenizações seja depositado em poupança bloqueada até a maioridade.
A gravidade das provas reunidas inclui depoimentos de ex-integrantes da turma e farta documentação digital apreendida.
O MPT argumenta que o consentimento dos menores ou de seus pais é “irrelevante” diante da violação de direitos indisponíveis.
Muitos pais recebiam “mesadas” de até R$ 3 mil para permitirem a permanência dos filhos na casa, o que configura, segundo a acusação, venda ou aluguel de pessoas.
Esses genitores também podem ser responsabilizados por abandono intelectual e negligência, conforme o andamento do processo.
Investigação Turma Hytalo
A investigação revelou que a “Turma do Hytalo” operava como uma empresa clandestina de produção de conteúdo, à margem da lei.
Os adolescentes eram tratados como propriedade do influenciador, sem direitos trabalhistas, previdenciários ou educacionais assegurados.
A escola e a saúde dos menores foram negligenciadas em prol da agenda frenética de vídeos e “stories” para o Instagram e TikTok.
O caso ganhou força após denúncias do youtuber Felca, que expôs a “adultização” e sexualização das crianças nos vídeos de Hytalo.
A repercussão nacional do vídeo de Felca pressionou as autoridades a acelerarem as apurações que já tramitavam em sigilo na Paraíba.
A Polícia Civil também cumpriu mandados de busca e apreensão, recolhendo computadores e celulares que continham provas cruciais.
Há indícios de coação psicológica grave, onde os jovens eram ameaçados de “descarte” caso não cumprissem as ordens do casal.
O medo de perder a fama repentina e voltar ao anonimato era usado como chantagem emocional para garantir a submissão.
A defesa de Hytalo e Euro tentou diversos recursos, incluindo pedidos de Habeas Corpus no STJ, todos negados até o momento.
O Superior Tribunal de Justiça manteve a prisão preventiva citando a necessidade de interromper a atividade criminosa e proteger as vítimas.
Decisão Tribunal Justiça
A aceitação da denúncia pela 2ª Vara Mista de Bayeux marca o início da fase processual mais crítica para o casal.
Agora réus, eles terão prazo para apresentar defesa prévia, mas permanecerão presos devido ao risco de fuga e interferência nas provas.
O delegado responsável pelo caso afirmou que Hytalo e Euro já tinham iniciado um plano de fuga antes de serem detidos em agosto.
Se condenados, as penas somadas podem ultrapassar 20 anos de prisão, considerando o concurso de crimes e o número de vítimas.
O crime de trabalho análogo à escravidão tem pena de 2 a 8 anos, aumentada por ser contra crianças e adolescentes.
Já a exploração sexual e o tráfico de pessoas possuem penas igualmente severas, previstas no Código Penal e no ECA.
A Justiça também determinou que órgãos de assistência social ofereçam suporte psicológico e médico imediato às vítimas resgatadas.
Muitos desses jovens apresentam sinais de trauma profundo e desorientação após meses ou anos de abusos sistemáticos.
O bloqueio de bens é uma medida cautelar para evitar que o patrimônio acumulado ilicitamente seja dilapidado durante o processo.
A sociedade paraibana e brasileira acompanha o desfecho, exigindo o fim da impunidade para crimes cometidos sob o manto da influência digital.
O caso serve como um alerta definitivo para pais e responsáveis sobre os perigos da busca desenfreada pela fama na internet.
A regulamentação do trabalho de menores nas redes sociais ganha, a partir de hoje, um precedente jurídico de peso inestimável.
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