Randolfe rebate críticas de Wagner Moura ao PL do Streaming em áudio vazado

Líder do governo no Congresso desabafa com produtora Paula Lavigne após ator classificar projeto como “bizarro”; disputa envolve taxas para Netflix e YouTube, cotas de tela e racha na base cultural de Lula.

Montagem com dois frames em close-up do rosto do ator Wagner Moura; ele aparece com expressão séria e de desaprovação, vestindo uma malha de tricô marrom, olhando para a câmera enquanto fala.
O ator Wagner Moura publicou vídeo nas redes sociais com duras críticas ao texto atual da regulação do streaming, estopim para o desabafo vazado do líder do governo. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

A reta final da votação do Marco Regulatório do Streaming no Brasil (PL 2.331/2022) transformou-se em um campo de batalha aberto entre o governo federal e seus apoiadores históricos da classe artística.

O episódio mais recente, e explosivo, dessa tensão envolve dois pesos pesados: o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), líder do governo no Congresso, e o ator e diretor Wagner Moura, uma das vozes mais respeitadas da cultura nacional.

O estopim foi um vídeo publicado por Moura nas redes sociais nesta semana, onde ele classifica o texto atual do projeto como “bizarro” e “muito ruim” para a soberania do país. Assista o vídeo:

A reação de Brasília não tardou e veio carregada de frustração. Em um áudio enviado à produtora Paula Lavigne e vazado para a imprensa, Randolfe Rodrigues não escondeu sua irritação com a postura do ator.

“Desculpa a revolta, mas eu não sei em que mundo o pessoal está”, desabafou o senador.

Para Randolfe, as críticas de Moura ignoram a correlação de forças no Congresso Nacional e o poder de fogo dos lobbies das big techs.

“A gente conseguiu foi o melhor possível do texto”, argumentou o parlamentar, reforçando a tese de que o governo está operando uma “redução de danos” diante de um legislativo conservador.

Esse choque de realidades — o idealismo da classe artística versus o pragmatismo político do Planalto — expõe as feridas abertas de uma regulação que se arrasta há anos e define o futuro do audiovisual brasileiro.

Leia Também: Wagner Moura favorito ao Globo de Ouro

Astro de Hollywood e a Crítica “Bizarra”

Para entender a irritação do governo, é preciso analisar o conteúdo do vídeo que viralizou. Wagner Moura, atualmente cotado para o Oscar por seu papel em “O Agente Secreto”, usou sua influência global para fazer um apelo direto ao presidente Lula.

No vídeo, Moura foca em dois pontos cruciais que considera inaceitáveis no texto relatado pelo senador Eduardo Gomes (PL-TO).

O primeiro é a tributação. O projeto prevê uma alíquota máxima de 4% sobre o faturamento das plataformas de streaming (como Netflix, Disney+ e Amazon Prime).

Para o ator, esse valor é irrisório se comparado ao tamanho do mercado brasileiro, o segundo maior do mundo em consumo de streaming, atrás apenas dos EUA. “É uma taxação muito pequena”, afirmou.

Mas o ponto que Moura classificou como “bizarro” é o mecanismo de abatimento da Condecine (a contribuição que financia o cinema nacional).

Pelo texto atual, as plataformas poderão descontar até 60% do valor que deveriam pagar de imposto caso invistam em “produções próprias”.

Na visão dos artistas independentes, isso é uma armadilha. Em vez de o dinheiro ir para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) — que fomenta produtoras pequenas, regionais e independentes —, ele ficaria no caixa das próprias gigantes para financiar conteúdos que elas já produziriam de qualquer forma.

“Esse é um dinheiro que deveria estar indo para fomentar a produção independente brasileira”, alertou Moura, pedindo que o Ministério da Cultura “entre no jogo”.

Líder Governista e a “Realpolitik”

A resposta de Randolfe Rodrigues, enviada via WhatsApp para Paula Lavigne (esposa de Caetano Veloso e uma das maiores articuladoras da classe), revela o esgotamento do governo com o “fogo amigo”.

No áudio, Randolfe explica que o texto possível é fruto de uma guerra de trincheiras contra o lobby das plataformas digitais, que operam sem regulação no Brasil há mais de uma década.

“Eu gostaria de ter um Congresso com 200 deputados do PT, 100 do PSOL… Mas não tem, pô. A maior bancada aqui é do PL, do partido do Bolsonaro. Será que o pessoal não entende isso?”, questionou o senador.

A fala “não sei em que mundo o pessoal está” reflete a visão de que a classe artística, ao exigir um texto ideal (com taxas maiores e sem abatimentos), pode acabar implodindo a votação e deixando o setor sem regulação nenhuma por mais tempo.

Randolfe argumenta que aprovar o PL, mesmo com falhas, é garantir uma vitória mínima: a existência da cota de tela (obrigação de ter conteúdo brasileiro no catálogo) e o início da cobrança tributária.

O senador ainda citou que não tinha o telefone de Wagner Moura para falar diretamente com ele, por isso usou Lavigne como intermediária.

Além de Randolfe, a Ministra da Cultura, Margareth Menezes, também teria entrado em campo para acalmar os ânimos, enviando mensagens ao ator para explicar a estratégia do governo.

Marco Regulatório do VOD: O Que Está em Jogo?

A disputa não é apenas retórica; ela envolve bilhões de reais e a soberania cultural do país.

O Brasil é um dos poucos grandes mercados do mundo que ainda não regulou o Vídeo Sob Demanda (VOD). Na Europa, países como França e Espanha já impõem taxas que chegam a investir 20% ou 25% do faturamento das plataformas em conteúdo local.

O PL 2.331/2022 tenta estabelecer essas regras por aqui. Se aprovado, ele obrigará serviços como Netflix e YouTube a:

  1. Pagar a Condecine (taxa de desenvolvimento da indústria) com alíquotas progressivas de até 4%.

  2. Oferecer uma cota mínima de conteúdo brasileiro em seus catálogos e dar visibilidade a essas obras.

  3. Investir na capacitação técnica do setor.

No entanto, o diabo mora nos detalhes. A questão dos “Direitos Patrimoniais” (IP) é outro ponto de discórdia que Wagner Moura e outros artistas, como Fernanda Torres e Kleber Mendonça Filho, levantam.

Hoje, quando a Netflix contrata uma produtora brasileira para fazer uma série, a plataforma geralmente exige a propriedade total da obra (IP). A produtora vira apenas uma prestadora de serviço, sem lucrar com o sucesso futuro ou vendas internacionais.

Os artistas querem que a lei obrigue as plataformas a deixarem parte dos direitos com os criadores brasileiros, garantindo a sustentabilidade das produtoras nacionais a longo prazo. O texto atual é vago ou omisso nesse ponto, favorecendo o modelo de “encomenda total” das Big Techs.

Gigantes Digitais e o Lobby Invisível

Enquanto artistas e governo brigam publicamente, as plataformas digitais atuam nos bastidores do Congresso.

Empresas como Google (YouTube) e Meta têm feito forte pressão contra a equiparação de suas plataformas com serviços de streaming curatorial (como a Netflix). Elas alegam que o conteúdo gerado por usuário (UGC) não pode ser taxado da mesma forma.

O relator Eduardo Gomes tem tentado equilibrar esses pratos. Recentemente, ele indicou que a votação deve ocorrer até o dia 15 de dezembro, antes do recesso parlamentar.

O senador bolsonarista tem sido, ironicamente, o interlocutor tanto das “tubarões” do audiovisual (grandes produtoras que querem a aprovação rápida) quanto das plataformas.

Uma carta assinada por grandes produtoras (ligadas ao SIAESP e SICAV) foi enviada a Gomes pedindo a aprovação imediata do texto, contrariando a posição de Wagner Moura e dos independentes.

Isso mostra que a classe artística não é um monólito: os grandes estúdios, que já têm contratos gordos com os streamings, preferem a regra atual (com abatimento de imposto) do que o risco de não ter lei nenhuma. Já os independentes temem ser engolidos.

Articulação Cultural em Crise

O episódio do áudio vazado é sintomático de um problema maior: a dificuldade do governo Lula em entregar as promessas de campanha para o setor cultural.

A recriação do Ministério da Cultura foi celebrada, mas a falta de força política para passar regulações mais duras contra o capital estrangeiro tem gerado decepção.

Ao dizer que “ganhamos a eleição, mas perdemos o Congresso”, Randolfe tenta transferir a responsabilidade do texto “ruim” para o legislativo.

Porém, para Wagner Moura, a questão é de “autoestima e soberania”. Ele argumenta que aceitar migalhas das plataformas é perpetuar uma relação de colonialismo digital.

“O Brasil ficou para trás enquanto o mundo estabelece regras modernas”, ecoou o senador Humberto Costa (PT-PE), que, diferente de Randolfe, tem adotado um tom mais alinhado às críticas dos artistas, cobrando regras mais rígidas.

O racha interno no próprio PT — com Randolfe defendendo o pragmatismo e Humberto Costa cobrando ousadia — deixa o cenário ainda mais imprevisível.

Se o projeto não for votado até o dia 15, a discussão ficará para 2026, um ano eleitoral onde pautas complexas dificilmente avançam.

Para Wagner Moura, talvez seja melhor esperar do que aprovar um texto “bizarro”. Para Randolfe, o ótimo é inimigo do bom, e o Brasil não pode mais esperar.

Resta saber quem piscará primeiro nesse duelo entre a força da imagem de um ídolo nacional e a caneta dos senadores em Brasília.

Apoie o jornalismo independente e acompanhe cada passo dessa votação que define o que você vai assistir na sua TV nos próximos anos.

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários