CPMI do INSS vai ouvir dono de empresa ligada a Alcolumbre

Empresário apontado como sócio da Arpar Administração deve depor nesta segunda-feira ao lado de ex-coordenador de pagamentos do INSS, ambos envolvidos em investigações sobre desvio de bilhões em fraudes previdenciárias

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Homem de cabelos grisalhos vestindo terno azul marinho e gravata clara, gesticulando com o dedo indicador levantado enquanto fala ao microfone durante sessão parlamentar, com painel geométrico cinza do Senado Federal ao fundo
Deputado Alfredo Gaspar (União-AL), relator da CPMI do INSS, tem denunciado o que classifica como blindagem política a investigados que receberam milhões de empresas ligadas ao esquema de fraudes previdenciárias

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social realiza nesta segunda-feira, 24, uma das audiências mais aguardadas desde sua instalação em agosto. Os parlamentares vão ouvir Rodrigo Moraes, apontado pela Polícia Federal como sócio da Arpar Administração, Participação e Empreendimento S.A., empresa que movimentou quase R$ 100 milhões em apenas cinco meses e está no centro das suspeitas de lavagem de dinheiro do esquema bilionário.

A convocação de Moraes ganhou relevância após investigações revelarem que a Arpar repassou R$ 3 milhões ao advogado Paulo Boudens, ex-chefe de gabinete do presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre. O pagamento ocorreu entre setembro de 2023 e fevereiro de 2024, período em que a empresa recebeu aproximadamente R$ 50 milhões de companhias controladas por Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS, considerado o principal operador das fraudes previdenciárias.

Empresa funcionava como veículo de passagem

Segundo relatórios da Polícia Federal obtidos pela CPMI, a Arpar atuava como uma empresa de passagem, já que os recursos recebidos eram rapidamente transferidos para terceiros sem correspondência clara com atividades comerciais legítimas. O volume de dinheiro movimentado chamou atenção dos investigadores pela desproporção entre os repasses milionários e a estrutura declarada da companhia, que se apresenta na Junta Comercial de São Paulo como especialista em comércio de equipamentos de informática.

Entre setembro de 2023 e fevereiro de 2024, a Arpar movimentou R$ 98 milhões, segundo dados fiscais analisados pelos investigadores. A maior parte desse montante teria origem nas empresas do Careca do INSS, que utilizava uma rede complexa de pessoas jurídicas para ocultar a destinação final dos recursos desviados de aposentados e pensionistas. O administrador financeiro das empresas de Antunes, Milton Salvador de Almeida Júnior, confirmou em depoimento à CPMI ter realizado transferências da ordem de R$ 50 milhões para a Arpar.

Relação com gabinete de Alcolumbre intriga parlamentares

A conexão entre a Arpar e Paulo Boudens tornou-se um dos pontos mais sensíveis da investigação parlamentar. Boudens atuou como chefe de gabinete de Davi Alcolumbre e, mesmo após reportagens revelarem os repasses milionários, permaneceu vinculado ao presidente do Congresso. Atualmente, ele ocupa cargo de confiança no Conselho de Estudos Políticos do Senado, com remuneração de R$ 31,3 mil mensais.

O deputado Carlos Jordy apresentou requerimento solicitando a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Boudens, citando as investigações da Polícia Federal que identificaram os repasses. Contudo, a base governista conseguiu rejeitar o pedido por 17 votos a 13 em votação realizada no início de outubro. A decisão gerou críticas contundentes do relator da CPMI, deputado Alfredo Gaspar, que classificou a proteção a Boudens como blindagem vergonhosa perpetrada pelos próprios parlamentares.

Relator denuncia proteção a quatro investigados

Durante a 24ª reunião da comissão, Alfredo Gaspar voltou a atacar o que considera uma articulação para impedir que a investigação alcance figuras politicamente conectadas. O relator mencionou nominalmente quatro pessoas que, segundo ele, receberam juntas mais de R$ 8 milhões de dinheiro roubado do povo brasileiro e foram protegidas de convocação ou quebra de sigilo por votos de integrantes do próprio colegiado.

Além de Paulo Boudens, o relator citou Gustavo Marques Gaspar, empresário descrito como braço direito do senador Weverton Rocha e que teria concedido procuração com amplos poderes ao operador financeiro do Careca do INSS. Também foram mencionadas Danielle Miranda Fonteles, responsável por empresa de comunicação que atuou em campanhas do PT e teria recebido R$ 5 milhões, e Roberta Luchsinger, empresária com ligações documentadas com Antônio Carlos Camilo Antunes, conforme admitido pelo próprio Careca em depoimento à comissão.

Ex-coordenador do INSS também será ouvido

Na mesma sessão em que Rodrigo Moraes deve prestar depoimento, os parlamentares aguardam Jucimar Fonseca da Silva, que ocupou o cargo de coordenador-geral de pagamentos do INSS até ser afastado em abril, quando a Polícia Federal deflagrou operação contra irregularidades no órgão. Segundo investigações da PF e da Controladoria-Geral da União, Jucimar teria autorizado desbloqueios em lote para descontos associativos solicitados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.

O servidor teve 11 requerimentos de convocação aprovados pela CPMI, além da quebra de seus sigilos bancário e fiscal. A comissão chegou a aprovar pedido de prisão preventiva contra ele, mas Jucimar recorreu ao Supremo Tribunal Federal com pedido de habeas corpus. Na semana passada, ele apresentou atestado médico alegando incapacidade para depor, o que contribuiu para o cancelamento de uma sessão anterior da comissão.

STF concede habeas corpus a depoentes

A estratégia de buscar proteção judicial no Supremo Tribunal Federal tem sido adotada sistematicamente por convocados da CPMI do INSS. Nas últimas semanas, diversos depoentes obtiveram habeas corpus que garantem o direito ao silêncio e impedem eventual ordem de prisão caso optem por não responder a perguntas que possam incriminá-los. O mecanismo tem frustrado os trabalhos da comissão, conforme reclamações reiteradas do presidente Carlos Viana e do relator Alfredo Gaspar.

O empresário Thiago Schettini, apontado como intermediário no esquema e alvo de três convocações aprovadas por parlamentares governistas, não compareceu a depoimentos após obter habeas corpus. Da mesma forma, Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, compareceu à comissão amparado por decisão do ministro André Mendonça que tornou facultativa sua presença e garantiu o direito de permanecer em silêncio. A decisão foi duramente criticada pelo presidente da CPMI, que considerou a medida um desrespeito ao Parlamento.

Senado impôs sigilo de 100 anos sobre lobista

O relator Alfredo Gaspar também direcionou críticas ao próprio Senado por impor sigilo de 100 anos sobre os registros de entrada do lobista Antônio Carlos Camilo Antunes nos gabinetes dos senadores. A medida, revelada pela imprensa, impede que parlamentares e a opinião pública tenham acesso às informações sobre quais congressistas receberam visitas do principal operador do esquema de fraudes que desviou cerca de R$ 4 bilhões de aposentadorias.

O deputado classificou o sigilo secular como uma vergonha que ninguém fala e questionou por que o Senado estaria protegendo informações que poderiam revelar conexões entre o lobista e parlamentares. A imposição do sigilo contrasta com a natureza pública dos trabalhos de uma comissão parlamentar de inquérito, cujo objetivo declarado é esclarecer as fraudes e identificar os responsáveis em todas as esferas envolvidas.

Fraude desviou bilhões de aposentados

O esquema investigado pela CPMI do INSS envolveu descontos indevidos realizados diretamente nos benefícios de aposentados e pensionistas, supostamente referentes a mensalidades de associações das quais as vítimas nunca solicitaram filiação. Estimativas indicam que cerca de R$ 4 bilhões foram desviados ao longo de anos, afetando milhões de beneficiários que só tomaram conhecimento dos descontos ao verificarem extratos bancários ou receberem valores menores do que o esperado.

A Operação Sem Desconto, conduzida pela Polícia Federal, revelou uma estrutura complexa que incluía servidores do INSS, dirigentes de confederações e sindicatos, empresários do setor de tecnologia e intermediários financeiros. A investigação identificou pagamentos milionários de propina a agentes públicos que autorizavam os descontos e facilitavam o acesso das associações fraudulentas aos sistemas previdenciários. Na mais recente fase da operação, a PF cumpriu 63 mandados de busca e apreensão em 14 estados e no Distrito Federal.

Frei Chico permanece fora do radar

Apesar das tentativas da oposição, a convocação de José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, continua enfrentando resistência da base governista. Irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos, Frei Chico teve seu nome associado às investigações após documentos da Controladoria-Geral da União revelarem que o Sindnapi omitiu sua presença no quadro diretivo para renovar acordo de cooperação técnica com o INSS.

O sindicato movimentou cerca de R$ 150 milhões em 2024, parte proveniente de convênios com o INSS e associações intermediárias. A CGU apontou que o parentesco de Frei Chico com o presidente da República deveria, legalmente, impedir a entidade de celebrar parcerias com a administração pública federal. O presidente da CPMI afirmou que considera urgente votar a convocação do dirigente sindical, mas a articulação governista tem conseguido adiar sistematicamente a deliberação.

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