A situação na Terra Indígena Kawahiva do Rio Pardo, localizada no estado de Mato Grosso, atingiu um ponto crítico de tensão neste início de dezembro de 2025. Relatórios recentes de organizações de monitoramento ambiental e indigenista indicam que madeireiros e pecuaristas estão fechando o cerco contra um dos últimos grupos de indígenas isolados do planeta. Apesar das promessas governamentais de proteção integral, a demarcação física do território continua paralisada, permitindo que invasores avancem quilômetros floresta adentro. O som de motosserras e a fumaça de queimadas ilegais estão cada vez mais próximos das aldeias temporárias deste povo nômade, criando um cenário de “genocídio iminente”, segundo alertam especialistas em direitos humanos.
A morosidade do Estado brasileiro em finalizar o processo de homologação da terra tem servido como um convite tácito para a exploração ilegal. Estradas clandestinas, conhecidas como “picadas”, foram abertas nas últimas semanas, conectando fazendas vizinhas diretamente ao coração da floresta onde os Kawahiva buscam refúgio. A ausência de fiscalização permanente na região, agravada por cortes orçamentários em agências de proteção, deixou a área vulnerável. Para os invasores, a terra é vista apenas como um recurso econômico inexplorado; para os Kawahiva, é a única barreira entre a existência e a extinção.
Além disso, a pressão política exercida por setores do agronegócio local tem dificultado a ação da Polícia Federal e do IBAMA. Há relatos de que políticos regionais estariam incentivando a ocupação da área, argumentando que a terra é “produtiva demais” para ser deixada para um grupo pequeno de indígenas que não mantêm contato com a sociedade nacional. Essa retórica inflamatória aumentou a hostilidade contra os agentes da Funai que tentam monitorar a região, tornando o trabalho de proteção uma atividade de alto risco. O governo federal, pressionado internacionalmente, declarou que enviará uma força-tarefa, mas no terreno, a realidade permanece inalterada.
Povo da floresta encurralado
Os Kawahiva do Rio Pardo são conhecidos por serem sobreviventes de massacres passados e por sua decisão consciente de evitar o contato com o mundo exterior. Eles vivem em constante movimento, fugindo das frentes de desmatamento que devoram seu habitat. No entanto, o espaço para fuga está acabando. Imagens de satélite analisadas nos últimos dois dias mostram clareiras recentes abertas em zonas que eram consideradas santuários seguros. A destruição da floresta não elimina apenas a caça e a coleta das quais dependem, mas expõe o grupo a doenças contra as quais não possuem imunidade imunológica, como a gripe ou o sarampo.
A sobrevivência física dos Kawahiva depende intrinsecamente da integridade de seu território. Diferente de outras etnias que já possuem contato e podem reivindicar seus direitos verbalmente, os Kawahiva sob cerco ilegal comunicam sua presença através de vestígios deixados na mata, como armadilhas de caça e habitações provisórias. Esses sinais, contudo, estão sendo apagados pelas máquinas pesadas dos invasores. A destruição das evidências de ocupação indígena é uma tática comum usada por grileiros para alegar que a terra está vazia e, portanto, passível de apropriação legal.
Consequentemente, a angústia das organizações indigenistas é palpável. A Survival International e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) lançaram campanhas de emergência pedindo que o Ministério da Justiça assine imediatamente a portaria declaratória que garantiria a posse permanente da terra aos indígenas. Sem esse documento legal, qualquer operação de retirada de invasores é juridicamente frágil e sujeita a contestações judiciais intermináveis. Enquanto os advogados debatem em Brasília, na floresta, a distância entre os tratores e as famílias Kawahiva diminui a cada hora.
Comunidade silvícola cercada
O impacto psicológico sobre o grupo isolado é inimaginável. Antropólogos explicam que o ruído constante de máquinas e a presença de estranhos forçam o grupo a viver em estado de alerta perpétuo, impedindo a realização de rituais, o plantio de roças de subsistência e o cuidado adequado com as crianças e idosos. O estresse do cerco pode levar à fragmentação do grupo ou a confrontos desesperados, onde os indígenas, armados apenas com arcos e flechas, não teriam chance contra invasores fortemente armados. A história da colonização da Amazônia está repleta de episódios semelhantes que terminaram em tragédia silenciosa.
A proteção da Terra Indígena Rio Pardo não é apenas uma questão humanitária, mas também ambiental. A área funciona como um corredor ecológico vital, conectando diferentes biomas e protegendo nascentes de rios importantes para a bacia amazônica. A invasão desenfreada ameaça romper esse equilíbrio, acelerando o processo de savanização da região. Estudos climáticos recentes indicam que a preservação de territórios indígenas é a estratégia mais eficaz e barata para combater o aquecimento global, pois essas áreas apresentam as menores taxas de desmatamento em comparação com qualquer outra categoria de terra protegida.
Ademais, a comunidade internacional observa com atenção a postura do Brasil. A União Europeia, que recentemente aprovou leis rígidas contra a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas, pode impor sanções caso fique comprovado que a madeira ou a carne produzida na região do Rio Pardo tem origem em terras invadidas. O governo brasileiro sabe que a inação pode custar caro diplomaticamente e economicamente, mas a implementação prática da lei enfrenta a resistência de uma rede criminosa bem estruturada e politicamente conectada no interior do Mato Grosso.
Etnia vulnerável invadida
Por fim, a esperança reside na mobilização da sociedade civil e na ação firme do Judiciário. O Ministério Público Federal (MPF) já ajuizou diversas ações exigindo a desintrusão da área, mas as decisões liminares muitas vezes não são cumpridas por falta de efetivo policial. É necessário um esforço coordenado que envolva inteligência, repressão e, acima de tudo, vontade política para enfrentar os interesses econômicos que lucram com a destruição. A proteção dos Kawahiva é um teste definitivo para o compromisso do Brasil com seus povos originários e com a preservação da Amazônia.
O tempo está se esgotando. Se a proteção efetiva não chegar nas próximas semanas, podemos testemunhar o desaparecimento de um povo inteiro e de sua cultura única, sem que eles jamais tenham tido a chance de falar ao mundo. O silêncio da floresta, que antes protegia os Kawahiva, agora é quebrado pelo barulho do progresso predatório. Resta saber se o grito de socorro, ecoado por ativistas e defensores, será ouvido nos gabinetes de Brasília antes que seja tarde demais. A Constituição Brasileira garante aos índios o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas para os Kawahiva, a lei ainda é uma promessa distante, enquanto as motosserras são uma realidade presente e letal.
Em suma, o destino dos Kawahiva do Rio Pardo está por um fio. A batalha pela sua sobrevivência é um microcosmo da luta maior pelo futuro da Amazônia. Proteger este pequeno grupo de caçadores-coletores é afirmar que a vida humana e a diversidade cultural valem mais do que o lucro imediato da madeira e do gado. O mundo aguarda, mas os Kawahiva não podem mais esperar.
