Marcos Valério: Novo esquema de fraude em MG

Pivô do Mensalão volta à mira da polícia em fraude de R$ 215 milhões, atacadistas envolvidos e megaoperação mobiliza autoridades hoje.

Close-up do publicitário Marcos Valério, careca e de terno preto, cercado por jornalistas segurando microfones e gravadores.
O publicitário Marcos Valério, conhecido como operador do Mensalão, é cercado por repórteres. Ele volta a ser investigado em uma nova operação em Minas Gerais por suspeita de sonegação fiscal.

Uma nova tempestade jurídica se forma sobre Marcos Valério Fernandes de Souza, o publicitário nacionalmente conhecido como o operador do Mensalão. Na manhã desta terça-feira (02), ele foi alvo de uma megaoperação deflagrada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e pela Polícia Civil, batizada de “Ambiente 186”. As investigações apontam que Valério integraria um sofisticado esquema criminoso voltado para a sonegação fiscal no setor atacadista e varejista de alimentos, causando um prejuízo estimado em mais de R$ 200 milhões aos cofres públicos. A notícia reacende a memória do maior escândalo político da década de 2000 e coloca novamente o empresário nas manchetes policiais.

Investigação de fraude fiscal mineira

A operação, que mobilizou dezenas de agentes e auditores fiscais, cumpriu mandados de busca e apreensão na região metropolitana de Belo Horizonte e no Centro-Oeste de Minas. O foco central da investigação é desmantelar uma organização que utilizava empresas de fachada para simular operações comerciais interestaduais. Segundo o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), do qual o MPMG faz parte, o objetivo era driblar o pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), tanto o próprio quanto o devido por substituição tributária.

A participação de Marcos Valério no esquema seria estratégica. Embora os detalhes exatos de sua função na hierarquia atual ainda estejam sob sigilo parcial, fontes ligadas à investigação sugerem que sua experiência em trâmites financeiros e empresariais pode ter sido utilizada para estruturar a engenharia da fraude. O publicitário, que cumpre pena em regime semiaberto pelos crimes do Mensalão, agora vê sua liberdade ameaçada por novos indícios de reincidência criminal. A operação apreendeu documentos, computadores e celulares que serão periciados para mapear o fluxo do dinheiro desviado e identificar outros beneficiários ocultos.

O modus operandi do grupo era clássico, porém executado em larga escala. Ao criar “empresas fantasmas” em outros estados, o grupo simulava a venda de mercadorias para essas pessoas jurídicas inexistentes ou inativas. Com isso, conseguiam reduzir artificialmente a carga tributária devida a Minas Gerais, permitindo que as mercadorias fossem vendidas no mercado local a preços muito abaixo da concorrência leal. Essa prática, além de lesar o Estado, provocava uma concorrência desleal predatória, quebrando comerciantes honestos que pagam seus impostos em dia.

A defesa de Marcos Valério ainda não se manifestou detalhadamente sobre as novas acusações, mas o histórico do empresário joga contra ele. Condenado a mais de 37 anos de prisão em 2012 por corrupção ativa, peculato e lavagem de dinheiro, ele se tornou o símbolo da impunidade combatida. Este novo episódio sugere que, mesmo após anos de cárcere e processos, as conexões com o submundo dos crimes de colarinho branco podem não ter sido totalmente cortadas.

Operação contra desvios tributários

A “Operação Ambiente 186” impressiona pelos números e pela coordenação interinstitucional. Participaram da ação 6 promotores de Justiça, 3 delegados da Polícia Civil, 58 auditores da Receita Estadual e mais de 100 policiais, entre civis e militares. O nome da operação é uma referência técnica, mas o impacto é prático e imediato: estancar a sangria de recursos que deveriam ir para saúde e educação, mas que acabavam virando lucro ilícito para uma quadrilha empresarial.

O valor sonegado, calculado inicialmente em R$ 215 milhões, pode ser apenas a ponta do iceberg. Auditores suspeitam que o esquema opere há anos, drenando recursos vitais da economia mineira. A criação de empresas “noteiras” — cuja única função é emitir notas fiscais falsas — é um câncer no sistema tributário brasileiro, e o desmantelamento desse núcleo em Minas Gerais é considerado uma vitória estratégica para o governo estadual, que enfrenta desafios fiscais constantes.

Para o cidadão comum, a fraude parece distante, mas seus efeitos são sentidos na prateleira do supermercado e na qualidade do serviço público. Quando grandes atacadistas sonegam, eles distorcem o mercado, concentram renda e retiram do Estado a capacidade de investimento. A presença de uma figura notória como Marcos Valério no centro das apurações serve como um lembrete amargo de que a vigilância sobre crimes financeiros deve ser constante e implacável.

Além das buscas, a Justiça determinou o bloqueio de bens dos envolvidos para garantir o ressarcimento ao erário. Essa medida assecuratória é fundamental, pois em crimes dessa natureza, o dinheiro costuma “desaparecer” em contas de laranjas ou no exterior. A rapidez com que o MPMG agiu visa justamente evitar a dilapidação patrimonial antes que o processo chegue a uma sentença final.

Esquema ilícito em atacadistas

O setor atacadista de alimentos é um dos mais dinâmicos da economia, movimentando bilhões anualmente. Justamente por esse volume, torna-se um alvo preferencial para esquemas de lavagem de dinheiro e sonegação. A investigação aponta que redes de supermercados podem ter se beneficiado diretamente das mercadorias “baratas” fornecidas pelo esquema de Valério e seus comparsas. Ao comprar produtos sem o recolhimento integral de impostos, essas redes aumentavam suas margens de lucro de forma criminosa.

A complexidade da fraude exigia conhecimento técnico avançado. Não se tratava apenas de não pagar um boleto, mas de criar toda uma documentação fiscal paralela que enganasse, ao menos temporariamente, os sistemas de controle da Receita. A suspeita é de que contadores e advogados também façam parte da organização criminosa, fornecendo o verniz de legalidade necessário para que as operações fraudulentas passassem despercebidas por tanto tempo.

A reincidência de Marcos Valério em crimes dessa natureza — ele já havia sido condenado anteriormente por sonegação fiscal em outros processos — levanta questionamentos sobre a eficácia do sistema de ressocialização para criminosos de colarinho branco. Mesmo cumprindo pena, ele teria encontrado meios e parceiros para voltar a delinquir. Isso expõe a necessidade de um monitoramento mais rigoroso sobre as atividades econômicas de condenados por crimes financeiros de alto potencial ofensivo.

O desfecho dessa operação pode levar a novos pedidos de prisão preventiva. Se comprovada a participação ativa de Valério na liderança ou operacionalização do esquema enquanto cumpria pena, ele poderá perder os benefícios da execução penal e voltar ao regime fechado. A sociedade mineira e brasileira aguarda agora os próximos passos do Ministério Público, na esperança de que a “Ambiente 186” limpe o ambiente de negócios no estado.

Histórico de crimes financeiros

Para entender a gravidade do momento atual, é preciso revisitar o passado. Marcos Valério não é um réu primário qualquer; ele foi o operador financeiro do esquema que quase derrubou o governo federal em 2005. Suas agências de publicidade, SMP&B e DNA, foram usadas para desviar dinheiro público e pagar propina a parlamentares em troca de apoio político no Congresso. A condenação no STF foi histórica, mas parece não ter sido suficiente para encerrar sua carreira no mundo do crime.

Ao longo dos anos, Valério tentou acordos de delação premiada, prometendo entregar figuras graúdas da política nacional, inclusive citando o ex-presidente Lula e ligações com facções criminosas, embora muitas dessas acusações carecessem de provas robustas ou corroboradas. Sua credibilidade sempre foi questionada, mas sua capacidade de articulação financeira nunca foi subestimada. O envolvimento agora com atacadistas mostra uma migração de área: da publicidade pública para a fraude fiscal privada.

Este novo capítulo reforça a tese de que o crime de colarinho branco no Brasil é cíclico e viciante. Os lucros são astronômicos e os riscos, muitas vezes, calculados. No entanto, a evolução das ferramentas de inteligência fiscal, como o cruzamento de dados eletrônicos usado na Operação Ambiente 186, tem tornado a vida dos sonegadores mais difícil. O “Big Brother” fiscal funcionou, e Marcos Valério foi flagrado novamente pelas câmeras do Estado.

Resta saber se, desta vez, a punição será pedagógica o suficiente para encerrar definitivamente a trajetória de ilicitudes de um dos personagens mais controversos da história recente do Brasil. O Ministério Público promete rigor, e o país observa atento.

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