Michelle Bolsonaro veta Ciro Gomes e expõe racha profundo no PL: “Isso não dá”

Ex-primeira-dama classifica aproximação com ex-ministro como erro estratégico e gera desconforto em evento partidário, lideranças locais alegam aval de Jair Bolsonaro para costura política.

Michelle Bolsonaro discursando ao microfone com expressão séria e blazer cinza, tendo ao fundo painel azul com logo do governo, ilustrando sua liderança no PL Mulher e o veto a alianças políticas.
A ex-primeira-dama e presidente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro, durante discurso onde vetou publicamente a aproximação do partido com Ciro Gomes no Ceará.

O cenário político do Ceará, historicamente complexo e decisivo para as pretensões nacionais de qualquer partido, tornou-se palco de um conflito aberto dentro das fileiras do Partido Liberal (PL) neste fim de semana. A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, presidente nacional do PL Mulher e uma das figuras mais influentes da legenda, não poupou críticas à estratégia de alianças desenhada pela direção estadual do partido. Durante um grande evento em Fortaleza, realizado neste domingo (30), Michelle utilizou seu discurso para condenar veementemente a aproximação entre o PL e o ex-ministro Ciro Gomes, recém-filiado ao PSDB, visando as eleições gerais de 2026.

A declaração caiu como um balde de água fria sobre as articulações que vinham sendo costuradas há meses por lideranças locais, como o deputado federal André Fernandes e o presidente nacional da sigla, Valdemar Costa Neto. Ao afirmar categoricamente que “fazer aliança com um homem que é contra o maior líder da direita, isso não dá”, Michelle traçou uma linha vermelha ideológica que confronta diretamente o pragmatismo eleitoral adotado pelo partido no Nordeste. A fala, capturada em vídeos que rapidamente viralizaram nas redes sociais, expõe uma fratura interna entre a ala ideológica, que exige pureza e fidelidade irrestrita a Jair Bolsonaro, e a ala pragmática, que busca somar forças para derrotar a hegemonia do Partido dos Trabalhadores (PT) no estado, mesmo que isso signifique abraçar antigos desafetos.

Disputa interna e divergências ideológicas

O desconforto no palanque foi visível. Enquanto Michelle discursava para uma plateia de apoiadores vestidos de verde e amarelo, as lideranças estaduais do PL tentavam assimilar o golpe público. A crítica de Michelle não foi apenas um comentário lateral, mas o ponto central de sua intervenção política no estado. Ela argumentou que a essência de Ciro Gomes “é de esquerda” e que o histórico de ataques proferidos por ele contra a família Bolsonaro e, especificamente, contra a honra do ex-presidente, torna qualquer composição inviável do ponto de vista moral e ético para o bolsonarismo raiz. Para ela, a política não pode ser feita apenas de cálculos matemáticos de votos, mas deve respeitar princípios e lealdades.

Essa postura intransigente de Michelle Bolsonaro critica Ciro coloca em xeque a autonomia dos diretórios estaduais, um ponto sensível na estrutura do PL. O Ceará é visto como um laboratório para a frente ampla de oposição que se desenha para 2026. A ideia dos articuladores locais é que, para vencer o grupo político que comanda o estado há décadas, é necessário unir todas as forças não petistas, o que incluiria, inevitavelmente, o capital político de Ciro Gomes. Michelle, no entanto, parece disposta a implodir essa ponte se ela significar a diluição da identidade conservadora do partido ou a reabilitação de figuras que ela considera “traidoras” ou “inimigas” do projeto de direita.

A reação imediata das bases locais

A resposta às críticas da ex-primeira-dama não tardou. O deputado André Fernandes, que presenciou a reprimenda no palco, tomou a palavra posteriormente para defender a estratégia adotada. Em um movimento arriscado, ele contestou a narrativa de Michelle, afirmando que a conversa com Ciro Gomes não foi um ato de rebeldia ou precipitação, mas sim uma manobra autorizada pelo próprio Jair Bolsonaro. Fernandes relatou que, em maio deste ano, o ex-presidente teria participado de uma ligação em viva voz com Ciro, dando sinal verde para que as tratativas de união contra o PT avançassem. Essa versão dos fatos joga a responsabilidade de volta para o colo de Bolsonaro, sugerindo uma falha de comunicação grave entre o casal ou uma mudança de postura do ex-presidente.

Essa divergência pública entre Michelle e um dos principais jovens líderes do bolsonarismo no Nordeste revela a dificuldade do PL em manter a coesão. Fernandes, que saiu fortalecido politicamente após uma disputa acirrada pela prefeitura de Fortaleza em 2024, representa a nova geração que busca resultados práticos nas urnas. Para ele e seus aliados, a prioridade máxima é desbancar o governo petista no Ceará, e Ciro Gomes, apesar de todas as contradições, seria uma peça chave nesse tabuleiro. A recusa de Michelle em aceitar essa “realpolitik” cria um impasse que pode paralisar as negociações e enfraquecer a oposição no estado, entregando, na visão dos pragmáticos, a vitória de bandeja para a situação.

O fator Ciro Gomes no tabuleiro de 2026

A figura de Ciro Gomes é o catalisador dessa discórdia. Após sair do PDT e migrar para o PSDB em outubro de 2025, o ex-governador tenta se reinventar politicamente como um líder de centro-direita moderado, capaz de dialogar com conservadores em nome de um projeto de “salvação nacional” e estadual. Ciro, que já chamou Bolsonaro de “genocida” e “fascista” inúmeras vezes no passado, adotou um tom mais ameno e focado na crítica à gestão econômica do governo Lula e à corrupção sistêmica que ele atribui ao PT. Essa metamorfose é vista com ceticismo profundo por Michelle e pela base mais ideológica, que enxerga nele um oportunista em busca de sobrevivência política após sucessivas derrotas presidenciais.

No entanto, para a máquina partidária do PL, Ciro traz algo que o partido precisa desesperadamente no Nordeste: penetração no eleitorado que rejeita Lula, mas que também não se identifica totalmente com o bolsonarismo estético. A aliança seria, portanto, um casamento de conveniência. Valdemar Costa Neto, presidente nacional da legenda, já havia sinalizado publicamente que o apoio a Ciro seria a “única forma” de derrotar o PT no Ceará. A intervenção de Michelle desafia diretamente essa leitura de Valdemar, reacendendo a eterna disputa pelo controle da alma do partido: de um lado, o PL “fisiológico” e estratégico de Valdemar; do outro, o PL “messiânico” e intransigente dos Bolsonaro.

Impacto nacional e futuro da oposição

O episódio em Fortaleza transcende as fronteiras do Ceará e serve como um alerta para a organização da direita em todo o Brasil rumo a 2026. Se o veto de Michelle Bolsonaro critica Ciro prevalecer, isso sinaliza que o PL terá dificuldades enormes em formar palanques amplos nos estados, ficando restrito a candidaturas “puras” que podem não ter densidade eleitoral suficiente para vencer governos estaduais. Por outro lado, se a tese de André Fernandes e Valdemar vencer, e a aliança com Ciro for mantida à revelia de Michelle, a autoridade política da ex-primeira-dama sairá arranhada, mostrando que seu poder de veto tem limites quando confrontado com a necessidade de sobrevivência eleitoral.

Analistas políticos apontam que essa “lavagem de roupa suja” em público é prejudicial para a imagem de unidade que a oposição tenta projetar. Enquanto a esquerda se organiza em torno da máquina federal, a direita bate cabeça definindo quem pode e quem não pode entrar no clube. O eleitor, muitas vezes confuso com essas idas e vindas, pode acabar se desmobilizando. Além disso, a situação expõe a dependência excessiva da figura de Jair Bolsonaro como árbitro final de todas as disputas. Se ele autorizou a aliança, como diz Fernandes, por que não avisou Michelle? Se não autorizou, por que Fernandes sustentaria essa versão publicamente?

A incerteza agora paira sobre o diretório cearense. Michelle defendeu o apoio ao senador Eduardo Girão (Novo) para cargos majoritários, desviando o foco de Ciro. Essa alternativa, embora ideologicamente mais confortável, é vista por muitos analistas como eleitoralmente mais frágil diante da máquina petista. Os próximos meses serão decisivos para ver se o PL vai dobrar a aposta no purismo ideológico defendido por Michelle ou se renderá à aritmética eleitoral defendida pelos caciques partidários. O certo é que a “treta” do fim de semana deixou feridas abertas que não cicatrizarão tão cedo, e Ciro Gomes, o pivô de tudo, assiste de camarote enquanto a direita decide se o quer como aliado ou como inimigo preferencial.

Ainda é cedo para decretar o fim da aliança, mas o recado foi dado. Para Michelle Bolsonaro, a política não vale tudo, e a memória dos ataques passados é um ativo político que não se negocia em mesas de jantar. Resta saber se o pragmatismo de Valdemar Costa Neto e a ambição de André Fernandes terão força para atropelar a vontade da mulher que hoje detém uma das maiores popularidades dentro do segmento conservador brasileiro. A eleição de 2026 no Ceará começou, e começou com fogo amigo de alta intensidade.

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