José Afonso da Silva morre aos 100 anos deixando legado inestimável para o direito constitucional brasileiro. O jurista faleceu nesta terça-feira, 25 de novembro, em São Paulo, após trajetória exemplar dedicada à ciência jurídica. Professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ele formou gerações de advogados, magistrados e promotores comprometidos com o Estado Democrático.
A notícia foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e pela OAB em comunicados oficiais. O velório está marcado para esta quarta-feira, 26, das 10h às 15h, na Rua São Carlos do Pinhal, 376, Bela Vista, em São Paulo. O sepultamento ocorrerá às 16h no Cemitério da Lapa, localizado na Rua Bergson, 347, Vila Leopoldina.
José Afonso nasceu em 30 de abril de 1925, em Pompéu, Minas Gerais, sendo o segundo de treze irmãos. Sua vida foi marcada por desafios desde a infância, crescendo em uma pequena fazenda no interior mineiro. Foi alfabetizado em casa e demonstrou desde cedo sede insaciável pelo conhecimento, conciliando estudos com diferentes trabalhos manuais.
Aos 22 anos, em 1947, mudou-se para São Paulo em busca de melhores oportunidades educacionais e profissionais. Na capital paulista, trabalhou como alfaiate enquanto concluía o curso Madureza, preparatório para o ensino superior. Aos 27 anos, em 1952, ingressou na Faculdade de Direito da USP, formando-se cinco anos depois, em 1957.
Constitucionalista mais influente do Brasil deixa obra monumental
A trajetória acadêmica de José Afonso da Silva foi extraordinária e marcada por conquistas inéditas. Ele tornou-se livre-docente pela USP e pela UFMG, alcançando posteriormente o título de professor titular. Sua dedicação ao ensino jurídico transformou o Largo de São Francisco em celeiro de pensadores democráticos durante décadas.
A principal obra do jurista é o livro “Curso de Direito Constitucional Positivo”, lançado em 1976. Atualmente em sua 46ª edição, o volume permanece como referência fundamental para estudantes e profissionais. A obra é constantemente atualizada e aprimorada, refletindo as transformações do ordenamento jurídico brasileiro ao longo das décadas.
Uma pesquisa empírica da USP analisou julgados de 1988 a 2012 e identificou José Afonso da Silva como o constitucionalista mais citado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Esse dado comprova a relevância acadêmica e prática de suas interpretações da Carta Magna. Suas análises sobre eficácia das normas constitucionais tornaram-se paradigmas jurisprudenciais.
O jurista também publicou aproximadamente duas dezenas de livros ao longo da carreira, incluindo o romance “Buritizal – A história de Miguelão Capaégua”. Sua produção intelectual abrangeu não apenas aspectos técnicos do direito, mas também reflexões sobre sociedade, democracia e cidadania brasileira.
Assessor da Constituinte de 1987 ajudou a moldar democracia brasileira
A participação de José Afonso da Silva na Assembleia Nacional Constituinte de 1987 foi decisiva para a redemocratização. Ele atuou como assessor convidado, contribuindo ativamente para a elaboração da Constituição de 1988. Seu conhecimento técnico e compromisso democrático influenciaram importantes dispositivos da Carta vigente.
Durante os trabalhos constituintes, o jurista defendeu incansavelmente a inclusão de garantias fundamentais e mecanismos de proteção social. Sua expertise em direito constitucional comparado enriqueceu debates sobre estrutura do Estado, separação de poderes e direitos individuais. Colegas constituintes reconheceram sua contribuição como fundamental para o texto final.
Em entrevista de 2022, ao comentar a leitura da nova “Carta aos Brasileiros”, José Afonso da Silva comparou aquele momento ao manifesto de 1977 contra a ditadura militar. Para ele, a importância do ato era similar: em 1977 combatiam uma ditadura feroz; em 2022 buscavam evitar que ela acontecesse novamente.
O compromisso do jurista com a democracia permaneceu inabalável até seus últimos dias. No dia 30 de abril deste ano, quando completou 100 anos, foi homenageado pelo então presidente do STF, Luís Roberto Barroso. A celebração reconheceu não apenas longevidade, mas principalmente coerência ética e intelectual ao longo de décadas.
Carreira no serviço público marcou atuação em múltiplas frentes
José Afonso da Silva teve ampla atuação no serviço público além da docência universitária. Trabalhou como advogado, oficial de Justiça e procurador do Estado de São Paulo. Essa experiência prática complementou sua formação teórica, permitindo visão integrada do funcionamento do sistema jurídico brasileiro.
Entre 1995 e 1999, ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública de São Paulo durante o governo Mário Covas. A gestão foi marcada por tentativas de modernização da estrutura policial e implementação de políticas baseadas em evidências. Sua experiência administrativa agregou perspectiva realista às análises constitucionais posteriores.
O jurista também ocupou importantes cargos administrativos estaduais, como chefe de gabinete da Secretaria do Interior. Foi assessor da Secretaria de Segurança em períodos anteriores, sempre aliando conhecimento jurídico à gestão pública. Essa trajetória demonstra versatilidade e capacidade de aplicar teoria constitucional a desafios práticos.
As contribuições de José Afonso da Silva foram reconhecidas com importantes honrarias ao longo da vida. Recebeu a grã-cruz da Ordem do Ipiranga pelo governo paulista e o título Doutor Honoris Causa pela Academia Brasileira de Direito Constitucional. A Medalha Rui Barbosa, mais alta comenda da advocacia brasileira, coroou seu reconhecimento profissional.
Instituições jurídicas lamentam perda irreparável para direito brasileiro
A Ordem dos Advogados do Brasil decretou luto oficial de sete dias pelo falecimento do jurista. O Conselho Federal manifestou pesar reconhecendo trajetória que marcou profundamente a advocacia nacional. Leonardo Sica, presidente da OAB-SP, destacou que José Afonso da Silva é pilar fundamental do direito constitucional pátrio.
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais, afirmou que o direito constitucional perde seu maior expoente. Para ele, José Afonso foi responsável direto pela elaboração da Constituição atual e autor de sua interpretação mais fiel. O legado deixado combina sabedoria técnica e defesa coerente da democracia.
O Supremo Tribunal Federal publicou nota assinada pelo presidente Luiz Edson Fachin solidarizando-se com familiares e discípulos. O texto ressalta que a memória do mestre será iluminada por atuação pautada em ética democrática. A reafirmação do Estado de Direito e defesa dos princípios constitucionais marcaram toda sua obra.
O ministro Dias Toffoli também se manifestou pelo falecimento, homenageando “um grande brasileiro” no momento da partida. Destacou que José Afonso deixa legado fundamental para o direito e a democracia nacional. As inovações que trouxe ao campo jurídico foram revolucionárias para o desenvolvimento do pensamento constitucional contemporâneo.
A Faculdade de Direito da USP emitiu comunicado assinado pelos diretores Celso Campilongo e Ana Elisa Bechara. Eles afirmaram que José Afonso tem história exemplar como docente e jurista, formando gerações comprometidas com valores democráticos. Foi um dos maiores constitucionalistas do país e referência acadêmica indiscutível.
O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a relevância da contribuição ao direito brasileiro durante quase sete décadas. A atuação foi marcada por compromisso inabalável com o serviço público e interpretação progressista da Constituição. Sua presidência solidarizou-se com todos que foram impactados pelo ensinamento do mestre.
José Afonso da Silva também lecionou no Centro Universitário Padre Anchieta, em Jundiaí, expandindo sua influência pedagógica. Sua didática era reconhecida por clareza expositiva e capacidade de tornar acessíveis conceitos complexos. Ex-alunos relatam que suas aulas transformavam compreensão sobre papel social do direito constitucional.
A trajetória de José Afonso da Silva demonstra que origem humilde não impede realização de sonhos ambiciosos. Do interior de Minas Gerais aos mais altos postos acadêmicos e administrativos, ele provou que dedicação e estudo transformam destinos. Sua vida inspira novas gerações de juristas a perseguir excelência técnica aliada a compromisso social.
O legado intelectual deixado pelo jurista transcende publicações e cargos ocupados ao longo da carreira. Ele ensinou que o direito não é letra fria, mas instrumento vivo de transformação social. Essa compreensão humanista do fenômeno jurídico marca profundamente todos que tiveram contato com seu pensamento.