O cenário político em Brasília sofreu uma nova reviravolta nesta quarta,feira (10) com a designação do senador Esperidião Amin (PP,SC) como relator do polêmico Projeto de Lei da Dosimetria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A matéria, que propõe uma revisão drástica no cálculo das penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito, chegou à Casa Alta impulsionada por uma aprovação relâmpago na Câmara dos Deputados, mas encontrou um freio regimental imposto pelo presidente da CCJ, senador Otto Alencar (PSD,BA). A decisão de Alencar de submeter o texto ao crivo da comissão antes de qualquer deliberação em plenário frustra a estratégia da oposição, que almejava uma votação a jato ainda esta semana.
A escolha de Esperidião Amin não é um detalhe menor no xadrez do poder. Veterano e ex,governador, Amin possui trânsito livre entre as diferentes alas ideológicas, mas nunca escondeu sua posição crítica em relação à severidade das condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) aos réus do 8 de janeiro. Ao assumir a relatoria, ele terá em mãos a caneta que pode redefinir o futuro judicial do ex,presidente Jair Bolsonaro. Se aprovado como está, o texto impediria a soma das penas (concurso material) para crimes cometidos no mesmo contexto, aplicando apenas a punição mais grave, o que poderia reduzir uma condenação hipotética de 27 anos para pouco mais de 2 anos.
Contudo, a tramitação não será um passeio no parque. O governo federal, através de sua liderança no Congresso, já sinalizou que utilizará todas as ferramentas regimentais disponíveis para obstruir o avanço da proposta. O líder governista Randolfe Rodrigues (PT,AP) indicou que o pedido de vista (tempo extra para análise) é uma certeza, o que, na prática, empurraria a votação final para depois do recesso parlamentar, esfriando a temperatura política e jogando a decisão para o ano eleitoral de 2026.
Comando na Comissão
A chegada do projeto ao Comando na Comissão de Constituição e Justiça marca uma mudança de ritmo em relação à Câmara. Enquanto os deputados aprovaram o texto base em poucas horas sob a batuta de Hugo Motta, no Senado a ritualística é historicamente mais rigorosa. Otto Alencar foi enfático ao declarar que o Senado “não servirá de cartório” para chancelar decisões da outra casa sem o devido debate. Essa postura devolve à CCJ o protagonismo de filtrar a constitucionalidade da matéria, especialmente no que tange à interferência do Legislativo em sentenças judiciais já transitadas em julgado ou em curso.
Sob o Comando na Comissão, Esperidião Amin terá o desafio de equilibrar a pressão de seus aliados do “Centrão” e da direita bolsonarista com a resistência da base governista. O relator já adiantou que pretende entregar seu parecer até a próxima quarta,feira (17), data limite antes do início do recesso. No entanto, o calendário é apertado. Qualquer atraso na leitura do relatório ou na concessão de vistas pode inviabilizar a votação neste ano legislativo. Além disso, a pauta da CCJ está congestionada com outros temas prioritários, o que pode ser usado por Otto Alencar para gerenciar o “timing” da votação conforme a conveniência do Palácio do Planalto.
É importante ressaltar que o Comando na Comissão não se resume apenas à leitura do texto. Amin tem a prerrogativa de acatar emendas, e ele mesmo já declarou que é “muito provável” que sugestões visando uma anistia mais ampla sejam apresentadas pelos pares. Isso transformaria o PL da Dosimetria em um verdadeiro “PL da Anistia”, elevando a tensão institucional com o STF a um novo patamar. A simples possibilidade dessa alteração já mobiliza a tropa de choque do governo para blindar o texto original ou rejeitá,lo integralmente.
Articulação do Relator
A Articulação do Relator começou minutos após sua designação. Amin reuniu,se com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União,AP), e com o deputado Paulinho da Força, relator da matéria na Câmara, para alinhar o entendimento sobre o texto. Sua frase de que “na política prevalece o possível” indica uma abordagem pragmática. Amin sabe que um texto radicalmente favorável a Bolsonaro pode não ter os 41 votos necessários no plenário do Senado, que possui uma composição mais moderada que a Câmara. Portanto, seu trabalho será costurar um meio,termo que atenda à demanda por revisão de penas sem parecer uma afronta direta à Corte Suprema.
Nessa Articulação do Relator, o fator “tempo” é a variável mais crítica. Amin precisa convencer os senadores indecisos de que as penas atuais são desproporcionais, um argumento que encontra eco mesmo fora da bolha bolsonarista. Ele citou o “sentimento generalizado” de que houve “mão pesada” nas condenações do 8 de janeiro como justificativa para a revisão legislativa. Essa narrativa tenta deslocar o debate do campo do “golpismo” para o campo dos “direitos humanos” e da “justiça proporcional”, uma estratégia retórica desenhada para atrair votos do centro democrático.
Além disso, a Articulação do Relator envolve neutralizar as resistências dentro do próprio PSD de Otto Alencar e Rodrigo Pacheco. Embora Pacheco tenha adotado um tom mais institucional nos últimos meses, a pressão para que o Senado dê uma resposta legislativa às prisões é imensa. Amin, com sua experiência de décadas no Congresso, atua como um fiador de que o processo não descambará para uma ruptura institucional, mas sim para uma correção de rumos judiciais, tese que ele defenderá em seu relatório.
Gestão da Pauta
A Gestão da Pauta nos próximos dias será um teste de fogo para a liderança de Davi Alcolumbre, que busca a reeleição à presidência do Senado. Embora Alcolumbre tenha prometido celeridade, ele delegou a “bomba” para a CCJ, lavando as mãos temporariamente. Isso permite que a Gestão da Pauta seja feita de forma técnica, mas com forte componente político. Se o texto travar na comissão, Alcolumbre pode dizer aos bolsonaristas que fez sua parte ao encaminhar o projeto, mas que o rito democrático impôs seus prazos.
Por outro lado, a oposição acusa a base governista de usar a Gestão da Pauta como instrumento de censura velada. Senadores do PL (Partido Liberal) afirmam que a exigência de passagem pela CCJ é uma manobra protelatória desnecessária, visto que a matéria já foi amplamente debatida na sociedade. Eles ameaçam obstruir outras votações importantes para o governo, como a Lei Orçamentária Anual (LOA), caso o PL da Dosimetria não seja pautado em regime de urgência urgentíssima. Esse “toma lá, dá cá” é clássico em finais de ano legislativo e coloca o governo Lula em uma posição delicada de negociação.
Ainda sobre a Gestão da Pauta, é crucial observar o comportamento dos senadores “lavatistas” e independentes. Muitos deles veem com bons olhos a revisão da dosimetria, mas temem que o projeto seja usado para reabilitar politicamente Bolsonaro de forma prematura. O texto que sai da CCJ, portanto, pode ser muito diferente do que entrou. A possibilidade de “fatiar” o projeto, aprovando a redução de penas para os “bagrinhos” (manifestantes comuns) e mantendo o rigor para financiadores e líderes, é uma carta que pode ser jogada na mesa para destravar a pauta.
Controle do Processo
O Controle do Processo agora está nas mãos de Amin e Alencar, dois veteranos que sabem operar o regimento como poucos. A estratégia de pedir vistas, já anunciada por governistas, é uma ferramenta legítima de Controle do Processo que garante ao menos cinco dias úteis de prazo, o que, no calendário atual, inviabilizaria a votação em 2025. Para contornar isso, a oposição precisaria aprovar um requerimento de urgência no plenário, retirando a matéria da comissão, uma manobra arriscada que exige maioria absoluta e que Alcolumbre parece relutante em apoiar para não desautorizar a CCJ.
Nesse jogo de Controle do Processo, cada vírgula do relatório importa. Se Amin incluir emendas de anistia total, o projeto certamente será judicializado pelo governo no STF no minuto seguinte à sua aprovação. Por isso, a tendência é que o relator foque na questão técnica da dosimetria (cálculo da pena), argumentando que o Congresso tem competência privativa para legislar sobre direito penal. Essa abordagem tenta blindar o projeto de acusações de inconstitucionalidade, embora juristas alertem que leis penais benéficas retroativas para crimes contra o Estado Democrático ferem princípios pétreos da Constituição.
Por fim, o Controle do Processo legislativo reflete a temperatura da sociedade. Manifestações nas redes sociais e pressão das bases eleitorais influenciam diretamente o voto de senadores em estados conservadores. Com a eleição de 2026 no horizonte, votar contra a redução de penas pode ser politicamente mortal para parlamentares do Sul e Centro,Oeste, enquanto no Nordeste a fidelidade a Lula pesa mais. Esperidião Amin, ciente dessas nuances regionais, tentará construir um texto que permita a cada senador justificar seu voto para sua base, seja ela qual for.
