Alemanha confirma ciberataques russos e denuncia manipulação nas eleições federais

Governo convoca embaixador de Putin após confirmar sabotagem no controle aéreo e campanha de desinformação “Storm 1516” durante o pleito de fevereiro.

Entrada da Embaixada da Rússia em Berlim com placas de identificação em alemão e russo, mostrando movimentação na portaria após convocação diplomática.
Fachada da Embaixada da Federação Russa em Berlim; local foi palco da convocação oficial do embaixador após a confirmação dos ciberataques e interferência eleitoral pelo governo alemão. (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

O governo da Alemanha elevou drasticamente o tom contra Moscou nesta sexta-feira (12), acusando formalmente a Rússia de orquestrar uma série de ciberataques contra infraestruturas críticas e de conduzir uma campanha massiva de desinformação para manipular as eleições federais realizadas em fevereiro deste ano. Em uma resposta diplomática contundente, o Ministério das Relações Exteriores em Berlim convocou o embaixador russo para prestar esclarecimentos e ouvir protestos oficiais, classificando as ações como violações inaceitáveis da soberania nacional. Imediatamente após a reunião, porta-vozes do governo detalharam que a inteligência alemã obteve “provas irrefutáveis” de que o Kremlin esteve por trás tanto de tentativas de paralisar o tráfego aéreo quanto de semear discórdia política através de redes de bots e fake news.

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As acusações centram-se em dois eventos principais que expõem a vulnerabilidade das democracias europeias. O primeiro envolve o grupo de hackers APT28, também conhecido como “Fancy Bear”, ligado à inteligência militar russa (GRU), que teria comprometido sistemas da Deutsche Flugsicherung, a agência responsável pelo controle de tráfego aéreo, em agosto de 2024. O segundo, e politicamente mais sensível, refere-se à operação denominada “Storm 1516”, desenhada especificamente para desestabilizar o cenário eleitoral alemão de 2025, promovendo narrativas extremistas e minando a confiança nas instituições democráticas.

Ofensiva digital contra a democracia

A ofensiva digital identificada pelos serviços de inteligência alemães (BfV) não foi um incidente isolado, mas uma campanha estruturada e persistente. A operação “Storm 1516” utilizou táticas sofisticadas, incluindo o uso de inteligência artificial para criar deepfakes de políticos alemães e a disseminação de notícias falsas através de sites que imitavam veículos de imprensa legítimos. O objetivo claro era inflamar tensões sociais, explorar debates sobre migração e economia, e, consequentemente, favorecer candidatos ou partidos alinhados aos interesses de Moscou ou que defendessem o fim do apoio à Ucrânia.

Além disso, relatórios indicam que essa rede de desinformação operou com um volume de postagens automatizadas sem precedentes, visando confundir o eleitorado nas semanas que antecederam a votação de fevereiro. A estratégia russa não focou apenas em hackear sistemas de contagem de votos, mas em “hackear” a percepção pública, criando um ambiente de incerteza e hostilidade. O porta-voz do governo alemão enfatizou que essa manipulação psicológica em massa é uma ameaça direta à autodeterminação do povo alemão, exigindo uma resposta que vá além de notas de repúdio.

Incursão cibernética no tráfego aéreo

Enquanto a desinformação visava a mente dos eleitores, a incursão cibernética contra a Deutsche Flugsicherung mirava a segurança física e econômica do país. A atribuição do ataque de agosto de 2024 ao grupo APT28 confirma que a infraestrutura crítica da Alemanha está na mira direta do GRU. Embora as autoridades tenham garantido que a segurança dos voos não foi comprometida em momento algum devido à robustez dos sistemas de backup, a invasão demonstrou a capacidade russa de penetrar em redes de alta segurança, potencialmente para espionagem ou para preparar o terreno para sabotagens futuras mais destrutivas.

Sobretudo, o timing e a natureza desse ataque revelam uma estratégia de intimidação. Atacar o controle de tráfego aéreo de uma das nações mais movimentadas da Europa envia uma mensagem de que nenhum setor está imune. Especialistas em cibersegurança apontam que o APT28 tem um longo histórico de operações agressivas, incluindo a invasão do Bundestag em 2015 e interferências nas eleições americanas de 2016, o que reforça o padrão de comportamento estatal russo denunciado hoje por Berlim.

Sabotagem eletrônica e suas consequências

A sabotagem eletrônica promovida por Moscou gerou uma reação em cadeia na União Europeia. A ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, declarou que a Alemanha não tolerará tais agressões e que “haverá consequências”. Entre as medidas em discussão estão novas sanções econômicas direcionadas a indivíduos e entidades ligadas ao setor de tecnologia militar da Rússia, além de uma possível expulsão de diplomatas suspeitos de atuar como oficiais de inteligência sob cobertura. A União Europeia já sinalizou apoio total a Berlim, congelando ativos russos e reforçando a necessidade de uma defesa cibernética comum.

Entretanto, a resposta ocidental enfrenta o desafio da atribuição e da negação plausível que a Rússia sempre utiliza. O Kremlin, como de costume, rejeitou as acusações, classificando-as como “absurdas” e “infundadas”, alegando que a Alemanha está utilizando a Rússia como bode expiatório para seus problemas internos. Essa guerra de narrativas é parte integrante do conflito, onde a negação russa serve para alimentar ainda mais as teorias da conspiração disseminadas por suas próprias redes de desinformação dentro da Europa.

Guerra híbrida em escala continental

O que se vê na Alemanha é, na verdade, um front de uma guerra híbrida muito mais ampla que atinge todo o continente. O uso combinado de ciberataques, espionagem, sabotagem física (como os recentes incidentes com drones em aeroportos e bases militares) e propaganda digital configura um cenário de conflito cinzento, abaixo do limiar de uma guerra declarada. A OTAN já reconhece o ciberespaço como um domínio de operações militar, e o ataque à Alemanha testa a solidariedade e a capacidade de resposta da aliança atlântica diante de ameaças não cinéticas.

Consequentemente, a Alemanha anunciou que irá acelerar o fortalecimento de suas defesas cibernéticas e aumentar o orçamento para proteção de infraestruturas críticas. A conscientização pública sobre a origem das informações consumidas online também se tornou uma prioridade de segurança nacional. O caso alemão serve de alerta para outras democracias que passarão por eleições nos próximos anos: a urna não é o único alvo; a infraestrutura que sustenta a normalidade do dia a dia e a própria verdade factual estão sob ataque constante.

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