Pelo segundo dia consecutivo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elevou o tom de suas ameaças contra o governo de Nicolás Maduro, sugerindo explicitamente que uma incursão militar terrestre pode ser iminente. Em declarações dadas na sexta-feira (12), Trump afirmou que os esforços marítimos para conter o tráfico de drogas foram bem-sucedidos e que o próximo passo lógico seria levar o combate para o solo venezuelano. A retórica agressiva, que já havia surgido em coletivas anteriores, agora ganha contornos de política de estado, acendendo o alerta máximo nas chancelarias da América do Sul. Imediatamente após a fala do presidente, observadores internacionais e governos vizinhos começaram a avaliar o impacto de uma possível guerra convencional na região, algo que não se vê há décadas no continente.
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A justificativa apresentada pela Casa Branca gira em torno do combate ao narcotráfico e à suposta proteção que o governo venezuelano oferece aos cartéis. Trump argumentou que as rotas marítimas foram bloqueadas com 92% de eficácia e que, para “parar o veneno na fonte”, as forças americanas precisam atuar dentro do território venezuelano. Essa mudança de estratégia, saindo das sanções econômicas para a ameaça cinética direta, coloca o Brasil e a Colômbia em uma posição delicada, visto que qualquer movimentação de tropas em larga escala afetaria diretamente as fronteiras e poderia desencadear uma crise migratória sem precedentes.
Invasão terrestre como estratégia de “ponto final”
A possibilidade de uma invasão terrestre foi tratada por Trump não como uma hipótese remota, mas como uma evolução natural da campanha de “pressão máxima”. Durante o briefing na Casa Branca, o presidente utilizou uma linguagem direta, afirmando: “Nós vamos começar a fazer isso por terra agora também. Vai começar em terra muito em breve”. Essa declaração rompe com a doutrina anterior de evitar coturnos no solo (boots on the ground) em conflitos latino-americanos recentes. Para analistas de defesa, a insistência no tema pelo segundo dia indica que os planos operacionais já podem estar na mesa do Salão Oval, aguardando apenas o sinal verde político ou um pretexto tático definitivo.
Além disso, a retórica de Trump conecta a ação militar diretamente à segurança interna dos Estados Unidos, citando as mortes por overdose como um “ataque armado” contra cidadãos americanos. Ao enquadrar o governo de Maduro e os cartéis como combatentes inimigos em uma guerra não declarada, o presidente busca contornar as restrições do Congresso sobre declarações formais de guerra. A narrativa é construída para vender a operação ao público doméstico como uma medida de lei e ordem, e não como uma mudança de regime puramente política, embora o resultado final desejado seja inequivocamente a remoção do chavismo do poder.
A reação em Caracas foi previsivelmente hostil. O governo venezuelano, que já vinha denunciando a movimentação de navios de guerra americanos no Caribe como um ato de provocação, classificou as falas de Trump como “delírios imperialistas”. Maduro ordenou a mobilização de milícias populares e reforçou a presença militar nas zonas costeiras e fronteiriças, prometendo que qualquer soldado estrangeiro que pise em solo venezuelano enfrentará uma “guerra de todo o povo”. O cenário desenhado é de um conflito assimétrico prolongado, onde a superioridade tecnológica americana enfrentaria a resistência de guerrilha em terreno urbano e de selva.
Ofensiva militar e a Operação Southern Spear
A atual ofensiva militar dos Estados Unidos na região não é apenas retórica; ela é visível e tangível através da “Operação Southern Spear” (Lança do Sul). Nas últimas semanas, o Comando Sul dos EUA (SOUTHCOM) intensificou sua presença no Caribe, realizando exercícios com fuzileiros navais e interceptando embarcações suspeitas com uma agressividade inédita. Relatórios indicam que mais de 20 ataques a barcos ocorreram recentemente, resultando em dezenas de mortes, ações que organizações de direitos humanos e até a ONU classificaram como execuções extrajudiciais, dado que muitas vezes não há combate, mas sim destruição remota de alvos civis suspeitos.
Sobretudo, a apreensão recente de navios petroleiros venezuelanos adicionou combustível à fogueira. A administração Trump sancionou mais seis superpetroleiros e membros da família de Maduro, acusando-os de financiar o terrorismo e o tráfico. Essa asfixia econômica, combinada agora com a ameaça física, sugere que o Pentágono está preparando o terreno para uma ação multifacetada. A estratégia parece ser enfraquecer a logística do regime, cortar suas fontes de receita (petróleo) e, simultaneamente, degradar sua capacidade de defesa costeira antes de qualquer desembarque ou incursão via fronteiras terrestres.
Entretanto, a eficácia dessa abordagem é questionada por especialistas militares. A geografia da Venezuela, com suas densas florestas ao sul e cadeias montanhosas ao norte, é um pesadelo logístico para qualquer força invasora. Diferente do Panamá em 1989, onde o alvo estava concentrado e o território era familiar, a Venezuela possui sistemas de defesa aérea russos e uma força paramilitar ideologicamente motivada. Uma campanha terrestre exigiria um contingente massivo e poderia resultar em baixas americanas significativas, algo que politicamente poderia custar caro a Trump, apesar de sua base fiel.
Intervenção armada divide opiniões em Washington
A ideia de uma intervenção armada direta não encontra consenso absoluto nem mesmo dentro do Partido Republicano. Enquanto a ala mais “hawkish” (falcões de guerra) celebra a postura de força, figuras proeminentes do movimento “America First”, como a deputada Marjorie Taylor Greene e o senador Rand Paul, expressaram preocupação ou oposição aberta. Eles argumentam que os Estados Unidos deveriam focar em seus problemas internos, como a fronteira com o México e a economia, em vez de se envolverem em mais uma guerra de mudança de regime no exterior. Essa fissura interna é relevante, pois sem o apoio total do Congresso, o financiamento de uma guerra prolongada se torna um obstáculo jurídico e orçamentário.
Consequentemente, o debate sobre a legalidade de tal ação ganha força. Críticos apontam que atacar um país soberano sem provocação militar direta (como um ataque ao solo americano) viola a Carta das Nações Unidas e o direito internacional. A Casa Branca, por sua vez, parece estar construindo um argumento jurídico baseado na “legítima defesa antecipada” contra o narcoterrorismo. O Departamento de Justiça tem mantido em sigilo os pareceres que justificam os ataques a barcos, criando uma zona cinzenta onde a guerra é travada sob o pretexto de policiamento internacional.
A pressão diplomática também se intensifica. Países europeus e aliados tradicionais dos EUA observam com cautela, temendo que uma ação unilateral desestabilize o mercado global de energia. Com a guerra na Ucrânia ainda em curso e as tensões no Oriente Médio, a abertura de um novo front na América do Sul poderia sobrecarregar as cadeias de suprimento globais. O preço do petróleo já oscila diante das notícias, com o mercado precificando o risco de interrupção total das exportações venezuelanas ou de bloqueios navais mais agressivos no Caribe.
Operação de solo e o impacto regional
Uma eventual operação de solo traria consequências devastadoras para os vizinhos da Venezuela. O Brasil, que compartilha uma extensa fronteira seca em Roraima, seria imediatamente impactado por fluxos de refugiados fugindo dos combates. O exército brasileiro já mantém a Operação Acolhida, mas um cenário de guerra aberta exigiria uma militarização defensiva da fronteira norte para evitar que o conflito transborde para o território nacional. A diplomacia brasileira, historicamente defensora da não-intervenção, ver-se-ia forçada a mediar ou escolher lados, uma posição que o Itamaraty tenta evitar a todo custo.
Além disso, a Colômbia, aliada histórica dos EUA mas atualmente com um governo de esquerda, estaria no epicentro da logística americana. Trump insinuou que ações poderiam ocorrer também em colaboração ou pressão sobre a Colômbia e o México, sugerindo que a soberania desses países poderia ser secundária aos objetivos de segurança americanos. Isso revive fantasmas de intervenções passadas na região e fortalece o discurso anti-imperialista de líderes de esquerda latino-americanos, criando um bloco de oposição diplomática que poderia isolar politicamente Washington no hemisfério.
Por fim, o aspecto humanitário não pode ser ignorado. A Venezuela já atravessa uma crise econômica severa. Bombardeios aéreos preparatórios ou combates urbanos em Caracas e Maracaibo destruiriam a pouca infraestrutura restante, levando a um colapso total dos serviços básicos como água e eletricidade. Organizações internacionais alertam que a “cura” proposta por Trump — a guerra para acabar com o tráfico — pode ser muito mais letal para a população civil do que a doença que ele alega combater. A comunidade internacional aguarda os próximos dias com apreensão, sabendo que as palavras de um presidente americano têm o poder de mover frotas e iniciar guerras.
