A controversa política de “tolerância zero” e militarização do combate ao narcotráfico, implementada pela administração de Donald Trump em seu retorno à presidência, enfrenta agora seu primeiro e mais grave desafio nos tribunais. Nesta quarta,feira, a família de uma das vítimas fatais das operações navais no Caribe protocolou a primeira queixa formal contra o governo norte,americano. O processo, que promete ser um divisor de águas na jurisprudência internacional, alega que a ordem executiva que autoriza o uso de força letal contra embarcações suspeitas de tráfico resultou na morte injustificável de civis inocentes, classificando o episódio como um crime de guerra disfarçado de segurança nacional.
O incidente em questão, que ficou conhecido na imprensa como “os assassinatos dos barcos de drogas”, ocorreu no mês passado, quando drones militares dos EUA interceptaram e destruíram uma embarcação pesqueira em águas internacionais. Segundo a Casa Branca, o barco transportava fentanil e operava sob bandeira de um cartel mexicano. No entanto, os advogados da família da vítima sustentam que a embarcação era civil, não apresentava ameaça iminente e que não houve tentativa real de abordagem antes do disparo dos mísseis, violando protocolos básicos de engajamento marítimo e direitos humanos fundamentais.
Ação contra ordem de bombardeio
A peça jurídica apresentada à Corte Federal em Washington desafia diretamente a legalidade da diretriz presidencial que equipara cartéis de drogas a organizações terroristas estrangeiras, permitindo ações militares unilaterais. Os representantes legais da família argumentam que a ação contra ordem de bombardeio é necessária para frear um precedente perigoso onde o poder executivo atua como juiz, júri e executor em águas internacionais. Eles apresentam evidências de que os ocupantes do barco eram pescadores locais coagidos ou, em alguns casos, apenas trabalhadores do mar que estavam na rota errada na hora errada, sem qualquer vínculo comprovado com a alta hierarquia do crime organizado.
O documento detalha o sofrimento dos sobreviventes e a angústia dos familiares que, até hoje, não receberam os corpos para sepultamento. A queixa exige não apenas uma compensação financeira multimilionária, mas, principalmente, uma liminar que suspenda imediatamente as operações de “atirar para matar” autorizadas por Trump. A estratégia da defesa é expor que a inteligência utilizada para autorizar os ataques é falha e baseada em algoritmos de vigilância que não conseguem distinguir com precisão absoluta entre um narcossubmarino e uma embarcação de pesca artesanal em condições climáticas adversas.
Além disso, a repercussão do caso atraiu a atenção de organismos internacionais de direitos humanos. A Anistia Internacional e a Human Rights Watch já sinalizaram apoio à iniciativa da família, observando que a expansão do poder militar dos EUA para policiamento de drogas sem o devido processo legal constitui uma violação da soberania de nações vizinhas e do direito à vida. O argumento central é que a guerra às drogas não pode justificar a execução sumária de suspeitos, muito menos o “dano colateral” aceito tacitamente pela atual doutrina de defesa do Pentágono.
Ofensiva naval questionada na justiça
A resposta da Casa Branca até o momento tem sido de silêncio oficial misturado com retórica agressiva em comícios e redes sociais. O presidente Trump, em discursos recentes, reafirmou que “não pedirá desculpas por proteger a juventude americana do veneno estrangeiro”, sugerindo que qualquer embarcação que auxilie os cartéis é um alvo legítimo. No entanto, a ofensiva naval questionada na justiça traz à tona falhas operacionais que o governo tentou manter sob sigilo. Relatórios vazados indicam que os operadores dos drones questionaram a identificação do alvo minutos antes do ataque, mas foram instruídos a prosseguir com a eliminação baseados nas novas regras de engajamento relaxadas pela administração republicana.
Juristas conservadores e liberais travam agora um debate acalorado sobre a imunidade presidencial em atos de guerra versus operações de policiamento. Se a corte aceitar a tese de que o ataque foi uma ação de policiamento mal executada, e não um ato de guerra, o governo Trump pode ser responsabilizado civil e criminalmente. Isso abriria as portas para dezenas de outros processos, visto que as operações no Caribe e no Pacífico Oriental se intensificaram drasticamente desde janeiro de 2025, com relatos de vários incidentes similares ainda não totalmente esclarecidos pela Marinha ou pela Guarda Costeira.
A complexidade do caso aumenta quando se considera a nacionalidade das vítimas. Sendo estrangeiros mortos em águas internacionais por forças americanas, a jurisdição é um campo minado. Os advogados da família estão invocando estatutos que permitem que estrangeiros processem os EUA por violações do direito das gentes, uma estratégia ousada que visa furar a blindagem da soberania estatal. O sucesso dessa empreitada poderia redefinir os limites do poder militar americano no exterior por décadas.
Processo sobre mortes no mar
No centro do processo sobre mortes no mar está a história humana interrompida pela violência estatal. A vítima cujo nome encabeça a ação era um pai de família de 34 anos, que segundo testemunhas, trabalhava no setor pesqueiro há mais de uma década. A narrativa construída pela acusação pinta um quadro de desespero a bordo nos momentos finais, contradizendo a versão oficial de que houve resistência ou manobras agressivas por parte do barco. Áudios de rádio recuperados por outras embarcações na área sugerem pedidos de socorro que foram ignorados ou mal interpretados pelas forças de ataque.
A opinião pública americana também começa a se dividir. Enquanto a base fiel do presidente apoia medidas extremas para conter a crise dos opioides, setores independentes e democratas questionam a eficácia e a moralidade de bombardear rotas marítimas comerciais. A divulgação das fotos dos destroços e dos pertences pessoais das vítimas, incluídas no processo, humanizou a tragédia, dificultando a manutenção da narrativa de que todos os mortos eram “criminosos perigosos”. A pressão midiática sobre o Departamento de Justiça para que divulgue as imagens das câmeras dos drones é imensa e crescente.
Paralelamente, o Congresso americano, agora sob nova configuração política, ameaça abrir uma investigação parlamentar sobre as ordens executivas de Trump. O processo judicial serve como munição para a oposição, que acusa o presidente de usurpar poderes de guerra sem autorização legislativa. Se ficar provado que o presidente ordenou ataques sabendo do risco excessivo a civis, o fantasma do impeachment ou de sanções legislativas volta a assombrar a capital americana, transformando uma tragédia marítima em uma crise constitucional de grandes proporções.
Repercussão do caso antidrogas
A repercussão do caso antidrogas já atravessa fronteiras, gerando protestos em embaixadas americanas na América Latina. Governos da região, que inicialmente oscilavam entre apoiar o combate ao crime e defender sua soberania, agora se veem pressionados a tomar uma posição firme contra o unilateralismo de Washington. O governo do país de origem das vítimas enviou uma nota diplomática exigindo explicações e pedindo acesso aos autos do processo, sinalizando que o caso pode evoluir para um incidente diplomático maior, afetando acordos comerciais e de cooperação em segurança.
Especialistas em segurança pública alertam que a estratégia de “decapitação” e destruição física das rotas, sem inteligência apurada, apenas fragmenta os cartéis e gera mais violência, além de vitimar inocentes que são forçados a trabalhar para o tráfico sob ameaça de morte. A ação judicial da família toca exatamente neste ponto: a responsabilidade do Estado em distinguir entre o algoz e a vítima cooptada. Ao tratar todos no mar como inimigos combatentes, a política de Trump teria eliminado essa distinção crucial, violando princípios básicos de distinção e proporcionalidade em conflitos armados.
Por fim, o desfecho deste caso é imprevisível, mas seu início já marca a história. Pela primeira vez, a “guerra às drogas” é colocada no banco dos réus não por sua ineficácia social, mas por seus métodos militares letais. A família da vítima, ao desafiar o homem mais poderoso do mundo, busca mais do que indenização; busca a verdade e a garantia de que o mar não se torne uma zona de extermínio sem lei. O tribunal que julgará esta causa terá nas mãos a tarefa de decidir se a segurança nacional vale o preço do sangue de inocentes.
