Bloqueadores de puberdade aprovados em teste no UK

Após banimento permanente dos medicamentos em dezembro de 2024, reguladores britânicos autorizaram estudo inédito que testará supressores hormonais em menores de 16 anos com incongruência de gênero.

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Texto alternativo: Frasco de Leuprolide Acetate Injection ao lado de seringa com agulha sobre superfície de madeira
Leuprolide acetato, um dos medicamentos utilizados como bloqueador de puberdade, será testado em ensaio clínico britânico

Reguladores de saúde do Reino Unido concederam aprovação ética para o primeiro ensaio clínico controlado que testará bloqueadores de puberdade em crianças com incongruência de gênero. O estudo, denominado Pathways Trial, começará a recrutar participantes em janeiro de 2025 e representa a única via legal para jovens britânicos acessarem esse tratamento após o banimento nacional implementado no ano passado.

A pesquisa será conduzida por cientistas do King’s College London em parceria com o South London and Maudsley NHS Foundation Trust. Além disso, o financiamento provém do NHS England e do National Institute for Health and Care Research. Consequentemente, os pesquisadores esperam recrutar aproximadamente 226 crianças ao longo dos próximos três anos, com resultados preliminares previstos para daqui a quatro anos.

Supressores hormonais entram em fase experimental

Os critérios de elegibilidade estabelecem que os participantes devem ter menos de 16 anos e já ter iniciado a puberdade. Simultaneamente, precisam apresentar diagnóstico de incongruência de gênero segundo o manual ICD-11 da Organização Mundial da Saúde. Ademais, os jovens devem ter experimentado esses sentimentos por mais de dois anos e demonstrar desejo persistente de utilizar os medicamentos após acompanhamento psicológico prévio.

Os pesquisadores estimam que as participantes mais jovens do sexo feminino terão entre 10 e 11 anos de idade. Por outro lado, meninos poderão ingressar no estudo a partir dos 11 ou 12 anos. Entretanto, o limite máximo de idade para consentimento foi fixado em 15 anos e 11 meses, garantindo assim que todos os participantes sejam menores de idade durante todo o período da pesquisa.

O desenho metodológico prevê a divisão dos participantes em dois grupos distintos mediante randomização. Primeiramente, um grupo receberá os bloqueadores imediatamente após a inclusão no estudo. Em contrapartida, o segundo grupo iniciará o tratamento somente após um ano de espera. Dessa forma, os cientistas poderão comparar os efeitos entre os grupos ao longo do tempo.

Pesquisa com inibidores da puberdade gera controvérsias

A professora Emily Simonoff, investigadora principal e docente de psiquiatria infantil e adolescente do King’s College, explicou a lógica por trás dessa metodologia. Segundo ela, o atraso de 12 meses permite observar tanto os benefícios quanto os possíveis riscos e danos em momentos diferentes. Portanto, essa abordagem possibilita uma análise mais robusta dos efeitos do tratamento em diferentes fases de desenvolvimento puberal.

Todos os participantes receberão acompanhamento psicossocial durante o estudo, independentemente do grupo ao qual pertençam. Paralelamente, uma equipe multidisciplinar nacional deverá aprovar a participação de cada jovem no ensaio. Além do mais, o médico responsável precisa considerar que existe perspectiva razoável de benefício com a supressão da puberdade para cada caso individual.

O consentimento de pelo menos um dos pais ou responsáveis constitui requisito obrigatório para participação no estudo. Igualmente importante, todos os jovens incluídos devem discutir opções de preservação da fertilidade antes de iniciar o tratamento. Assim sendo, os pesquisadores buscam garantir que famílias compreendam plenamente as implicações potenciais de longo prazo dessa intervenção médica.

Medicamentos supressores sob escrutínio científico

O ensaio investigará diversos aspectos da saúde física e mental dos participantes ao longo de dois anos. Especificamente, os pesquisadores avaliarão densidade óssea, desenvolvimento cerebral, qualidade de vida e bem-estar emocional. Contudo, os efeitos de longo prazo só serão estudados mediante financiamento adicional, o que representa uma limitação significativa do projeto atual.

Um estudo complementar chamado Pathways Connect utilizará exames de ressonância magnética para avaliar o desenvolvimento cerebral dos jovens. Nesse sentido, cerca de 250 participantes serão acompanhados, incluindo 150 do ensaio clínico principal e 100 que recebem apenas cuidados não médicos. Dessa maneira, os cientistas poderão comparar a evolução cerebral entre os diferentes grupos de tratamento.

A professora Simonoff reconheceu que a adolescência representa período crucial para o desenvolvimento cerebral e aquisição de novas habilidades cognitivas. Portanto, existe preocupação teórica de que interferir na puberdade durante essa fase possa impactar negativamente a cognição. Todavia, ela ressaltou que existem poucos estudos nessa área até o momento, justificando assim a necessidade da pesquisa.

Tratamento hormonal divide especialistas e ativistas

O anúncio do ensaio clínico gerou reações mistas entre profissionais de saúde e grupos de interesse. Por um lado, a organização Stonewall, que defende direitos LGBTQ+, afirmou que todos os jovens merecem acesso aos melhores cuidados médicos baseados em evidências. Por outro lado, alguns clínicos questionam abertamente se o estudo pode ser conduzido de forma ética considerando as incertezas existentes.

Keira Bell, que processou a clínica de gênero Tavistock após receber bloqueadores de puberdade na adolescência, pediu a suspensão imediata do ensaio. Similarmente, membros da Clinical Advisory Network on Sex and Gender levantaram dúvidas sobre a viabilidade ética da pesquisa. Entretanto, os organizadores afirmam que todos os protocolos de segurança foram rigorosamente desenvolvidos e aprovados.

A baronesa Hilary Cass, cujo relatório independente motivou a proibição dos medicamentos, manifestou apoio cauteloso ao ensaio. Ela reconheceu que sua revisão identificou base de evidências muito fraca para os benefícios dos bloqueadores em jovens com disforia de gênero. Inclusive, alguns pacientes apresentaram mais efeitos negativos do que positivos durante o tratamento.

Ensaio com bloqueadores reacende debate sobre cuidados de gênero

Apesar das críticas, Cass argumentou que o ensaio clínico representa o único caminho viável para resolver as controvérsias científicas existentes. Afinal, há clínicos, crianças e famílias que acreditam firmemente nos efeitos benéficos do tratamento. Consequentemente, somente evidências robustas produzidas em ambiente controlado poderão orientar decisões médicas futuras sobre essa população.

O governo britânico proibiu permanentemente a prescrição de bloqueadores de puberdade para menores de 18 anos em dezembro de 2024. Essa decisão seguiu recomendações da Comissão de Medicamentos Humanos, que identificou riscos inaceitáveis de segurança na prática corrente. Portanto, a participação no ensaio clínico tornou-se a única forma legal de jovens acessarem o tratamento no país.

Os bloqueadores de puberdade são tipicamente administrados por injeção, sendo o triptorelin o mais comum. Geralmente, as aplicações ocorrem a cada seis meses durante o tratamento. Contudo, os efeitos de longo prazo sobre fertilidade, saúde óssea e desenvolvimento neurológico permanecem incertos, motivando justamente a realização desta pesquisa.

Supressão puberal representa marco na medicina de gênero

Ao final do ensaio, cada participante será avaliado individualmente para determinar suas necessidades de cuidados contínuos. Surpreendentemente, alguns jovens poderão continuar recebendo os medicamentos após o término do estudo se isso for considerado clinicamente apropriado. Essa possibilidade gerou críticas adicionais de grupos que se opõem ao tratamento hormonal em menores de idade.

O secretário de Saúde Wes Streeting defendeu a abordagem baseada em evidências para intervenções médicas em menores de idade. Segundo ele, o governo está trabalhando para abrir novos serviços de identidade de gênero que ofereçam suporte holístico à saúde e bem-estar. Simultaneamente, o ensaio clínico fornecerá dados necessários para decisões futuras sobre a disponibilidade do tratamento.

O programa Pathways inclui ainda um estudo observacional maior envolvendo três mil crianças que frequentam serviços de gênero do NHS. Essa pesquisa mais ampla investigará diferentes tipos de suporte e sua eficácia em jovens com incongruência de gênero. Dessa forma, os resultados combinados poderão transformar fundamentalmente a abordagem britânica aos cuidados de saúde de gênero na população pediátrica.

Os primeiros resultados do ensaio clínico devem ser divulgados em aproximadamente quatro anos, por volta de 2029. Até lá, o debate sobre bloqueadores de puberdade certamente continuará polarizando opiniões entre defensores do acesso ao tratamento e aqueles que priorizam cautela máxima diante das incertezas científicas persistentes sobre segurança e eficácia em longo prazo.

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