Em uma revelação contundente durante o Doha Forum 2025, o primeiro-ministro do Catar, Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, esclareceu as origens e a natureza do relacionamento de seu país com o grupo Hamas. Diante de uma plateia internacional e em entrevista ao comentarista norte-americano Tucker Carlson, o premiê afirmou categoricamente que o engajamento de Doha com o movimento palestino não foi uma iniciativa isolada, mas sim uma resposta a um pedido direto dos Estados Unidos há mais de uma década. Segundo Al Thani, o objetivo inicial, estabelecido por volta de 2012, era criar um canal de comunicação viável que pudesse facilitar a mediação de conflitos e o estabelecimento de tréguas, uma necessidade estratégica reconhecida por Washington na época para manter alguma influência sobre os atores na Faixa de Gaza.
O primeiro-ministro rebateu vigorosamente as acusações de que o Catar estaria financiando o terrorismo ou agindo contra os interesses ocidentais. Ele explicou que o escritório do Hamas em Doha serviu exclusivamente como um polo para negociações de cessar-fogo e para coordenar a logística de ajuda humanitária essencial para a sobrevivência da população civil em Gaza. Essa narrativa desafia diretamente as críticas recentes de políticos norte-americanos e israelenses que tentaram pintar o Catar como um patrocinador ideológico do grupo. Ao trazer à tona o “pedido americano”, Al Thani reposiciona o papel de seu país não como um aliado do Hamas, mas como um facilitador diplomático que assumiu um fardo necessário a pedido de seus parceiros ocidentais.
Portanto, a manutenção desse escritório ao longo dos anos deve ser vista sob a ótica da realpolitik. O Catar argumenta que, sem esse canal, muitas das crises anteriores poderiam ter escalado para conflitos ainda mais sangrentos e prolongados. A transparência dessa relação, segundo o premiê, sempre foi total, com os Estados Unidos sendo mantidos informados sobre cada passo e cada interação significativa entre as autoridades catares e a liderança política do Hamas hospedada no Golfo.
Intermediação externa no conflito
Um dos pontos mais sensíveis abordados foi a questão financeira. Al Thani detalhou que todo o auxílio financeiro enviado pelo Catar para a Faixa de Gaza passou por um rigoroso processo de fiscalização, que envolvia não apenas os Estados Unidos, mas também, crucialmente, o governo de Israel. O premiê enfatizou que sucessivos governos israelenses, juntamente com suas instituições de segurança, aprovaram e até facilitaram a entrada desses recursos no enclave palestino. O dinheiro, muitas vezes transportado em espécie para pagar salários de funcionários públicos e garantir o fornecimento de eletricidade, era visto por Israel como uma ferramenta para manter a estabilidade mínima em Gaza e evitar o colapso total da ordem civil, o que poderia prejudicar a própria segurança israelense.
O líder catari classificou as alegações de que Doha “financia o Hamas” como infundadas e baseadas em desinformação destinada a prejudicar as relações entre o Catar e os EUA. Ele reiterou que os fundos foram direcionados diretamente para a população, através de mecanismos transparentes conhecidos por todas as partes envolvidas. Essa declaração busca desmontar a narrativa de que o Catar operava nas sombras; pelo contrário, a operação financeira era uma engrenagem de uma máquina de estabilização regional que contava com a anuência tácita, e por vezes explícita, de Tel Aviv e Washington.
Além disso, a fala de Al Thani expõe a hipocrisia de certos atores políticos que, após se beneficiarem da mediação e da ajuda financeira do Catar para manter a calma na fronteira sul de Israel por anos, agora utilizam o mesmo fato como arma política. O Catar se coloca na posição de quem fez o “trabalho sujo” diplomático necessário para evitar catástrofes humanitárias maiores, apenas para ser transformado em bode expiatório quando a situação geopolítica mudou drasticamente após os ataques de outubro.
Vínculo político no Golfo
No contexto atual da guerra, o papel do Catar como mediador tornou-se ainda mais crítico, embora complexo. Al Thani destacou que o canal de comunicação com o Hamas foi vital para alcançar acordos de libertação de reféns e tréguas temporárias durante o conflito recente. Ele argumentou que cortar esses laços agora, como exigem algumas vozes radicais, eliminaria a única ponte capaz de trazer resultados concretos na mesa de negociações. O premiê lembrou que muitos dos críticos mais vocais do Catar vêm justamente dos países que dependem desses esforços de mediação para resgatar seus cidadãos ou evitar uma escalada regional.
Entretanto, o futuro dessa relação permanece incerto. O Catar deixou claro que seu compromisso é com a paz e a justiça, não com a manutenção eterna de um grupo específico no poder. A pressão sobre Doha aumentou significativamente, com legisladores dos EUA ameaçando rever o status do Catar como aliado estratégico caso não expulse a liderança do Hamas. A resposta de Al Thani no fórum sugere que o Catar não cederá facilmente a ultimatos que ignorem a utilidade prática de sua posição única. Ele reforçou que o escritório do Hamas existe para facilitar negociações, e enquanto houver uma guerra para negociar, o canal permanece necessário.
Consequentemente, o Catar está navegando em um campo minado diplomático, tentando equilibrar sua aliança de segurança com os Estados Unidos e seu papel histórico como interlocutor do mundo islâmico. A insistência de que a relação começou a pedido dos EUA serve como um escudo diplomático, lembrando ao mundo que a presença do Hamas em Doha não é um acidente, mas um design geopolítico arquitetado pelo Ocidente.
Canal de comunicação árabe
Olhando para o futuro, o primeiro-ministro catari foi enfático sobre a reconstrução de Gaza. Ele declarou que o Catar continuará a fornecer ajuda humanitária ao povo palestino, mas não assinará cheques em branco para reconstruir o que Israel destrói ciclicamente. A posição de Doha é clara: sem um horizonte político sério que inclua a solução de dois estados e o fim da ocupação, o ciclo de destruição e reconstrução é fútil. Al Thani afirmou que o país não financiará a reconstrução de infraestrutura se não houver garantias de que ela não será bombardeada novamente em poucos anos.
Por fim, o primeiro-ministro reiterou que o que existe atualmente em Gaza não é um cessar-fogo definitivo, mas apenas pausas frágeis, e que um verdadeiro fim das hostilidades exige a retirada total das forças israelenses. A postura firme do Catar no Doha Forum sinaliza uma nova fase na diplomacia do Golfo, onde os estados árabes ricos estão menos dispostos a atuar apenas como financiadores passivos da estabilidade e mais interessados em usar sua influência econômica e diplomática para exigir soluções políticas duradouras. A revelação sobre o pedido dos EUA há 13 anos é apenas a ponta do iceberg de uma estratégia mais ampla para redefinir as responsabilidades no Oriente Médio.
