Catar diz que elo com Hamas foi pedido dos EUA há 13 anos

Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani detalha histórico diplomático em fórum, fundos eram para Gaza e auditados por Israel, declaração ocorre em meio a negociações críticas de cessar-fogo.

Primeiro-ministro do Catar, Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, sendo entrevistado pelo jornalista Tucker Carlson no palco do Doha Forum, com logotipos do evento ao fundo.
Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani explica a relação com o Hamas durante entrevista ao jornalista Tucker Carlson no Catar. (Foto: Reprodução)

Em uma revelação contundente durante o Doha Forum 2025, o primeiro-ministro do Catar, Sheikh Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, esclareceu as origens e a natureza do relacionamento de seu país com o grupo Hamas. Diante de uma plateia internacional e em entrevista ao comentarista norte-americano Tucker Carlson, o premiê afirmou categoricamente que o engajamento de Doha com o movimento palestino não foi uma iniciativa isolada, mas sim uma resposta a um pedido direto dos Estados Unidos há mais de uma década. Segundo Al Thani, o objetivo inicial, estabelecido por volta de 2012, era criar um canal de comunicação viável que pudesse facilitar a mediação de conflitos e o estabelecimento de tréguas, uma necessidade estratégica reconhecida por Washington na época para manter alguma influência sobre os atores na Faixa de Gaza.

O primeiro-ministro rebateu vigorosamente as acusações de que o Catar estaria financiando o terrorismo ou agindo contra os interesses ocidentais. Ele explicou que o escritório do Hamas em Doha serviu exclusivamente como um polo para negociações de cessar-fogo e para coordenar a logística de ajuda humanitária essencial para a sobrevivência da população civil em Gaza. Essa narrativa desafia diretamente as críticas recentes de políticos norte-americanos e israelenses que tentaram pintar o Catar como um patrocinador ideológico do grupo. Ao trazer à tona o “pedido americano”, Al Thani reposiciona o papel de seu país não como um aliado do Hamas, mas como um facilitador diplomático que assumiu um fardo necessário a pedido de seus parceiros ocidentais.

Portanto, a manutenção desse escritório ao longo dos anos deve ser vista sob a ótica da realpolitik. O Catar argumenta que, sem esse canal, muitas das crises anteriores poderiam ter escalado para conflitos ainda mais sangrentos e prolongados. A transparência dessa relação, segundo o premiê, sempre foi total, com os Estados Unidos sendo mantidos informados sobre cada passo e cada interação significativa entre as autoridades catares e a liderança política do Hamas hospedada no Golfo.

Intermediação externa no conflito

Um dos pontos mais sensíveis abordados foi a questão financeira. Al Thani detalhou que todo o auxílio financeiro enviado pelo Catar para a Faixa de Gaza passou por um rigoroso processo de fiscalização, que envolvia não apenas os Estados Unidos, mas também, crucialmente, o governo de Israel. O premiê enfatizou que sucessivos governos israelenses, juntamente com suas instituições de segurança, aprovaram e até facilitaram a entrada desses recursos no enclave palestino. O dinheiro, muitas vezes transportado em espécie para pagar salários de funcionários públicos e garantir o fornecimento de eletricidade, era visto por Israel como uma ferramenta para manter a estabilidade mínima em Gaza e evitar o colapso total da ordem civil, o que poderia prejudicar a própria segurança israelense.

O líder catari classificou as alegações de que Doha “financia o Hamas” como infundadas e baseadas em desinformação destinada a prejudicar as relações entre o Catar e os EUA. Ele reiterou que os fundos foram direcionados diretamente para a população, através de mecanismos transparentes conhecidos por todas as partes envolvidas. Essa declaração busca desmontar a narrativa de que o Catar operava nas sombras; pelo contrário, a operação financeira era uma engrenagem de uma máquina de estabilização regional que contava com a anuência tácita, e por vezes explícita, de Tel Aviv e Washington.

Além disso, a fala de Al Thani expõe a hipocrisia de certos atores políticos que, após se beneficiarem da mediação e da ajuda financeira do Catar para manter a calma na fronteira sul de Israel por anos, agora utilizam o mesmo fato como arma política. O Catar se coloca na posição de quem fez o “trabalho sujo” diplomático necessário para evitar catástrofes humanitárias maiores, apenas para ser transformado em bode expiatório quando a situação geopolítica mudou drasticamente após os ataques de outubro.

Vínculo político no Golfo

No contexto atual da guerra, o papel do Catar como mediador tornou-se ainda mais crítico, embora complexo. Al Thani destacou que o canal de comunicação com o Hamas foi vital para alcançar acordos de libertação de reféns e tréguas temporárias durante o conflito recente. Ele argumentou que cortar esses laços agora, como exigem algumas vozes radicais, eliminaria a única ponte capaz de trazer resultados concretos na mesa de negociações. O premiê lembrou que muitos dos críticos mais vocais do Catar vêm justamente dos países que dependem desses esforços de mediação para resgatar seus cidadãos ou evitar uma escalada regional.

Entretanto, o futuro dessa relação permanece incerto. O Catar deixou claro que seu compromisso é com a paz e a justiça, não com a manutenção eterna de um grupo específico no poder. A pressão sobre Doha aumentou significativamente, com legisladores dos EUA ameaçando rever o status do Catar como aliado estratégico caso não expulse a liderança do Hamas. A resposta de Al Thani no fórum sugere que o Catar não cederá facilmente a ultimatos que ignorem a utilidade prática de sua posição única. Ele reforçou que o escritório do Hamas existe para facilitar negociações, e enquanto houver uma guerra para negociar, o canal permanece necessário.

Consequentemente, o Catar está navegando em um campo minado diplomático, tentando equilibrar sua aliança de segurança com os Estados Unidos e seu papel histórico como interlocutor do mundo islâmico. A insistência de que a relação começou a pedido dos EUA serve como um escudo diplomático, lembrando ao mundo que a presença do Hamas em Doha não é um acidente, mas um design geopolítico arquitetado pelo Ocidente.

Canal de comunicação árabe

Olhando para o futuro, o primeiro-ministro catari foi enfático sobre a reconstrução de Gaza. Ele declarou que o Catar continuará a fornecer ajuda humanitária ao povo palestino, mas não assinará cheques em branco para reconstruir o que Israel destrói ciclicamente. A posição de Doha é clara: sem um horizonte político sério que inclua a solução de dois estados e o fim da ocupação, o ciclo de destruição e reconstrução é fútil. Al Thani afirmou que o país não financiará a reconstrução de infraestrutura se não houver garantias de que ela não será bombardeada novamente em poucos anos.

Por fim, o primeiro-ministro reiterou que o que existe atualmente em Gaza não é um cessar-fogo definitivo, mas apenas pausas frágeis, e que um verdadeiro fim das hostilidades exige a retirada total das forças israelenses. A postura firme do Catar no Doha Forum sinaliza uma nova fase na diplomacia do Golfo, onde os estados árabes ricos estão menos dispostos a atuar apenas como financiadores passivos da estabilidade e mais interessados em usar sua influência econômica e diplomática para exigir soluções políticas duradouras. A revelação sobre o pedido dos EUA há 13 anos é apenas a ponta do iceberg de uma estratégia mais ampla para redefinir as responsabilidades no Oriente Médio.

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