O governo chinês levou disputa diplomática com o Japão às Nações Unidas, acusando Tóquio de “lançar ameaça de uso da força” contra Pequim e advertindo que se defenderá de qualquer “ato de agressão” no Estreito de Taiwan. Carta enviada sexta-feira (22) ao secretário-geral da ONU, António Guterres, marca escalada da crise bilateral que já dura duas semanas e representa linguagem mais forte utilizada por autoridade chinesa sênior na maior tensão entre os países dos últimos anos.
Embaixador da China junto à ONU, Fu Cong, afirmou na correspondência oficial que primeira-ministra japonesa Sanae Takaichi “fez comentários provocadores sobre Taiwan de forma flagrante”, cometendo “grave violação do direito internacional” e das normas diplomáticas. China e Japão mergulharam em escalada de tensão diplomática depois que Takaichi, que ocupa cargo há apenas um mês, declarou no Parlamento nipônico que ataque chinês contra Taiwan poderia justificar intervenção das Forças de Autodefesa japonesas.
Declarações de Takaichi rompem ambiguidade estratégica
Sanae Takaichi, nacionalista conservadora que assumiu cargo de primeira-ministra em outubro, abandonou ambiguidade que Japão e Estados Unidos tradicionalmente usam em relação a Taiwan quando disse no Parlamento em 7 de novembro que hipotético ataque chinês contra a ilha autônoma poderia ser considerado “situação que ameaça a sobrevivência do Japão”. Essa designação legal específica permite que primeiro-ministro japonês mobilize Forças Armadas do país conforme Constituição pacifista estabelecida após Segunda Guerra Mundial.
Taiwan localiza-se a pouco mais de 100 quilômetros do território japonês, proximidade geográfica que confere peso estratégico às posições de Tóquio sobre questão. Declarações de Takaichi romperam décadas de postura cautelosa que caracterizou política externa japonesa desde normalização das relações diplomáticas com China em 1972, quando Japão reconheceu Pequim como único governo legítimo da China e rompeu relações oficiais com Taipé. Posicionamento explícito da primeira-ministra representa mudança substancial na doutrina de defesa japonesa.
China considera declarações extremamente perigosas
Segundo embaixador Fu Cong, palavras de Takaichi são “gravemente erradas e extremamente perigosas, com natureza e impacto profundamente maliciosos”. Diplomata chinês sublinhou que “apesar das repetidas diligências e protestos da China, parte japonesa recusa-se a arrepender-se ou retratar-se de suas afirmações errôneas”, recordando que esta é “primeira vez que Japão lança ameaça de uso da força contra China”, atitude que desafia “abertamente” interesses fundamentais chineses relacionados à soberania territorial.
Fu advertiu claramente que “se Japão ousar tentar intervenção armada na situação entre dois lados do Estreito, isso seria ato de agressão”. Embaixador afirmou categoricamente que “China exercerá resolutamente seu direito de autodefesa sob Carta da ONU e direito internacional e defenderá firmemente sua soberania e integridade territorial”. Linguagem utilizada na carta representa tom mais duro adotado por autoridade chinesa desde início da crise diplomática, sinalizando que Pequim considera questão de gravidade extrema.
Referências históricas da Segunda Guerra Mundial
Carta à ONU incluiu referências diretas ao papel histórico do Japão na Segunda Guerra Mundial. Embaixador chinês escreveu que “como país derrotado na Segunda Guerra Mundial, Japão deve refletir profundamente sobre seus crimes históricos, cumprir estritamente seu compromisso político relativo à questão de Taiwan, cessar imediatamente provocações e ultrapassagens de linhas vermelhas, e retratar-se de suas declarações errôneas”. Invocação da memória histórica representa estratégia diplomática chinesa para questionar legitimidade moral de posições japonesas.
Alto funcionário chinês Wang Yi, em declaração paralela, afirmou que é “chocante que atuais líderes do Japão tenham enviado publicamente sinal errado de tentar intervir militarmente na questão de Taiwan, dizendo coisas que não deveriam ter sido ditas e cruzando linha vermelha que não deveria ter sido tocada”. Wang acrescentou que China deve “responder de forma resoluta” às ações do Japão e que todos países têm responsabilidade de “impedir ressurgimento do militarismo japonês”.
Medidas de retaliação econômica já implementadas
Após declarações de Takaichi, China implementou série de medidas de retaliação que ultrapassaram limites tradicionais da diplomacia. Governo chinês aconselhou cidadãos a evitarem viajar para Japão, recomendação que levou à suspensão de centenas de milhares de voos entre dois países. China voltou também a proibir importação de marisco japonês, retomando restrição que havia sido suspensa anteriormente. Autoridades chinesas afirmaram que cooperação comercial bilateral foi “gravemente prejudicada” pelas declarações da primeira-ministra.
Shows de músicos japoneses na China foram abruptamente cancelados, demonstrando extensão das medidas punitivas aos intercâmbios culturais. Ministério da Educação chinês emitiu alertas para estudantes chineses que planejam estudar no Japão, citando preocupações com segurança e mencionando crimes recentes contra cidadãos chineses. Conjunto de ações econômicas e culturais sinaliza determinação de Pequim em pressionar Tóquio para mudança de posição sobre Taiwan.
Japão mantém posição e recusa retratação
Primeira-ministra Sanae Takaichi recusou na sexta-feira retirar suas declarações sobre Taiwan, considerando que representam “posição coerente” do governo japonês. Apesar da pressão chinesa, líder nipônica reiterou desejo de manter relações benéficas com China, chamando novamente ao diálogo bilateral. Posicionamento demonstra que governo conservador japonês não pretende recuar de nova doutrina de defesa estabelecida, mesmo diante de consequências econômicas e diplomáticas adversas.
Ministério das Relações Exteriores do Japão não pôde ser contatado imediatamente para comentar carta de Fu Cong à ONU, que representa crítica mais forte feita a Takaichi por autoridade chinesa sênior desde início da maior crise bilateral dos últimos anos. Diplomatas japoneses, em reunião realizada em 18 de novembro em Pequim, mantiveram posição de que observações de Takaichi estavam alinhadas com política tradicional de defesa japonesa, embora representem primeira vez que possibilidade é verbalizada tão explicitamente.
Tensões em disputas territoriais se intensificam
Disputa diplomática estende-se também para questões territoriais no Mar da China Oriental. No domingo anterior, guarda costeira chinesa anunciou patrulhamento de áreas em águas ao redor de grupo de ilhas desabitadas que ambos países reivindicam. Japão chama arquipélago de Ilhas Senkaku, enquanto China denomina Ilhas Diaoyu. Território disputado representa ponto de atrito recorrente entre duas nações, com incursões periódicas de embarcações militares de ambos lados.
Japão condenou formalmente breve “violação” de águas territoriais japonesas por frota de quatro navios da guarda costeira chinesa. Incidente ocorreu em contexto de crescentes tensões diplomáticas, elevando riscos de confronto militar acidental no mar. Especialistas em segurança internacional alertam que combinação de disputas territoriais não resolvidas com escalada retórica sobre Taiwan cria ambiente propício para mal-entendidos que poderiam resultar em incidentes armados não intencionais.
Reunião bilateral marcada por simbolismo hostil
Encontro diplomático realizado em 18 de novembro em Pequim destacou-se por simbolismo hostil. Alto funcionário chinês Liu Jinsong optou por usar terno sem gola de cinco botões associado à rebelião de estudantes chineses contra imperialismo japonês em 1919. Mídia japonesa classificou escolha do traje como “símbolo de desafio”. Veículos de comunicação nipônicos também destacaram vídeos e imagens da reunião mostrando Liu com mãos nos bolsos após negociações, gesto normalmente considerado desrespeitoso em ambientes formais da diplomacia asiática.
Reunião em Pequim não produziu avanços concretos para aliviar tensões. Representantes chineses reiteraram demanda por retratação formal, enquanto diplomatas japoneses mantiveram posição de que declarações de Takaichi refletem política coerente do governo. Ausência de sinais de quebra do impasse sugere que crise bilateral pode prolongar-se indefinidamente, com consequências potencialmente graves para estabilidade regional no Leste Asiático.
Posição de Taiwan e contexto geopolítico
Pequim considera ilha de Taiwan, governada autonomamente desde 1949, como “parte inalienável” de seu território e não exclui uso da força para assumir controle. Governo taiwanês rejeita reivindicações de Pequim e afirma que somente povo da ilha pode decidir seu futuro. Taiwan distribui atualmente “guias de sobrevivência” para cidadãos prepararem-se para possível ataque chinês, medida que reflete escalada das preocupações com segurança na região.
Presidente de Taiwan recentemente almoçou publicamente sushi para demonstrar apoio ao Japão na disputa com China, gesto simbólico que reforçou alinhamento implícito entre Taipé e Tóquio contra pressões de Pequim. Japão mantém estreitos contatos não oficiais com ilha, que parlamentares próximos visitam com frequência, além de compromisso de segurança com Estados Unidos que confere peso estratégico adicional à posição japonesa no Indo-Pacífico. Estados Unidos reafirmaram que defenderão Japão em caso de ataque às Ilhas Senkaku disputadas.
Implicações para ordem regional e internacional
Escalada entre China e Japão representa desafio significativo para estabilidade do Leste Asiático, região economicamente vital que concentra rotas comerciais marítimas fundamentais para economia global. Tensões simultâneas em múltiplas dimensões — diplomática, militar, histórica e econômica — sugerem que conflito entrou em estágio de risco ampliado. Analistas internacionais alertam que deterioração adicional das relações sino-japonesas pode forçar países da região a escolherem alinhamentos, fragmentando arquitetura de segurança construída desde fim da Guerra Fria.
Decisão chinesa de levar disputa formalmente à ONU através de carta ao secretário-geral representa tentativa de internacionalizar questão e mobilizar opinião diplomática global contra posições japonesas. Estratégia busca enquadrar declarações de Takaichi como violação de normas internacionais estabelecidas, potencialmente isolando Japão diplomaticamente. Resposta da comunidade internacional e posicionamento de António Guterres serão observados atentamente como indicadores da legitimidade percebida das posições de cada lado.