EUA condenam uso de radar de ataque pela China contra caças japoneses

Departamento de Estado classifica ação chinesa como ameaça à paz regional, incidente envolveu caças J-15 do porta-aviões Liaoning e jatos F-15 japoneses em disputa perigosa no Pacífico.

Fachada do prédio do Departamento de Estado dos EUA com placa de identificação azul em primeiro plano e edifício bege ao fundo.
Sede do Departamento de Estado em Washington; órgão classificou como "provocativa" a atitude da China de mirar radares de ataque em caças do Japão. (Foto: Reprodução)

A estabilidade geopolítica na região do Indo-Pacífico sofreu um abalo sísmico nesta quarta-feira (10) com a entrada oficial dos Estados Unidos na crise diplomática entre Tóquio e Pequim. O governo norte-americano rompeu o silêncio estratégico e emitiu uma condenação formal e severa contra a China, acusando as forças militares de Xi Jinping de direcionarem radares de controle de tiro — sistema utilizado para guiar mísseis até o alvo — contra aeronaves da Força de Autodefesa Aérea do Japão. O episódio, ocorrido no último sábado (6), não foi um mero encontro casual, mas sim uma simulação de combate real que colocou pilotos de ambas as nações à beira de um confronto armado inadvertido. Segundo o Departamento de Estado, “as ações da China são provocativas, perigosas e não contribuem para a paz regional”, uma declaração que reforça o compromisso inabalável de Washington com a defesa de seu principal aliado asiático.

O incidente em questão envolveu caças chineses do modelo J-15, apelidados de “Tubarão Voador”, que operavam a partir do porta-aviões Liaoning, navio-capitânia da frota chinesa que realizava exercícios de projeção de poder ao sul da ilha de Okinawa. De acordo com relatórios de inteligência do Ministério da Defesa do Japão, os pilotos chineses “iluminaram” os caças F-15 japoneses com seus radares de tiro em duas ocasiões distintas no mesmo dia. O primeiro bloqueio ocorreu no final da tarde e durou cerca de três minutos, tempo suficiente para que os sistemas de alerta das aeronaves japonesas indicassem um ataque iminente. O segundo evento, ainda mais alarmante, ocorreu à noite e persistiu por longos 30 minutos, criando um cenário de tensão psicológica extrema para as tripulações envolvidas, que precisaram manter a disciplina para não engajar em combate defensivo.

Para compreender a gravidade do ato, é necessário entender a distinção técnica entre um radar de busca e um radar de controle de tiro. O radar de busca apenas varre o céu para identificar objetos, uma prática comum e aceitável em zonas de identificação aérea. Contudo, o radar de controle de tiro, quando travado em uma aeronave específica, envia um feixe contínuo de ondas que fornece dados precisos de telemetria para o lançamento de mísseis. Na linguagem militar, acionar esse sistema contra outra aeronave é o equivalente a apontar uma arma carregada e destravada para a cabeça de alguém; é o último passo antes de puxar o gatilho. Especialistas em aviação de combate alertam que, ao ouvir o alarme de travamento de radar no cockpit, o instinto natural de qualquer piloto é realizar manobras evasivas agressivas ou preparar contra-medidas, o que aumenta exponencialmente o risco de colisão ou disparo acidental.

Provocação nos céus

A reação do governo japonês foi imediata e reflete o nível de deterioração das relações bilaterais. O ministro da Defesa, Shinjiro Koizumi, classificou a manobra como “extremamente lamentável” e uma “ameaça direta à segurança das operações japonesas”. Tóquio convocou o embaixador chinês para prestar esclarecimentos e apresentou um protesto formal através dos canais diplomáticos. A narrativa japonesa sustenta que seus caças F-15 estavam em missão de vigilância padrão, monitorando as atividades do grupo de ataque do porta-aviões Liaoning em águas internacionais, mas dentro da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Japão, uma prática legal e rotineira. Koizumi ressaltou que a resposta chinesa foi desproporcional e violou o Código de Conduta para Encontros Não Planejados no Mar (CUES), acordo que visa justamente evitar esse tipo de escalada.

Por outro lado, a China adotou uma postura de negação veemente e contra-ataque retórico. O Ministério da Defesa Nacional em Pequim rejeitou as acusações, afirmando que a culpa pelo incidente aéreo militar recai inteiramente sobre os pilotos japoneses. Segundo a versão chinesa, as aeronaves do Japão realizaram aproximações perigosas e não autorizadas na zona de exercícios navais do Liaoning, interferindo na segurança das manobras de decolagem e aterrissagem. Para tentar substanciar sua defesa, militares chineses divulgaram trechos de áudio que, supostamente, comprovam que as autoridades japonesas foram previamente notificadas sobre a zona de exclusão aérea temporária para treinamento. Pequim argumenta que o uso dos radares foi uma medida defensiva necessária para rastrear intrusos que ameaçavam a integridade de sua frota.

Nesse sentido, a disputa de narrativas expõe a fragilidade dos mecanismos de comunicação de crise entre as duas potências asiáticas. Enquanto o Japão vê a ação como uma intimidação deliberada para forçar o recuo de suas forças de vigilância, a China enxerga a presença japonesa como uma espionagem provocativa em seu “quintal”. Analistas observam que o uso do porta-aviões Liaoning próximo às ilhas japonesas serve a um propósito estratégico duplo: treinar as capacidades de combate da marinha chinesa em águas azuis e enviar uma mensagem política de que o Exército de Libertação Popular (ELP) agora possui a capacidade de operar além da chamada “Primeira Cadeia de Ilhas”, cercando efetivamente Taiwan e desafiando o domínio aeronaval histórico dos Estados Unidos e do Japão na região.

Tensão sino-japonesa

O envolvimento direto dos Estados Unidos na controvérsia serve como um lembrete do complexo xadrez geopolítico que define o Indo-Pacífico atual. O Tratado de Cooperação Mútua e Segurança entre EUA e Japão obriga Washington a defender o território japonês em caso de ataque armado. Embora o incidente do radar não constitua um ataque cinético, ele testa os limites desse compromisso. O secretário-chefe do gabinete japonês, Minoru Kihara, fez questão de saudar publicamente o apoio americano, declarando que a solidariedade dos EUA é “indispensável” para dissuadir o expansionismo chinês. A Casa Branca, sob a administração Trump, tem buscado equilibrar a retórica dura contra Pequim com a necessidade de manter canais comerciais abertos, mas incidentes militares dessa magnitude forçam uma postura mais rígida do Departamento de Estado para tranquilizar os aliados.

Além disso, o contexto político interno do Japão adiciona combustível à fogueira. A tensão sino-japonesa já vinha numa escalada acentuada desde novembro, quando a primeira-ministra Sanae Takaichi, conhecida por suas posições nacionalistas e linha-dura, sugeriu que o Japão poderia mobilizar suas Forças de Autodefesa para apoiar os EUA em caso de um bloqueio naval chinês a Taiwan. Essas declarações foram recebidas com fúria em Pequim, que considera Taiwan uma província rebelde e um assunto estritamente doméstico. O incidente do radar é interpretado por muitos observadores como uma resposta direta e física da China às declarações políticas de Takaichi, uma forma de demonstrar que há um custo militar para o alinhamento total de Tóquio com a estratégia de contenção norte-americana.

Outrossim, a repercussão do caso transborda para outros atores regionais. A Austrália e as Filipinas, que também têm enfrentado comportamentos assertivos da marinha chinesa, manifestaram preocupação com o precedente aberto. O uso de radares de controle de tiro como ferramenta de coerção na “Zona Cinzenta” — espaço entre a paz e a guerra — é uma tática que visa intimidar sem disparar um tiro, mas que carrega um risco incalculável de erro de cálculo. Se um piloto japonês, sob estresse intenso e com o alarme de míssil soando, tivesse disparado um flare ou realizado uma manobra interpretada como hostil pelos chineses, a região poderia ter acordado hoje em meio a um conflito armado real. A margem de erro no Estreito de Miyako, uma passagem vital para o comércio global e para a estratégia militar chinesa, tornou-se perigosamente estreita.

Incidente aéreo militar

Por fim, o cenário futuro permanece incerto e volátil. O governo japonês anunciou que não recuará de suas missões de vigilância e que continuará a monitorar de perto qualquer movimentação do porta-aviões Liaoning e de sua escolta. A primeira-ministra Takaichi prometeu uma resposta “calma, mas resoluta”, indicando que o Japão pode acelerar seus planos de modernização militar, incluindo a aquisição de mísseis de contra-ataque de longo alcance, uma mudança histórica na postura pacifista do país. A China, por sua vez, parece determinada a normalizar sua presença militar no Pacífico Ocidental, utilizando cada exercício como uma oportunidade para testar a prontidão e a paciência de seus vizinhos e dos Estados Unidos.

Consequentemente, a comunidade internacional observa com apreensão. Organismos multilaterais pedem contenção, mas a eficácia da diplomacia parece diminuir à medida que o poderio militar aumenta. A insistência da China em utilizar bloqueio de radar ofensivo contra aeronaves de outros países — algo que já ocorreu no passado com aeronaves australianas e canadenses — sugere que esta é uma nova doutrina operacional, e não um erro isolado de um comandante local. Isso coloca um ônus imenso sobre os pilotos e comandantes navais que operam na linha de frente, exigindo deles um nível de profissionalismo e sangue frio sobre-humano para evitar que uma provocação eletrônica se transforme na terceira guerra mundial.

Portanto, os próximos dias serão cruciais. A resposta dos EUA, que até agora se limitou a condenações verbais, pode evoluir para o envio de mais ativos navais para a região, como forma de demonstrar força. O mundo aguarda para ver se a racionalidade prevalecerá ou se o Pacífico se tornará, de fato, o palco do próximo grande conflito global. A lição que fica deste episódio é clara: na era da guerra eletrônica e da disputa por hegemonia, o silêncio de um radar pode ser tão ensurdecedor quanto o estrondo de um canhão.

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