Crise na OTAN: Dinamarca classifica EUA como ameaça em relatório oficial

Documento do DDIS aponta uso de coerção econômica e interesse militar no Ártico como riscos à soberania, movimento inédito expõe fratura profunda na aliança transatlântica.

Primeira-ministra Mette Frederiksen discursa em púlpito ao lado do chanceler alemão Olaf Scholz, com bandeiras da Dinamarca e Alemanha ao fundo.
A primeira-ministra Mette Frederiksen (à esquerda) busca apoio europeu para defender a soberania do Ártico diante da crise na OTAN gerada pelo relatório de inteligência. (Foto: Reprodução)

Uma reviravolta diplomática sem precedentes abalou as estruturas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) nesta sexta-feira (12).

A Dinamarca, tradicionalmente um dos aliados mais leais de Washington na Europa, incluiu os Estados Unidos em sua lista oficial de ameaças à segurança nacional.

O documento, elaborado pelo Serviço de Inteligência de Defesa da Dinamarca (DDIS), aponta uma mudança drástica na percepção de risco vinda do outro lado do Atlântico.

Segundo o relatório anual de avaliação de riscos, a superpotência americana passou a adotar uma postura de “impor sua vontade” sobre aliados e adversários indistintamente.

Essa classificação coloca os Estados Unidos ao lado de rivais históricos do bloco ocidental, criando um paradoxo dentro da própria aliança militar.

O relatório destaca que a política externa americana, sob uma nova doutrina de “America First” em 2025, prioriza acordos bilaterais em detrimento da segurança coletiva.

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A medida dinamarquesa não é apenas um alerta retórico, mas reflete preocupações concretas sobre a integridade territorial do reino, especificamente no Ártico.

O interesse renovado e agressivo de Washington pela Groenlândia é citado como um ponto de fricção que elevou o nível de desconfiança entre as capitais.

Analistas internacionais veem a decisão de Copenhague como um grito de independência diante da pressão econômica exercida pela Casa Branca.

A OTAN, que já enfrentava desafios internos com a postura da Turquia, agora vê um de seus membros fundadores questionar a liderança americana.

Risco Geopolítico Americano

O relatório do DDIS detalha como o poder econômico dos Estados Unidos está sendo utilizado como uma ferramenta de coerção diplomática contra nações amigas.

A inteligência dinamarquesa avalia que a dependência econômica da Europa está sendo instrumentalizada para forçar alinhamentos automáticos em disputas globais.

Isso gera um cenário onde a soberania de nações menores, como a Dinamarca, fica refém dos interesses estratégicos da Casa Branca.

O documento alerta que essa dinâmica enfraquece a coesão do bloco europeu, fragmentando a resposta do continente a crises externas.

A utilização de sanções secundárias e o controle sobre rotas comerciais são citados como vetores desse novo risco vindo do oeste.

Para os estrategistas dinamarqueses, a imprevisibilidade de Washington tornou-se um fator de instabilidade tão perigoso quanto as ameaças convencionais do leste.

A mudança de tom reflete um cansaço diplomático acumulado ao longo de anos de pressões sobre gastos militares e alinhamento comercial.

O governo dinamarquês, embora mantenha a discrição diplomática, endossou tacitamente o relatório ao permitir sua publicação sem censura prévia.

Isso sinaliza que o país está disposto a comprar uma briga pública para defender seus interesses vitais no norte gelado.

A repercussão em Bruxelas, sede da OTAN, foi imediata, com diplomatas tentando minimizar o impacto do texto na unidade da aliança.

Perigo Norte-Americano

O ponto nevrálgico dessa crise atende pelo nome de Groenlândia, um território autônomo dinamarquês rico em recursos naturais e posição estratégica.

O relatório menciona explicitamente o interesse dos Estados Unidos na ilha como uma ameaça direta à soberania do Reino da Dinamarca.

Historicamente, os EUA mantêm bases militares na região, como Thule, mas a retórica recente sugere ambições que vão além da cooperação.

A administração americana tem insistido que a Groenlândia é vital para sua segurança nacional, o que Copenhague lê como um pretexto para intervenção.

O temor é que a pressão americana force uma separação política entre a ilha e a Dinamarca, visando o controle exclusivo dos recursos minerais.

Terras raras, urânio e rotas de navegação no Ártico tornaram a Groenlândia o tabuleiro mais cobiçado da geopolítica do século XXI.

O DDIS avalia que a insistência americana pode evoluir de propostas de compra para táticas de desestabilização política local.

Essa percepção de ameaça territorial vinda de um aliado é inédita na história moderna das relações transatlânticas.

A Dinamarca reforça que a defesa do Ártico é uma prioridade absoluta e que não aceitará a militarização unilateral da região por potências estrangeiras.

O documento serve como um aviso preventivo: Copenhague está vigiando cada movimento de Washington em direção ao norte.

Desafio Estratégico Washington

A postura dinamarquesa encontra eco em outros corredores europeus, onde a “autonomia estratégica” tornou-se a palavra de ordem.

Embora nenhum outro país tenha formalizado os EUA como ameaça em documentos públicos, o sentimento de desconfiança é compartilhado nos bastidores.

A França, por exemplo, há muito defende que a Europa deve reduzir sua dependência militar e tecnológica dos Estados Unidos.

O relatório dinamarquês pode encorajar outras nações a vocalizarem suas preocupações sobre a assimetria de poder dentro da OTAN.

A inteligência dinamarquesa aponta que o foco excessivo dos EUA na competição com a China está drenando recursos e atenção da segurança europeia.

Além disso, a exigência de que aliados cortem laços comerciais com rivais de Washington é vista como uma violação da soberania econômica.

O “Desafio Washington” não é apenas militar, mas uma disputa sobre quem define as regras do jogo no comércio internacional.

A Dinamarca, uma economia aberta e dependente do livre comércio, vê o protecionismo americano como um risco existencial ao seu modelo de bem-estar.

O relatório sugere que a Europa precisa desenvolver mecanismos próprios de defesa para não ser arrastada para conflitos que não são seus.

Essa visão, antes restrita a círculos acadêmicos, agora ganha o carimbo oficial de uma agência de inteligência estatal.

Tensão Diplomática Aliada

A divulgação do relatório ocorre em um momento delicado, logo após reuniões de cúpula que tentavam reafirmar a unidade do Ocidente.

A resposta de Washington ainda é aguardada, mas espera-se uma forte pressão diplomática para que a Dinamarca retrate ou suavize o documento.

No entanto, o dano à confiança mútua já está feito e dificilmente será reparado com notas oficiais de amizade eterna.

A crise expõe a fragilidade de alianças construídas no século XX diante das complexidades multipolares do ano de 2025.

A Turquia, outro membro da OTAN, já havia flertado com a ideia de classificar ações americanas como hostis em seus “Livros Vermelhos” de segurança.

Agora, com a Dinamarca seguindo um caminho similar, cria-se um padrão preocupante de fragmentação interna na maior aliança militar da história.

O Artigo 5º da OTAN, que prevê defesa mútua, baseia-se na premissa de que os aliados não representam perigo uns para os outros.

Quando essa premissa é quebrada por relatórios de inteligência, a própria credibilidade da garantia de segurança coletiva entra em colapso.

O mundo observa atento se esse episódio será um caso isolado ou o início de um realinhamento geopolítico mais amplo na Europa.

Para a Dinamarca, a mensagem é clara: amigos, amigos, soberania à parte.

O relatório de 2025 entrará para a história como o momento em que a Europa começou a dizer “não” ao seu protetor histórico.

Resta saber se a OTAN sobreviverá a essa nova era de honestidade brutal entre seus membros ou se precisará se reinventar completamente.

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