O decreto mais recente do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ajusta novamente a arquitetura das tarifas criadas desde o chamado “Dia da Libertação”, quando Washington passou a aplicar uma alíquota mínima de 10% sobre importações de praticamente todos os parceiros comerciais. Na nova rodada, a Casa Branca anuncia a eliminação da tarifa básica de 10% para uma longa lista de produtos, sobretudo agrícolas, válida para todos os países enquadrados nesses itens. A medida foi apresentada como gesto de “alívio” para cadeias globais já pressionadas pelo encarecimento de fretes, juros elevados e volatilidade cambial.
Apesar desse reposicionamento, o desenho geral da política tarifária permanece agressivo. O governo mantém o discurso de reciprocidade, defendendo que as tarifas norte-americanas apenas espelham o que outros países cobrariam dos EUA. Na prática, porém, o sistema criado por Trump combina a antiga tarifa básica de 10% com sobretaxas que chegam a patamares muito superiores para determinados parceiros comerciais, inclusive o Brasil.
Como o decreto altera tarifas globais, mas preserva sobretaxas
A mudança anunciada agora retira a cobrança de 10% sobre uma extensa cesta de bens – como café, carnes e frutas – que antes estavam automaticamente sujeitos à tarifa básica para todos os países. Em termos formais, trata-se de uma revisão parcial da política inaugurada em abril de 2025, quando o governo americano passou a aplicar o piso de 10% de forma universal e, depois, escalou alíquotas específicas para mais de 60 países com base em critérios de “desequilíbrio” comercial.
Com o decreto, parceiros considerados estratégicos ou politicamente alinhados passam a operar com custo de entrada menor no mercado norte-americano para esses produtos. Isso aumenta a competitividade de exportadores de diversas regiões, em especial aqueles que já haviam sofrido pressão de margens com o pacote tarifário original. A retirada da tarifa básica funciona, portanto, como um desconto generalizado, ainda que restrito a uma lista delimitada de mercadorias.
Ao mesmo tempo, o governo preserva a lógica de sobretaxas diferenciadas. Países que foram alvo de medidas adicionais continuam enquadrados em faixas que podem chegar a 40% ou 50%, a depender da leitura política e econômica da Casa Branca sobre cada relação bilateral. Desse modo, o decreto suaviza o piso, mas mantém o teto elevado para parceiros considerados problemáticos.
Brasil não estava mais no patamar de 10%
É nesse ponto que o caso brasileiro se destaca. Na largada da política tarifária, o Brasil chegou a ser enquadrado na tarifa mínima de 10%, vista à época por analistas como um cenário relativamente benigno em comparação a países que enfrentavam alíquotas muito superiores, como China, União Europeia ou Japão.
No entanto, a relação bilateral deteriorou-se ao longo de 2025, culminando em uma escalada que levou a tarifa incidente sobre produtos brasileiros a 50%, após sucessivas decisões da Casa Branca. Na prática, isso significou que o Brasil deixou de estar naquele patamar básico de 10% e passou a figurar entre os países mais penalizados pelo novo regime, em meio a uma crise diplomática aberta entre Brasília e Washington.
Por essa razão, quando Trump assina o decreto que elimina a tarifa de 10% para todos os países em uma longa lista de produtos, o Brasil já não se encontra mais nesse nível de cobrança. A tarifa que de fato pesa sobre as exportações brasileiras é a sobretaxa elevada, mantida pelo governo norte-americano mesmo após o alívio concedido aos demais parceiros. Assim, o anúncio soa mais como ajuste técnico do que como benefício concreto para o exportador brasileiro.
Efeitos práticos para exportadores brasileiros
Do ponto de vista operacional, a leitura predominante entre economistas e agentes de mercado é que o decreto produz ganho marginal ou nulo para o Brasil, justamente porque o país não desfruta mais da tarifa de 10% naqueles produtos. Enquanto concorrentes diretos passam a acessar o mercado americano com custo reduzido, as empresas brasileiras seguem enfrentando alíquotas muito superiores, comprimindo margens e restringindo a capacidade de disputar contratos de maior volume.
Nesse ambiente, companhias exportadoras relatam incerteza permanente na formação de preços e na negociação de prazos. A instabilidade tarifária aumenta o risco percebido, afeta planejamento de investimentos e empurra parte do setor produtivo a buscar alternativas em outros mercados, como Europa, Ásia ou países vizinhos na América Latina. Ainda assim, muitos players mantêm presença nos EUA por se tratar de um mercado de escala e liquidez excepcionais, mesmo sob condições adversas.
Reação política do governo brasileiro ao novo decreto
Do lado brasileiro, a leitura oficial tem sido de crítica constante à escalada de sobretaxas e, ao mesmo tempo, de tentativa de capitalizar qualquer sinal de flexibilização por parte de Washington. Integrantes do governo Lula apontam que a retirada da tarifa de 10% para todos os países, embora não reverta a sobretaxa imposta ao Brasil, comprova que há espaço político para ajustes e renegociações.
Entretanto, chanceleria e equipe econômica avaliam que o gesto ficou aquém do necessário para reequilibrar a relação bilateral. Na prática, o decreto reforça a percepção de que o Brasil segue enquadrado em um grupo de países alvo de punição específica, associada tanto a divergências comerciais quanto a tensões políticas, inclusive em torno do julgamento de figuras ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e da atuação do Brasil nos BRICS.
Perspectivas e riscos para a relação Brasil–EUA
O movimento mais recente de Trump é visto por analistas como parte de uma estratégia de alto risco: por um lado, o presidente tenta sinalizar abertura moderada ao aliviar a tarifa básica de 10% para todos os países em determinados produtos; por outro, mantém instrumentos de pressão fortes contra governos que considera desalinhados, caso do Brasil neste momento.
Se esse desenho não for revisto, o país tende a continuar em desvantagem comparativa em relação a competidores que se beneficiam do fim da tarifa mínima, mas não carregam sobretaxas adicionais. O risco é que, ao longo do tempo, parte da pauta exportadora brasileira perca espaço estrutural no mercado norte-americano, tornando a recuperação de participação mais difícil mesmo em eventual cenário de normalização política.
Ainda assim, especialistas lembram que a própria lógica de tarifas tão elevadas costuma gerar pressões internas nos Estados Unidos, vindas de importadores, varejistas e consumidores afetados por preços mais altos. A depender da intensidade desses efeitos, não está descartada uma nova rodada de revisões, seja por iniciativa da Casa Branca, seja por acordos específicos negociados caso a caso.
Conclusão: alívio global, frustração brasileira
Em síntese, o novo decreto de Trump elimina a tarifa básica de 10% para todos os países em uma longa lista de produtos, mas o Brasil já não estava nesse patamar quando a medida foi anunciada. O país havia sido deslocado para faixas tarifárias muito mais altas, na casa de 40% a 50%, em meio à escalada da crise diplomática.
Enquanto diversos parceiros comerciais comemoram o alívio e vislumbram expansão de vendas para o mercado americano, o Brasil observa o movimento de fora, ainda sob o peso de sobretaxas que comprimem competitividade e ampliam incertezas. O episódio reforça que, na atual configuração, qualquer melhora relevante para o exportador brasileiro dependerá menos de ajustes técnicos e mais de uma recomposição política da relação com Washington.