O estado de Illinois deu um passo histórico e controverso nesta sexta-feira (12) ao sancionar a lei que autoriza a morte medicamente assistida para pacientes com doenças terminais.
O governador J.B. Pritzker assinou o End-of-Life Options for Terminally Ill Patients Act, popularmente conhecido como “Deb’s Law” (Lei de Deb), transformando Illinois no primeiro estado do Meio-Oeste americano a oferecer essa opção legal.
A nova legislação, que só entrará em vigor em setembro de 2026, coloca o estado ao lado de outras jurisdições como Oregon, Califórnia e Washington, que já permitem a prática sob regras estritas.
A decisão encerra anos de debates acalorados entre defensores da autonomia do paciente e grupos religiosos e de direitos das pessoas com deficiência, que veem na medida um risco ético grave.
Para os apoiadores, a assinatura da lei representa uma vitória da compaixão, permitindo que pessoas em sofrimento extremo tenham controle sobre seus momentos finais.
“Fui profundamente impactado pelas histórias de cidadãos de Illinois que sofreram com doenças terminais devastadoras”, declarou o governador Pritzker ao assinar o documento, enfatizando que a medida garante dignidade.
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No entanto, a lei não é um “cheque em branco”. O texto final aprovado pela Assembleia Geral contém uma série de salvaguardas desenhadas para impedir abusos e coerção, pontos centrais das críticas dos opositores.
Legislação de Fim de Vida: Como Funciona?
A “Deb’s Law” estabelece critérios rigorosos de elegibilidade. Para ter acesso à medicação letal, o paciente deve ser um adulto residente em Illinois, mentalmente capaz e diagnosticado com uma doença terminal.
O ponto crucial é o prognóstico: dois médicos diferentes devem atestar que o paciente tem uma expectativa de vida de seis meses ou menos.
Além disso, a solicitação não pode ser feita por terceiros. O próprio paciente deve realizar dois pedidos verbais (com um intervalo de cinco dias entre eles) e um pedido por escrito, assinado diante de testemunhas.
Uma das exigências mais importantes é a capacidade física de autoadministração. O paciente deve ser capaz de ingerir o medicamento por conta própria, sem que ninguém — nem médico, nem familiar — administre a dose fatal.
Essa regra visa diferenciar a morte medicamente assistida da eutanásia ativa (onde o médico aplica a injeção), que permanece ilegal nos Estados Unidos.
A lei também protege os profissionais de saúde: nenhum médico, enfermeiro ou farmacêutico é obrigado a participar do processo se isso violar sua consciência ou crenças religiosas.
Hospitais e sistemas de saúde baseados na fé também podem proibir a prática dentro de suas instalações, garantindo o direito de objeção institucional.
Opção de Morte Digna
O nome “Deb’s Law” homenageia Deb Robertson, uma residente de Lombard que luta contra um câncer neuroendócrino raro e incurável.
Deb tornou-se o rosto da campanha pela aprovação da lei, argumentando que pacientes como ela merecem a opção de não prolongar uma agonia inevitável.
“Hoje, sei que o fim pode estar próximo para mim”, disse Robertson em comunicado após a sanção da lei. “Mas estou feliz por ter desempenhado um papel para garantir que os doentes terminais de Illinois tenham acesso à ajuda médica para morrer”.
Organizações como a Compassion & Choices e a American Civil Liberties Union (ACLU) celebraram a medida como um avanço nos direitos civis e na autonomia corporal.
Eles argumentam que a medicina moderna, embora capaz de prolongar a vida, muitas vezes prolonga também o sofrimento sem qualidade, e que o Estado não deve interferir na decisão íntima de um indivíduo lúcido.
A implementação da lei terá um período de carência de mais de um ano e meio (até setembro de 2026) justamente para que o Departamento de Saúde Pública de Illinois crie os protocolos e formulários necessários.
Protocolo de Suicídio Assistido: A Oposição
Apesar da vitória legislativa, a medida enfrenta resistência feroz. A Conferência Católica de Illinois e grupos de defesa de pessoas com deficiência criticaram duramente a decisão do governador.
Para os bispos católicos, a lei legitima o “suicídio sancionado pelo Estado” e viola o princípio sagrado da preservação da vida. Eles temem que a prática desvalorize a vida dos mais vulneráveis, como idosos e deficientes.
“O abuso e a coerção podem ser muito difíceis de medir em situações do mundo real”, alertou o Padre Thomas, um dos líderes religiosos que se opuseram ao projeto.
A preocupação dos grupos de direitos das pessoas com deficiência é que a “morte assistida” possa se tornar uma solução barata para o sistema de saúde, pressionando sutilmente pacientes caros ou “improdutivos” a anteciparem suas mortes.
Eles argumentam que, em uma sociedade onde o acesso a cuidados paliativos de qualidade e suporte para deficientes ainda é falho, a “escolha” pela morte pode não ser verdadeiramente livre.
Para mitigar esses medos, a lei tipifica como crime grave (felony) qualquer tentativa de coagir alguém a solicitar a medicação ou falsificar um pedido, prevendo penas severas.
Além disso, o texto obriga que o médico apresente ao paciente todas as alternativas, incluindo cuidados paliativos, controle da dor e hospice, antes de prosseguir com a prescrição letal.
Medida de Autonomia do Paciente
Com a assinatura de Pritzker, Illinois torna-se a 13ª jurisdição nos Estados Unidos a permitir alguma forma de morte assistida.
O movimento reflete uma mudança cultural mais ampla no Ocidente, onde países como Canadá, Espanha e Colômbia já possuem legislações semelhantes ou até mais abrangentes.
No entanto, o modelo de Illinois é considerado conservador se comparado ao canadense, que permite a eutanásia para casos de sofrimento intolerável mesmo sem risco iminente de morte (embora com restrições recentes para doenças mentais).
A exigência estrita de prognóstico de seis meses e a autoadministração colocam a lei de Illinois dentro do padrão do “modelo Oregon”, vigente há mais de 25 anos sem evidências de abusos generalizados.
Ainda assim, a batalha moral está longe de terminar. É provável que opositores tentem desafiar a lei nos tribunais antes de sua entrada em vigor em 2026.
Para as famílias que acompanham o sofrimento de entes queridos, a nova lei traz um alívio misturado com a dor da perda iminente: a certeza de que, no fim, a última palavra pertencerá ao paciente.
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