O governo da Venezuela classificou como “ridícula” a decisão dos Estados Unidos de designar o Cartel de los Soles como organização terrorista estrangeira. A medida, oficializada em 24 de novembro, acusa o presidente Nicolás Maduro de liderar o grupo criminoso supostamente envolvido no tráfico de drogas. O ministro das Relações Exteriores venezuelano, Yván Gil, afirmou que o cartel é “inexistente” e que a classificação representa uma tentativa de justificar intervenção militar. A escalada de tensões ocorre simultaneamente ao aumento da presença militar americana no Caribe, com 15 mil tropas mobilizadas.
A designação terrorista equipara o Cartel de los Soles a organizações como a gangue venezuelana Tren de Aragua e o mexicano Cartel de Sinaloa. O secretário de Estado Marco Rubio anunciou a medida no início de novembro, alegando que o grupo é responsável por violência terrorista em todo hemisfério. Washington afirma que o cartel trafica drogas da América do Sul para território norte-americano em cooperação com facções criminosas. A administração Trump argumenta que a nova classificação amplia opções estratégicas dos EUA na região. Especialistas, contudo, questionam a própria existência do cartel como organização estruturada.
Absurdo, afirma Caracas quanto à acusação americana
A resposta oficial venezuelana veio através de mensagem publicada por Yván Gil em sua conta no Telegram. O chanceler declarou que a Venezuela rejeita “categórica, firme e absolutamente” o que chamou de “nova invenção ridícula” do secretário de Estado americano. Gil caracterizou a designação como “mentira infame e vil” destinada a justificar intervenção ilegítima sob pretexto de mudança de regime. O ministro previu que a manobra terá o mesmo destino de agressões anteriores contra Caracas: o fracasso. Maduro, em pronunciamento televisivo, declarou que os Estados Unidos “não conseguirão derrotar a Venezuela” e afirmou que o país está “blindado”.
O presidente venezuelano não mencionou diretamente o Cartel de los Soles em suas declarações públicas recentes. Em seu programa semanal na televisão estatal, Maduro intercalou apelos à paz com discursos nacionalistas sobre resistência a ameaças externas. O líder venezuelano tem repetido que Washington busca controlar recursos naturais do país, especialmente petróleo. A ministra do Petróleo, Delcy Rodríguez, reforçou essa narrativa afirmando que os americanos “querem as reservas de petróleo e gás sem pagar”. Ela também citou interesse em ouro, diamantes, ferro e bauxite venezuelanos. A retórica do regime enfatiza soberania nacional contra suposta cobiça imperialista.
Invenção grotesca, segundo Venezuela acerca de cartel inexistente
A existência do Cartel de los Soles como organização estruturada é contestada por analistas especializados em crime organizado. A fundação InSight Crime, que monitora atividades criminosas na América Latina, afirmou em agosto que classificar Maduro como chefe do cartel é “simplificação excessiva”. Segundo a organização, o termo descreve mais precisamente um sistema de corrupção onde militares e políticos lucram com traficantes de drogas. O nome “Cartel de los Soles” faz referência ao símbolo solar usado por generais venezuelanos. Especialistas jurídicos apontam que a designação terrorista não autoriza explicitamente uso de força letal, contrariando interpretações da administração Trump.
O Departamento do Tesouro dos EUA já havia designado o grupo como “Organização Terrorista Global Especialmente Designada” em julho. Aquela medida congelou ativos nos Estados Unidos e proibiu americanos de negociarem com a suposta organização. A nova classificação como organização terrorista estrangeira vai além, permitindo sanções mais amplas e, segundo autoridades de Washington, expandindo opções militares. O secretário de Defesa Pete Hegseth declarou que a designação abre “série de novas opções para os EUA”. Trump afirmou que a medida dá poder para atacar alvos ligados ao governo venezuelano, embora tenha dito não pretender fazê-lo imediatamente.
Tensão militar cresce com operação americana na região caribenha
Os Estados Unidos intensificaram dramaticamente a presença militar no Caribe através da chamada “Operação Lança Sul”. Mais de 15 mil tropas americanas foram mobilizadas, acompanhadas por cerca de uma dúzia de navios de guerra, incluindo o porta-aviões USS Gerald Ford. Caças F-35 supersônicos também integram o dispositivo militar montado nas proximidades da costa venezuelana. Em 20 de novembro, Washington realizou sua maior demonstração de força próxima à Venezuela, com pelo menos seis aeronaves americanas sobrevoando águas internacionais adjacentes. Entre elas estavam um caça F/A-18E, um bombardeiro estratégico B-52 e aeronaves de reconhecimento, conforme dados públicos de voos.
Desde setembro, os militares americanos mataram pelo menos 83 pessoas em ataques a embarcações suspeitas de tráfico de drogas. Ao todo, 21 embarcações foram atacadas no Caribe e no Pacífico como parte da campanha antidrogas. A Agência Federal de Aviação dos EUA emitiu alerta sobre riscos no espaço aéreo venezuelano devido ao aumento da atividade militar. A FAA alertou para “situação potencialmente perigosa” e recomendou cautela em voos que passem pela região. Como consequência, companhias aéreas internacionais suspenderam operações de e para Caracas entre 22 e 24 de novembro. Avianca, Gol, TAP, Iberia e Latam interromperam temporariamente voos citando necessidade de avaliar segurança.
Mentira vil, declara governo concernente a objetivos de Washington
A Venezuela mantém que Washington busca promover mudança de regime sob pretextos fabricados. O governo de Maduro argumenta que os Estados Unidos historicamente inventam justificativas para intervir em países ricos em recursos naturais. Caracas aponta invasão do Iraque em 2003, baseada em acusações nunca comprovadas de armas de destruição em massa, como exemplo de padrão americano. O regime venezuelano acusa Trump de usar alegações de narcotráfico para encobrir interesses econômicos em reservas petrolíferas que figuram entre as maiores do mundo. Analistas políticos divergem sobre intenções reais de Washington, mas concordam que pressão visa enfraquecer Maduro politicamente.
Trump sinalizou abertura para resolução diplomática ao mencionar que Maduro “gostaria de conversar” e que estaria disposto a dialogar “em determinado momento”. Fontes americanas afirmam que o presidente espera que pressão seja suficiente para forçar renúncia sem ação militar direta. A Casa Branca não confirmou status de possível conversa entre Trump e Maduro. Enquanto isso, a designação terrorista tem efeitos práticos imediatos: qualquer pessoa ou empresa que forneça suporte material ao suposto cartel pode enfrentar penalidades criminais nos Estados Unidos. Entidades financeiras globais tendem a evitar transações que possam ser interpretadas como envolvimento com organizações terroristas designadas.
Especialistas apontam complexidade maior que narrativa oficial sugere
A classificação americana do Cartel de los Soles contrasta com avaliações de especialistas independentes em crime organizado. Pesquisadores argumentam que narcotráfico venezuelano opera através de redes descentralizadas envolvendo múltiplos atores, não como cartel unificado sob comando único. Militares de alto escalão, políticos e empresários formariam alianças oportunistas com traficantes, criando sistema de corrupção institucional. Essa configuração difere substancialmente de cartéis tradicionais como estruturas hierárquicas comandadas por líderes específicos. A narrativa simplificada de Maduro como chefe único, segundo analistas, não reflete realidade complexa do tráfico no país caribenho.
Historiadores apontam que retórica antinarcóticos serviu de pretexto para intervenções americanas na América Latina desde anos 1980. A invasão do Panamá em 1989 para capturar Manuel Noriega foi justificada por acusações de tráfico de drogas. Críticos argumentam que Washington seletivamente escolhe quando aplicar pressão máxima relacionada a narcotráfico, frequentemente alinhando ações com interesses geopolíticos mais amplos. Apoiadores da política americana contra Venezuela afirmam que evidências documentam envolvimento de altos funcionários venezuelanos com tráfico. O debate reflete divisões ideológicas profundas sobre papel dos Estados Unidos na região e legitimidade de regimes como o de Maduro.
Implicações regionais e econômicas da escalada entre nações
A classificação terrorista complica relações comerciais já tensas entre Estados Unidos e Venezuela. Empresas internacionais enfrentam dilemas sobre manter operações no país caribenho sem violar sanções americanas. O setor petrolífero venezuelano, já debilitado por anos de má gestão e sanções anteriores, sofre pressão adicional. Países aliados de Caracas, como Rússia, China e Cuba, criticaram medida americana como violação de soberania. A União Europeia adotou postura mais cautelosa, expressando preocupação com escalada militar mas evitando condenar designação terrorista. Brasil e Colômbia, vizinhos da Venezuela, mantêm silêncio diplomático sobre classificação americana, buscando preservar canais de diálogo com ambos lados.
A crise migratória venezuelana, que levou cerca de 7 milhões de pessoas a deixarem o país desde 2015, pode intensificar-se se tensões militares aumentarem. Países receptores na região temem novo fluxo de refugiados caso situação deteriore. Organizações humanitárias alertam que sanções e isolamento econômico agravam sofrimento da população civil venezuelana, que já enfrenta escassez de alimentos, medicamentos e serviços básicos. A designação terrorista adiciona camada de complexidade a qualquer tentativa futura de normalização de relações. Mesmo mudança de governo em Caracas enfrentaria obstáculos para remover Venezuela de listas terroristas, processo que historicamente demora anos e requer comprovação de mudanças significativas.
Contexto histórico de tensões entre Caracas e Washington permanece
As relações entre Venezuela e Estados Unidos deterioraram-se progressivamente desde chegada de Hugo Chávez ao poder em 1999. Caracas acusou Washington de apoiar tentativa de golpe contra Chávez em 2002, alegação que autoridades americanas negam. Maduro, sucessor de Chávez desde 2013, manteve retórica anti-imperialista e aliança com adversários geopolíticos dos Estados Unidos. Trump impôs múltiplas rodadas de sanções contra Venezuela durante seu primeiro mandato presidencial. A administração Biden manteve grande parte dessas sanções, mas buscou ocasionalmente diálogo. O retorno de Trump à Casa Branca em janeiro de 2025 sinalizou endurecimento renovado da política americana para Venezuela.
A designação terrorista representa ponto culminante de anos de pressão econômica e diplomática. Resta incerto se estratégia americana alcançará objetivo declarado de promover transição democrática na Venezuela. Experiências históricas sugerem que sanções e isolamento frequentemente fortalecem regimes autoritários ao permitir narrativa nacionalista contra agressão externa. Maduro capitalizou tensões com Washington para consolidar apoio entre base chavista e justificar dificuldades econômicas. A população venezuelana, dividida entre apoiadores e opositores do regime, enfrenta consequências concretas de confronto entre governos. O desenrolar da crise dependerá de cálculos políticos em Washington e Caracas, mas também de pressões econômicas, reações regionais e desenvolvimentos imprevistos que podem alterar dinâmica rapidamente.