O Chile, que nos últimos anos foi palco de intensos protestos sociais e caminhava para uma reforma constitucional de cunho progressista, protagonizou uma guinada política dramática. José Antonio Kast, o candidato que representa a direita radical e conservadora, conquistou a presidência do país, superando o seu adversário de esquerda, Gabriel Boric, no segundo turno das eleições. O resultado não apenas surpreendeu a maioria das pesquisas de opinião, mas também sinaliza uma profunda mudança na direção política e social da nação andina.
A vitória de Kast foi consolidada com uma margem de votos maior do que a esperada, confirmando a polarização extrema que marcou o pleito. Em seu discurso de vitória, Kast agradeceu aos eleitores que buscaram “ordem, segurança e liberdade econômica” e prometeu restaurar a estabilidade no país após anos de convulsão social e incerteza. O presidente eleito assumirá o cargo em meio a desafios gigantescos, incluindo a crise econômica pós-pandemia, a alta inflação e a necessidade de lidar com o processo de redação de uma nova Constituição.
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O resultado é visto como um repúdio à desordem pública e à agenda radical proposta pela esquerda após os protestos de 2019. Kast, que é um admirador confesso do legado do ex-ditador Augusto Pinochet e que fez campanha com um discurso de “mão firme” contra o crime e a imigração ilegal, capitalizou o medo da instabilidade e a insatisfação de uma parcela da população chilena com o ritmo acelerado das mudanças sociais.
O Perfil Político de José Antonio Kast
José Antonio Kast, de 55 anos, é um advogado de formação e ex-deputado que emergiu como a principal voz da direita nacionalista no Chile. Sua ascensão é marcada por uma plataforma política que defende a redução do tamanho do Estado, a diminuição de impostos e um rigoroso endurecimento na segurança pública. Ele prometeu militarizar a fronteira do Chile para conter a entrada de imigrantes e restaurar a autoridade policial nas ruas, temas que encontraram eco em uma população cansada da violência nos protestos.
Ideologicamente, Kast é um conservador social linha-dura. Ele é abertamente contra o aborto e o casamento homoafetivo, o que o coloca em rota de colisão com a crescente pauta progressista que dominou a política chilena recentemente. Sua vitória é, para muitos, uma “revanche” da direita mais tradicional, que havia sido marginalizada após a onda de protestos que levou à convocação da Assembleia Constituinte.
A eleição de Kast é frequentemente comparada à ascensão de líderes populistas de direita em outros países, como Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos Estados Unidos. Seu estilo direto e confrontacional e sua defesa da ordem acima de tudo atraíram eleitores que se sentem abandonados pelo centro político e temerosos de um futuro socialista.
A Derrota de Gabriel Boric e o Processo Constituinte
O candidato de esquerda, Gabriel Boric, reconheceu a derrota em um discurso que pregou a união nacional e a aceitação do resultado democrático. Boric, que representava a coalizão Apruebo Dignidad (que inclui o Partido Comunista), tinha como bandeira a promessa de profundas reformas sociais, como o aumento de impostos para os mais ricos e a nacionalização de setores estratégicos, pilares da agenda de esquerda.
A derrota de Boric, que liderou o primeiro turno, é um revés significativo para as forças progressistas da América do Sul. Ela mostra que a mobilização social de 2019, embora tenha conseguido iniciar o processo de mudança constitucional, não se traduziu automaticamente em uma vitória eleitoral majoritária para a esquerda.
O principal impacto da vitória de Kast reside no futuro da nova Constituição chilena. Embora o presidente não tenha poder direto para anular o trabalho da Assembleia Constituinte, Kast já sinalizou que utilizará todo o seu poder político e o referendo final para limitar o alcance das reformas mais radicais propostas pelo corpo constituinte, que é majoritariamente de esquerda e independente. A Assembleia Constituinte agora terá um adversário poderoso no Palácio de La Moneda, o que deve gerar meses de tensão política e negociação.
Impacto Regional: O Efeito Kast na América Latina
A eleição de Kast é um evento de grande magnitude política na América Latina. Ela rompe com a tendência recente de vitórias da esquerda em países vizinhos e serve como um contraponto forte à chamada “onda rosa” que parecia ressurgir no continente.
– Brasil: A vitória de um candidato abertamente de direita radical no Chile é vista como um fator de incentivo para o campo conservador brasileiro, que busca consolidar sua base para futuras eleições. A retórica de Kast sobre segurança e liberalismo econômico ressoa fortemente com a direita brasileira.
– Argentina: A ascensão de Kast preocupa a coalizão peronista no poder, que tem uma relação tensa com a direita regional. O Chile, sob Kast, pode se tornar um aliado mais firme na frente de oposição aos governos de esquerda da região.
A vitória chilena mostra que, apesar das crises sociais, o pêndulo político na América do Sul continua oscilando de forma abrupta. O eleitorado busca soluções rápidas para problemas complexos, e a promessa de ordem e segurança, mesmo que venha de um campo ideológico extremo, pode superar a promessa de justiça social. O Chile, que foi um laboratório de reformas neoliberais nos anos 80, agora se torna um laboratório da resposta conservadora às demandas da sociedade moderna.
