A Secretária de Segurança Interna dos Estados Unidos, Kristi Noem, confirmou nesta quinta-feira, 11 de dezembro de 2025, a decisão do governo federal de cancelar definitivamente as verbas destinadas a projetos de adaptação às mudanças climáticas dentro da Agência Federal de Gestão de Emergências (FEMA). A medida, que atinge diretamente o programa Building Resilient Infrastructure and Communities (BRIC), representa uma mudança drástica na política de gestão de desastres do país. Noem justificou a ação afirmando que o foco da agência deve ser exclusivamente a resposta a catástrofes já ocorridas, e não o financiamento de “iniciativas verdes” que, segundo ela, desviam recursos e atenção da missão principal da segurança nacional.
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De fato, a confirmação ocorre em um dia de caos administrativo e jurídico em Washington. Enquanto Noem defendia o corte no Capitólio, uma coalizão de 20 estados, liderada pelos procuradores-gerais da Califórnia e de Massachusetts, obteve uma liminar na justiça federal para bloquear a suspensão dos recursos. O embate cria um cenário de incerteza absoluta para governadores e prefeitos que contavam com cerca de US$ 4,5 bilhões para obras de contenção de enchentes e prevenção de incêndios. A administração Trump, no entanto, sinaliza que não recuará, mantendo a ordem executiva que classifica tais gastos como “desperdício ideológico”.
Além disso, a tensão aumentou com o vazamento de um relatório interno do conselho de revisão da FEMA, que sugeria cortes ainda mais profundos na estrutura da agência. O documento, revelado pela imprensa nesta manhã, propõe uma redução drástica de pessoal e a transferência quase total da responsabilidade de resposta a desastres para os estados, sem o devido suporte financeiro federal. Diante da repercussão negativa imediata, a Casa Branca cancelou abruptamente uma reunião que selaria essas novas diretrizes, expondo as fissuras internas e a dificuldade do governo em implementar sua agenda de desmonte sem resistência.
Suspensão de fundos ambientais
A suspensão dos fundos ambientais afeta diretamente projetos de longo prazo que visavam tornar as cidades americanas mais resilientes. O programa BRIC, agora alvo da tesoura de Noem, foi criado para financiar infraestruturas capazes de suportar tempestades mais fortes e o aumento do nível do mar. Com o cancelamento, obras em andamento em estados como Washington, Nova Jersey e Porto Rico ficam paralisadas, deixando comunidades vulneráveis expostas a riscos crescentes.
Consequentemente, a decisão gerou uma onda de críticas de especialistas em gestão de emergências. Eles argumentam que cada dólar gasto em prevenção economiza até seis dólares em recuperação pós-desastre. Ao eliminar essa verba, o governo estaria, na prática, aumentando o custo futuro dos desastres naturais para os cofres públicos. A União de Cientistas Preocupados (UCS) emitiu um alerta afirmando que a medida “destripa a FEMA” e coloca milhões de americanos em perigo iminente.
Por outro lado, a base aliada do governo celebra a medida como cumprimento de promessa de campanha. Para os apoiadores de Noem e Trump, a FEMA havia se tornado um veículo para a agenda climática democrata, distanciando-se de sua função original. A ordem interna de fevereiro já havia proibido o uso de termos como “mudança climática” e “sustentabilidade” em documentos oficiais do Departamento de Segurança Interna (DHS), preparando o terreno para o corte financeiro concretizado agora.
Bloqueio de recursos verdes
O bloqueio de recursos verdes não é um evento isolado, mas parte de uma estratégia ampla de revisão orçamentária. Kristi Noem tem reiterado que a agência precisa ser “enxuta e eficiente”. Em depoimentos anteriores, ela criticou o que chamou de “projetos frívolos” e defendeu que o governo federal não deve arcar com a responsabilidade de mitigação que, na sua visão, pertence à iniciativa privada ou aos governos locais.
Entretanto, a realidade nos estados conta uma história diferente. A Califórnia, por exemplo, perderia mais de um bilhão de dólares já alocados para proteção contra incêndios florestais. O governador Gavin Newsom classificou a ação como “vingança política” contra estados que se opõem à agenda da Casa Branca. A batalha pelos recursos promete ser longa, com a liminar de hoje servindo apenas como o primeiro capítulo de uma disputa que deve chegar à Suprema Corte.
Ademais, o impacto econômico local é imediato. Empreiteiras e empresas de engenharia que haviam sido contratadas para executar as obras de mitigação enfrentam agora a quebra de contratos. O cancelamento repentino desorganiza o planejamento fiscal dos municípios, que muitas vezes já haviam comprometido verbas próprias como contrapartida para receber os fundos federais.
Fim do financiamento ecológico
O fim do financiamento ecológico na FEMA simboliza o desmantelamento da infraestrutura climática construída nos últimos anos. Sob a gestão anterior, a agência havia incorporado a justiça ambiental e a resiliência climática como pilares centrais. A administração atual, contudo, vê esses pilares como entraves burocráticos. O relatório vazado hoje indica que a meta é transformar a FEMA em uma agência puramente reativa, que atua apenas após a tragédia, e não antes dela.
Dessa forma, a segurança hídrica e a proteção costeira deixam de ser prioridades federais. Em Porto Rico, que ainda se recupera de furacões passados, o fim do programa BRIC significa o abandono de projetos essenciais de drenagem e fortalecimento da rede elétrica. A ilha, que depende fortemente do auxílio federal devido à sua fragilidade econômica, vê-se novamente no centro de um furacão político que ameaça sua sobrevivência.
Apesar disso, a resistência institucional é forte. Além dos processos judiciais, membros do Congresso prometem investigar a legalidade dos cortes. O deputado Frank Pallone, de Nova Jersey, já havia pedido a demissão de Noem em outubro, citando o congelamento de verbas como um ato de negligência administrativa. A pressão legislativa deve aumentar nas próximas semanas, com convocações para que a Secretária explique, sob juramento, os critérios técnicos — se houver — para tais cancelamentos.
Interrupção de repasses climáticos
A interrupção de repasses climáticos coloca a FEMA em uma encruzilhada legal. A decisão do juiz federal hoje, que ordenou a restauração imediata do programa BRIC, baseia-se no argumento de que o Executivo não pode recusar unilateralmente gastar fundos apropriados pelo Congresso. Essa violação da “Separação de Poderes” é o argumento central dos procuradores estaduais, que acusam Noem e Trump de agirem acima da lei.
Portanto, a situação atual é de impasse. Enquanto a ordem judicial exige a liberação do dinheiro, a burocracia comandada por Noem pode criar novos obstáculos administrativos para atrasar os pagamentos. A “guerra de papelada” pode significar que, mesmo com a vitória nos tribunais, o dinheiro demore meses ou anos para chegar à ponta, tempo que muitas comunidades não têm antes da próxima temporada de furacões.
Finalmente, este episódio reforça a polarização extrema sobre o tema do clima nos Estados Unidos. O que para uns é uma medida necessária de austeridade e foco, para outros é uma sentença de morte para cidades costeiras e regiões propensas a desastres. O dia 11 de dezembro de 2025 ficará marcado como o momento em que a política de negação climática colidiu frontalmente com a realidade jurídica e as necessidades urgentes da infraestrutura americana.
