Líder do Hamas desafia EUA, “51% dos jovens nos apoiam” e nega entregar armas

Chefe do grupo extremista rejeita presença militar estrangeira dentro de Gaza, admite apenas “congelar” arsenal e prevê fim de Israel em novo discurso polêmico.

Líder do Hamas, Khaled Mashal, de terno escuro e barba grisalha, durante entrevista onde afirma ter apoio de jovens americanos e recusa desarmamento.
Khaled Mashal: líder do grupo extremista descarta entregar armas e aceita força internacional apenas nas fronteiras de Gaza, jamais no interior do território. (Foto: Screenshot/X)

Khaled Mashal, um dos principais líderes do Hamas no exterior, voltou a inflamar o cenário geopolítico nesta quarta-feira, 10 de dezembro de 2025, com declarações contundentes sobre o futuro do conflito em Gaza. Em entrevista à rede Al Jazeera, Mashal afirmou categoricamente que o grupo pode até ocultar ou “congelar” suas armas temporariamente, mas jamais as entregará completamente, desafiando diretamente as propostas de desarmamento incluídas no recente plano de cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos. A fala ocorre em um momento crítico, onde mediadores tentam implementar a “Fase 2” do acordo de paz, expondo a distância abissal entre as exigências de Israel e a postura irredutível da liderança palestina.

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De fato, o ponto que gerou maior repercussão internacional foi a citação de dados sobre a opinião pública ocidental. Mashal declarou que “51% dos jovens americanos apoiam não apenas a causa palestina, mas o Hamas”, utilizando essa suposta estatística para legitimar a resistência armada do grupo e sugerir que Israel está perdendo a batalha pela narrativa global. Embora pesquisas anteriores (como a Harvard-Harris de 2024) tenham apontado tendências semelhantes na faixa etária de 18-24 anos, a reiteração desse dado agora serve como uma ferramenta de propaganda para fortalecer o moral interno e pressionar a administração americana, que enfrenta protestos contínuos em universidades e cidades dos EUA.

Além disso, a recusa em aceitar uma força internacional dentro do território de Gaza coloca um obstáculo severo nas negociações atuais. A proposta de uma Força de Estabilização Internacional (ISF), ventilada no “Plano Trump” para 2026, é vista por Mashal como uma nova forma de ocupação se as tropas pisarem em solo gazita. Ele aceita, no entanto, a presença de forças na fronteira, similar à UNIFIL no Líbano, para “proteger” Gaza de Israel, mas não para policiar os palestinos. Essa distinção técnica é crucial e pode inviabilizar os esforços diplomáticos que buscam uma governança neutra para o pós-guerra.

Chefe do grupo afronta sionistas

A retórica de Mashal não se limitou apenas a questões táticas; ele reforçou a visão ideológica de que o Estado de Israel “chegará ao fim”. Segundo o líder, a guerra iniciada em outubro de 2023 expôs o que ele chama de “face feia” da ocupação israelense, acelerando o isolamento diplomático de Tel Aviv. Para a liderança do Hamas, a sobrevivência do grupo após mais de dois anos de conflito intenso é, por si só, uma vitória estratégica que prova a incapacidade de Israel de erradicar a resistência, mesmo com superioridade militar esmagadora.

Consequentemente, essa postura agressiva dificulta a vida dos mediadores do Catar e do Egito. Enquanto diplomatas tentam costurar acordos pragmáticos focados em reconstrução e ajuda humanitária, o discurso de vitória total e a negação da legitimidade de Israel por parte de Mashal mantêm a tensão elevada. Analistas apontam que essa fala pode ser uma manobra de negociação para elevar o preço de qualquer concessão futura, mas também reflete a convicção ideológica da ala linha-dura do movimento, que vê no desgaste prolongado de Israel o caminho para a “libertação”.

Por outro lado, Israel reagiu prontamente. Oficiais do governo israelense declararam que a guerra não terminará sem o desmantelamento das capacidades militares do Hamas, independentemente do que Mashal diga em entrevistas. A insistência do Hamas em manter seu arsenal, mesmo que “escondido”, é vista por Jerusalém como uma garantia de que o terrorismo retornará assim que as tropas internacionais virarem as costas. Portanto, o impasse permanece: Israel exige desmilitarização, e o Hamas promete apenas um cessar-fogo armado.

Comandante palestino nega rendição

A questão das armas é, sem dúvida, o ponto nevrálgico. Mashal explicou que o conceito de “desarmamento total” é inaceitável para a “resistência”, pois equivaleria a “arrancar a alma” do povo palestino. Ele citou históricos passados, como o massacre de Sabra e Chatila no Líbano em 1982, para justificar que, sem armas, os palestinos seriam massacrados. A proposta alternativa do Hamas é um “congelamento” ou armazenamento monitorado de armamentos, garantindo que não seriam usados durante a trégua, mas permaneceriam sob posse do grupo para defesa futura.

Ademais, essa distinção entre “entregar” e “esconder” armas é vista com ceticismo profundo por Washington. O governo americano, que tenta emplacar uma solução diplomática antes do fim do ano, considera o desarmamento essencial para a reconstrução de Gaza. Permitir que o Hamas mantenha um arsenal oculto minaria a confiança de qualquer investidor ou país doador disposto a financiar a reconstrução da infraestrutura destruída. A intransigência de Mashal sugere que o grupo prioriza sua capacidade militar acima da recuperação econômica imediata da Faixa de Gaza.

Entretanto, a fala também revela fissuras ou, no mínimo, uma divisão de papéis dentro do Hamas. Enquanto líderes em Gaza, como Khalil al-Hayya, por vezes adotam tons mais pragmáticos focados no alívio do sofrimento civil, Mashal, falando do exterior, mantém a linha ideológica rígida. Essa dualidade complica o entendimento real das intenções do grupo: estariam eles dispostos a ceder nos bastidores, ou a fala de Mashal representa a posição final inegociável da Shura (conselho consultivo) do movimento?

Líder radical confronta ocupação

Sobre a presença de forças internacionais, a posição é clara: “na fronteira sim, dentro não”. Mashal argumenta que qualquer coturno estrangeiro patrulhando as ruas de Gaza seria tratado como força de ocupação, legítimo alvo de resistência. Isso inviabiliza planos que sugeriam uma coalizão árabe ou da ONU para gerir a segurança interna temporariamente. A visão do Hamas é que a segurança interna deve ser gerida pelos próprios palestinos — o que, na prática, manteria a influência do grupo, já que eles detêm o monopólio da força localmente.

Dessa forma, a proposta de uma “Força de Estabilização” liderada por países árabes aliados aos EUA perde força. Países como Egito e Emirados Árabes Unidos já relutavam em enviar tropas para um cenário de guerrilha urbana sem o consentimento das facções locais. Com a ameaça explícita de Mashal, torna-se politicamente impossível para qualquer nação árabe justificar tal envio, sob o risco de serem vistos como “colaboracionistas” ou inimigos da causa palestina. O veto do Hamas, portanto, tem peso real no xadrez diplomático.

Apesar disso, a população de Gaza continua a sofrer as consequências dessa queda de braço. Com a ajuda humanitária entrando a conta-gotas e a reconstrução paralisada pela falta de um acordo político, a retórica de “vitória” e “resistência” de Mashal contrasta com a realidade de devastação no terreno. A insistência em manter as armas como prioridade máxima levanta questionamentos sobre até que ponto a liderança do grupo está conectada com as necessidades imediatas de sobrevivência dos mais de dois milhões de civis que governa.

Representante do Hamas impõe condições

As declarações de Mashal também serviram para enviar um recado à nova administração americana e ao presidente Donald Trump, cujo plano de paz está sendo desenhado. Ao afirmar que o Hamas “não vai a lugar nenhum” e que o apoio popular no Ocidente está crescendo, ele tenta deslegitimar a ideia de que o grupo pode ser erradicado politicamente. A menção aos “51% dos jovens” é uma tática calculada para mostrar que o tempo joga a favor da causa palestina, na visão dele, à medida que novas gerações no Ocidente se tornam mais críticas a Israel.

Por conseguinte, o cenário para os próximos dias é de incerteza absoluta. Se o Hamas não ceder no desarmamento e Israel não aceitar nada menos que isso, a “Fase 2” do cessar-fogo pode colapsar antes mesmo de começar. O risco de retomada dos combates em larga escala é real, com Israel possivelmente decidindo que a via diplomática se esgotou. A comunidade internacional observa com apreensão, sabendo que as palavras de Mashal nesta semana podem ter selado o destino das negociações de curto prazo.

Finalmente, é imperativo notar que a guerra de narrativas é tão feroz quanto a guerra no campo de batalha. Ao projetar força e apoio internacional, mesmo que de forma exagerada, Mashal tenta manter a relevância do Hamas como ator político indispensável. Resta saber se os “jovens americanos” e a comunidade global continuarão a dar o suporte que ele alega ter, ou se o prolongamento do sofrimento em Gaza acabará por isolar ainda mais a liderança do grupo, entrincheirada em suas posições enquanto o povo clama por paz.

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