Ministro da Venezuela ameaça enfrentar EUA “com armas” após sanções

Declaração de Diosdado Cabello acirra ânimos diplomáticos, regime de Maduro mobiliza milícias civis e promete “defesa integral” contra o que classifica como bloqueio imperialista, cenário de incerteza domina a região.

Ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino López, discursa fardado e aponta o dedo em tom de alerta durante evento militar.
O Ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, endossa o discurso de resistência armada e garante que as forças militares estão preparadas para qualquer cenário de invasão. (Foto: Divulgação/Prensa FANB)

A tensão geopolítica na América do Sul atingiu um novo pico de instabilidade nesta semana. O Ministro do Interior da Venezuela, Diosdado Cabello, emitiu uma declaração contundente afirmando que o país está preparado para enfrentar os Estados Unidos “com armas” caso a soberania nacional seja ameaçada. A fala, proferida durante uma coletiva de imprensa do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), surge como uma resposta direta às recentes movimentações legislativas em Washington, especificamente a aprovação da chamada “Lei Bolívar” pelo Congresso norte-americano. Cabello, considerado o número dois do chavismo, assegurou que o governo de Nicolás Maduro já distribuiu armamento para a população civil, integrando-a aos planos de defesa nacional.

O discurso inflamado não é isolado, mas representa uma escalada na narrativa de resistência do regime. Segundo o ministro, a Venezuela não apenas possui forças armadas convencionais prontas, mas também uma estrutura de guerrilha popular capaz de transformar qualquer tentativa de intervenção estrangeira em um conflito prolongado e sangrento. A justificativa para tal postura agressiva reside na percepção de Caracas de que as novas sanções econômicas e as restrições impostas a empresas que negociam com o governo venezuelano são, na prática, atos de guerra híbrida. O regime acusa a Casa Branca de tentar asfixiar a economia para forçar uma mudança de poder, utilizando o que chamam de “bloqueio criminal”.

Nesse cenário, a mobilização ideológica é intensa. O governo utiliza os meios de comunicação estatais para convocar a população a se manter em estado de alerta máximo. A retórica de “pátria ou morte” foi reavivada com força total, buscando solidificar a base de apoio de Maduro diante da pressão externa. Analistas internacionais observam com preocupação o tom adotado, pois ele sugere que o governo venezuelano pode estar disposto a radicalizar ainda mais suas ações internas contra opositores, sob o pretexto de combater “inimigos internos” aliados ao imperialismo norte-americano. A citação explícita ao uso de armas por civis levanta temores sobre a segurança regional e a possibilidade de incidentes fronteiriços.

Resposta armada bolivariana

A estratégia de defesa anunciada por Cabello baseia-se na doutrina da “guerra de todo o povo”. De acordo com informações divulgadas pelo Ministério da Defesa, liderado pelo general Vladimir Padrino López, a Venezuela tem investido na capacitação da Milícia Bolivariana, um corpo paramilitar que, segundo dados oficiais, contaria com milhões de integrantes. A declaração de que as armas já estão “nas mãos do povo” indica que o regime não confia apenas na estrutura militar tradicional, mas aposta na dispersão do poder de fogo como elemento dissuasório. Padrino López reforçou a mensagem de Cabello, garantindo que as Forças Armadas Nacionais Bolivarianas (FANB) estão “cada vez mais profissionais e preparadas” para repelir agressões.

Além do componente humano, a Venezuela tem realizado exercícios militares frequentes próximo às fronteiras e na costa caribenha. A mobilização inclui o uso de sistemas de defesa aérea de fabricação russa e, mais recentemente, a incorporação de drones e lanchas rápidas de patrulha, visando monitorar o que consideram ser incursões provocativas de navios norte-americanos na região. O regime de Maduro alega que o Comando Sul dos EUA intensificou voos de vigilância e a presença naval sob o pretexto de combate ao narcotráfico, o que Caracas interpreta como preparativos para uma invasão ou operações de sabotagem contra infraestruturas críticas, como refinarias e a rede elétrica.

Ainda sobre a capacidade bélica, é importante notar que a Venezuela mantém acordos de cooperação técnico-militar com potências rivais dos Estados Unidos, como Rússia e Irã. Embora não haja confirmação de novas remessas de armamento pesado recente, a manutenção dos sistemas existentes e o treinamento de pessoal são vistos como vitais para a sustentação da ameaça de “resposta armada”. A narrativa de que o país é uma “fortaleza sitiada” serve tanto para justificar os gastos militares em meio a uma crise econômica severa quanto para manter a coesão das forças de segurança em torno da figura de Maduro, evitando dissidências internas que poderiam ser exploradas por agências de inteligência estrangeiras.

Tensão militar norte-americana

Do lado norte-americano, a aprovação da “Lei Bolívar” pela Câmara dos Representantes marcou um endurecimento significativo na política externa para a Venezuela. A legislação proíbe o governo dos EUA de firmar contratos com qualquer pessoa ou empresa que tenha laços comerciais com o governo de Maduro. Na prática, isso cria uma lista negra que pode afetar multinacionais e isolar ainda mais a economia venezuelana. A medida foi recebida em Caracas como uma declaração de guerra econômica, motivando a resposta virulenta de Cabello. O governo venezuelano argumenta que Washington busca fabricar um conflito artificial para justificar uma intervenção direta, similar ao que ocorreu em outros países da região no passado.

A reação da Venezuela não se limitou às palavras. A Assembleia Nacional, controlada pelo chavismo, aprovou a “Lei Orgânica Libertador Simón Bolívar contra o Bloqueio Imperialista”, um instrumento jurídico que prevê penas draconianas. Cidadãos venezuelanos que apoiarem, direta ou indiretamente, as sanções estrangeiras podem ser condenados a até 30 anos de prisão e inabilitados politicamente por 60 anos. Além disso, a lei permite o confisco de bens de quem for considerado “traidor da pátria” por solicitar pressão internacional contra o regime. Essa legislação de contra-ataque visa silenciar a oposição interna, criminalizando qualquer diálogo com Washington que não passe pelo crivo do Palácio de Miraflores.

Contudo, a comunidade internacional observa que a retórica de guerra pode ter objetivos domésticos claros. Ao elevar o tom contra um “inimigo externo”, Maduro tenta desviar a atenção das dificuldades econômicas persistentes e da crise de legitimidade que se seguiu às contestadas eleições presidenciais. A acusação de que os EUA planejam uma invasão serve como um aglutinador político, forçando a população a escolher lados. No entanto, o risco de erro de cálculo é real. Com navios de guerra norte-americanos operando no Caribe e milícias armadas na Venezuela em estado de alerta, qualquer incidente acidental pode desencadear uma escalada indesejada.

Defesa soberana agressiva

Por fim, a situação atual reflete um impasse diplomático sem solução à vista. A promessa de enfrentar os EUA “com armas” coloca a Venezuela em uma posição de isolamento ainda maior no hemisfério ocidental, embora reforce seus laços com o bloco anti-ocidental global. O governo de Maduro parece disposto a pagar o preço do isolamento econômico para manter o controle político, utilizando a ameaça da força como sua principal moeda de troca. A “Lei Bolívar” norte-americana e a contrapartida venezuelana criaram um muro legal que dificulta qualquer tentativa de reaproximação ou negociação diplomática no curto prazo.

Ademais, a repercussão dessas declarações afeta diretamente a estabilidade da América Latina. Países vizinhos, como Colômbia e Brasil, monitoram com apreensão o aumento da militarização na Venezuela. A existência de milícias civis armadas e ideologicamente radicalizadas representa um desafio de segurança que ultrapassa as fronteiras, com riscos de fluxo de armas ilícitas e instabilidade regional. O governo brasileiro, historicamente defensor do diálogo, vê sua margem de manobra reduzida diante da radicalização do discurso de Caracas e da intransigência de Washington.

Portanto, os próximos meses serão críticos para definir se essa retórica bélica se manterá apenas no campo das palavras ou se evoluirá para ações concretas. A comunidade internacional aguarda para ver como a administração dos EUA reagirá às ameaças explícitas de Cabello e se haverá novas rodadas de sanções. Enquanto isso, a população venezuelana permanece no centro de um jogo de poder global, onde a promessa de “armas nas mãos do povo” soa menos como uma garantia de segurança e mais como um presságio de tempos ainda mais turbulentos.

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