O cenário político de Israel, já tensionado por mais de dois anos de conflitos militares ininterruptos e divisões internas profundas, sofreu um novo abalo sísmico neste domingo, 30 de novembro de 2025. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o líder mais longevo da história do país, cruzou uma linha que muitos consideravam impensável ao submeter um pedido formal de indulto ao presidente Isaac Herzog. A solicitação, entregue na forma de uma carta de 111 páginas assinada por seus advogados, pede o encerramento imediato de seu julgamento por corrupção, que se arrasta há meia década. O argumento central não é uma admissão de culpa — algo que Netanyahu recusa veementemente —, mas sim a tese de que o processo legal se tornou um fardo insuportável para a governabilidade e para a “unidade nacional” em tempos de guerra existencial.
A notícia caiu como uma bomba em Jerusalém e Tel Aviv, interrompendo a programação das principais emissoras de TV e rádio. Em um vídeo divulgado quase simultaneamente ao envio da carta, Netanyahu apareceu com semblante grave, olhando diretamente para a câmera, para justificar o ato extraordinário. Ele argumentou que a exigência de comparecer ao tribunal três vezes por semana, imposta recentemente pelos juízes, tornou-se incompatível com suas funções de liderar uma nação cercada por inimigos. “A continuação deste julgamento está nos rasgando por dentro”, declarou o premiê, posicionando-se não como um réu em busca de liberdade, mas como um estadista sacrificando seu orgulho pessoal em prol da coesão do Estado.
O timing do pedido não parece acidental. Ele ocorre semanas após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ter enviado uma missiva pública e controversa a Isaac Herzog, instando-o a perdoar Netanyahu. Trump, que mantém uma aliança férrea com o líder israelense, classificou o processo como uma “perseguição política injustificada” e elogiou Netanyahu como um “formidável líder de tempos de guerra”. Essa interferência direta da Casa Branca nos assuntos judiciais internos de Israel adicionou uma camada de complexidade diplomática ao caso, sugerindo que o movimento de Netanyahu foi coordenado ou, no mínimo, encorajado pelo apoio irrestrito de Washington.
Para o sistema judiciário israelense, o pedido representa um desafio sem precedentes. Nunca antes um primeiro-ministro no exercício do cargo solicitou perdão antes mesmo de um veredito final. A lei israelense concede ao presidente poderes amplos de indulto, mas a tradição jurídica reserva esse recurso para casos humanitários ou para condenados que já expressaram remorso. Ao pedir clemência mantendo a postura de inocência e alegando “interesse público”, Netanyahu tenta criar uma nova jurisprudência política, onde a estabilidade do governo se sobrepõe ao império da lei. O presidente Herzog, agora com a “batata quente” nas mãos, descreveu o pedido como “extraordinário” e prometeu uma análise rigorosa e sem pressa.
Líder do Likud busca anistia preventiva
Aprofundando-se nos detalhes da solicitação do líder do Likud, percebe,se que a estratégia da defesa é transformar o julgamento criminal em uma questão de segurança nacional. Os advogados de Netanyahu argumentam que Israel enfrenta “desafios enormes”, referindo,se às operações contínuas em Gaza, no Líbano e às tensões com o Irã. Segundo eles, a imagem de um primeiro,ministro sentado no banco dos réus enfraquece a posição de Israel no cenário internacional e encoraja os inimigos do Estado judeu. Essa narrativa visa pressionar Herzog a agir não como um juiz, mas como um unificador da nação, sugerindo que negar o perdão seria um ato de irresponsabilidade patriótica.
No entanto, críticos e juristas apontam para o perigo institucional dessa manobra. Se concedido, o indulto estabeleceria que o cargo de primeiro,ministro confere uma imunidade de fato, colocando o ocupante do poder acima da lei. A Procuradoria-Geral de Israel, que lidera a acusação, vê o movimento como uma tentativa desesperada de escapar da justiça justamente quando o julgamento entrava em sua fase final, com o depoimento do próprio Netanyahu agendado para começar em breve. A recusa do premiê em renunciar ou mesmo se afastar temporariamente durante o processo sempre foi um ponto de discórdia, e o pedido de perdão é visto pela oposição como a prova definitiva de que ele prioriza sua sobrevivência política à saúde das instituições democráticas.
O documento enviado a Herzog também faz referências históricas, citando o perdão concedido pelo presidente americano Gerald Ford a Richard Nixon após o escândalo de Watergate em 1974. A analogia é clara: a ideia de que o trauma de um julgamento prolongado de um líder nacional é mais prejudicial ao país do que a falta de punição. Contudo, a comparação é falha em um ponto crucial: Nixon renunciou antes de ser perdoado. Netanyahu, ao contrário, sinaliza que pretende permanecer no poder, governando um país dividido, agora blindado por um perdão presidencial que, se vier, será visto por metade da população como um ato de corrupção institucionalizada.
A reação nas ruas foi imediata. Manifestantes pró e contra o governo começaram a se reunir em frente à residência oficial do presidente e do primeiro,ministro. Para a base fiel de Netanyahu, o “Bibistas”, o pedido é justo e necessário para acabar com o que chamam de “caça às bruxas” promovida pela esquerda e pela mídia. Para os opositores, que passaram a maior parte de 2023 e 2024 protestando contra a reforma judicial, o pedido de indulto é a concretização do pesadelo autoritário: um líder que usa a guerra como escudo para se proteger das consequências de seus atos ilícitos.
Premiê apela para suspensão penal
Para entender a gravidade do que o premiê apela, é essencial revisitar as acusações que pesam contra ele. Benjamin Netanyahu responde a três processos distintos, conhecidos como Caso 1000, Caso 2000 e Caso 4000. As acusações incluem suborno, fraude e abuso de confiança. O Caso 4000 é considerado o mais grave, envolvendo a alegação de que Netanyahu ofereceu benefícios regulatórios lucrativos ao gigante das telecomunicações Bezeq em troca de cobertura favorável no site de notícias Walla. No Caso 1000, ele é acusado de receber presentes luxuosos, como charutos e champanhe, de bilionários em troca de favores políticos. Já o Caso 2000 trata de um suposto acordo com o editor do jornal Yedioth Ahronoth para prejudicar um concorrente.
A defesa de Netanyahu sempre alegou que as investigações foram contaminadas e politicamente motivadas. Agora, ao pedir a suspensão penal via indulto, ele tenta contornar o veredito do tribunal de Jerusalém. Se o julgamento continuasse até o fim e resultasse em condenação, Netanyahu poderia enfrentar anos de prisão e ser forçado a deixar a vida pública permanentemente. O pedido de indulto é, portanto, um “all,in” político. Ele aposta que o medo de uma ruptura social interna durante a guerra fará com que o establishment político aceite “virar a página”, mesmo que isso custe a integridade do sistema judicial.
A figura de Isaac Herzog torna-se central neste drama. O presidente, que tem um papel cerimonial, mas moralmente influente, passou os últimos anos tentando construir pontes entre as facções rivais de Israel. Conceder o perdão a Netanyahu poderia ser vendido como um gesto de “pacificação”, mas também poderia destruir sua credibilidade perante o setor secular e liberal da sociedade, além de manchar seu legado histórico. Herzog afirmou que consultará o Ministério da Justiça antes de tomar qualquer decisão, um processo que pode levar semanas ou meses, prolongando a agonia e a incerteza política.
Além disso, há a questão do precedente internacional. Israel orgulha,se de ser uma democracia onde líderes podem ser presos — como foi o caso do ex-primeiro-ministro Ehud Olmert. Um perdão preventivo a Netanyahu poderia afetar a percepção global sobre a independência do judiciário israelense, justamente num momento em que o país enfrenta escrutínio do Tribunal Penal Internacional (TPI) e da Corte Internacional de Justiça (CIJ) por sua conduta na guerra. A absolvição política interna não limparia a ficha de Netanyahu em Haia, mas poderia dar munição aos críticos que afirmam que Israel está se afastando dos valores democráticos ocidentais.
Reação política inflama parlamento
A repercussão no Knesset (parlamento israelense) foi vulcânica. O líder da oposição, Yair Lapid, foi rápido em condenar o pedido, afirmando nas redes sociais que “não existe perdão sem culpa” e que Netanyahu só poderia ser perdoado se renunciasse imediatamente e confessasse seus crimes. “Só os culpados pedem perdão”, disparou Yair Golan, outro líder proeminente da esquerda, resumindo o sentimento de que o pedido equivale a uma confissão tácita. Para a oposição, aceitar esse indulto seria decretar o fim do Estado de Direito em Israel, transformando o país em uma “bananalândia” onde o líder supremo é intocável.
Por outro lado, os aliados de coalizão de Netanyahu, incluindo figuras da extrema-direita como Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, cerraram fileiras em defesa do chefe. Eles argumentam que o sistema judicial é “corrupto” e que o povo elegeu Netanyahu sabendo das acusações, o que lhe daria um mandato popular superior às decisões dos tribunais. O Ministro da Defesa, Israel Katz, reforçou o coro, dizendo que a segurança de Israel exige um primeiro,ministro focado 100% na guerra, sem as distrações de advogados e audiências. Essa polarização extrema no parlamento reflete a divisão nas ruas e torna qualquer decisão de Herzog potencialmente explosiva.
O envolvimento de Donald Trump também não pode ser ignorado. A pressão pública do presidente americano coloca Herzog em uma posição delicada. Negar o pedido pode ser visto como uma afronta ao maior aliado de Israel; aceitar pode ser visto como submissão a interesses estrangeiros. A carta de Trump serve como um trunfo para Netanyahu, que a utiliza para mostrar que tem o apoio da superpotência mundial, isolando ainda mais seus críticos internos. A narrativa é poderosa: “O mundo (leia,se Trump) quer que eu governe, só a esquerda israelense quer me derrubar”.
Enquanto o debate pega fogo, a guerra continua. Soldados israelenses nas frentes de batalha agora lutam sob o comando de um líder que está oficialmente pedindo para ser salvo da justiça de seu próprio país. Isso levanta questões morais profundas sobre a legitimidade das ordens dadas por Netanyahu. Estaria ele prolongando o conflito para justificar a necessidade de “unidade” e, consequentemente, seu indulto? Essa suspeita, que já existia, agora ganha contornos de acusação formal por parte de seus detratores. O pedido de indulto de 30 de novembro de 2025 entrará para a história como o dia em que a política, a justiça e a guerra colidiram frontalmente em Israel, com consequências imprevisíveis para o futuro do Oriente Médio.
