A guerra civil que devasta o Sudão desde 2023 abriu uma nova e perigosa frente nesta semana de dezembro de 2025. Porto Sudão, a cidade costeira que se tornou a capital administrativa de facto e o último refúgio seguro para milhões de deslocados, foi palco de ataques coordenados contra a comunidade cristã. Duas das igrejas mais antigas e importantes da cidade, a Igreja Evangélica Presbiteriana do Sudão e uma Igreja Ortodoxa, foram alvo de vandalismo com mensagens de supremacia religiosa, rompendo a frágil sensação de segurança que ainda restava no país.
O incidente, ocorrido em plena luz do dia e no centro comercial da cidade, chocou a comunidade internacional. Segundo relatos confirmados por organizações de direitos humanos, muros dos templos foram pichados com a “Shahada” islâmica e frases como “Alá é eterno” escritas em tinta vermelha. Câmeras de segurança flagraram o momento em que um grupo chegou em um veículo e, sem ser incomodado pelas autoridades locais — a delegacia fica próxima ao local —, realizou o ato de profanação. Para os líderes religiosos, isso não foi apenas vandalismo, mas um aviso claro de que a tolerância acabou.
Ofensiva contra templos
A gravidade deste ataque reside na sua localização. Porto Sudão, controlada pelas Forças Armadas Sudanesas (SAF), era considerada uma zona livre dos combates diretos que destruíram Cartum e Darfur. A cidade abriga o governo militar, embaixadas temporárias e agências da ONU. O fato de igrejas serem atacadas justamente sob o nariz do governo do General Burhan levanta suspeitas sobre a cumplicidade ou a incapacidade das autoridades em proteger as minorias religiosas, que agora se veem encurraladas entre o fogo cruzado da guerra e o extremismo religioso.
A Christian Solidarity Worldwide (CSW), organização que monitora a perseguição religiosa, classificou o ato como um “crime de ódio” alarmante. O CEO da organização, Scot Bower, alertou que, com a proximidade do Advento e do Natal, esses ataques aumentam a vulnerabilidade dos cristãos sudaneses. A comunidade, que já sofre com a escassez de alimentos e o colapso do sistema de saúde, agora enfrenta o terror psicológico de ver seus locais de culto marcados como alvos inimigos.
Ação de intolerância religiosa
O histórico recente do Sudão é de violência brutal contra símbolos cristãos. Desde o início do conflito entre as SAF e as Forças de Suporte Rápido (RSF), mais de 165 igrejas foram fechadas ou destruídas em todo o país. No entanto, a maioria desses incidentes ocorria em zonas de combate ativo, como Cartum. Trazer essa violência para Porto Sudão sugere uma radicalização de elementos dentro das áreas controladas pelo governo, onde o discurso islamista volta a ganhar força como ferramenta política para unificar a base militar.
Fiéis da Igreja Evangélica, temendo represálias maiores, optaram por não registrar queixa formal inicialmente, cobrindo as pichações para evitar confrontos. Essa atitude de “sobrevivência silenciosa” reflete o medo de que qualquer denúncia possa ser interpretada como traição em tempos de guerra. “Só Deus sabe o que virá a seguir se esse crime for tolerado”, desabafou um membro da congregação, resumindo o sentimento de desamparo que permeia os corredores das igrejas locais.
Violação de espaço sagrado
A Aliança Sudanesa pelos Direitos (SAR) emitiu uma declaração urgente condenando a inação da polícia local. A impunidade com que os vândalos agiram sugere que eles se sentem protegidos pelo clima de anarquia institucional. Além das pichações, há relatos crescentes de assédio a cristãos nas ruas e discriminação na distribuição de ajuda humanitária, que é vital para a sobrevivência em uma economia de guerra onde a inflação tornou os alimentos inacessíveis para a maioria.
O ataque em Porto Sudão também serve como um triste lembrete de que a guerra no Sudão não é apenas por território, mas também pela identidade da nação. Durante a breve transição democrática, houve avanços na liberdade religiosa, mas o golpe e a subsequente guerra civil reverteram esses ganhos, empurrando o país de volta para as sombras do fundamentalismo. A comunidade internacional, focada em crises no Oriente Médio e na Europa, tem dado pouca atenção a esses sinais de alerta de um possível genocídio religioso silencioso.
Profanação de santuários
O futuro dos cristãos no Sudão parece cada vez mais incerto. Com as rotas de fuga perigosas e os países vizinhos saturados de refugiados, muitos não têm para onde ir. A igreja permanece como o último bastião de esperança e solidariedade, fornecendo abrigo e consolo não apenas para cristãos, mas para muçulmanos moderados que também fogem da violência das milícias. Destruir ou ameaçar esses locais é atacar a própria infraestrutura humanitária que mantém viva a população civil.
Neste domingo, apesar do medo, as portas das igrejas de Porto Sudão devem abrir para as orações. A resistência da fé diante da barbárie é uma marca histórica da igreja sudanesa. No entanto, o mundo precisa olhar para Porto Sudão agora. Se a violência religiosa se enraizar na capital administrativa, o Sudão poderá mergulhar em um ciclo de violência sectária do qual levará gerações para se recuperar.
