A manhã deste domingo, 7 de dezembro de 2025, marcou mais um episódio de instabilidade política na África Ocidental, com o Benin tornando-se o palco de uma dramática disputa de poder transmitida ao vivo. O que parecia ser uma manhã tranquila em Cotonou foi interrompida quando um grupo de soldados, identificados como o “Comitê Militar de Refundação” (CMR), ocupou os estúdios da televisão estatal para anunciar a destituição do presidente Patrice Talon. Liderados pelo tenente-coronel Pascal Tigri, os militares declararam a suspensão da Constituição e a dissolução de todas as instituições do Estado, alegando a necessidade de “restaurar a justiça e a fraternidade” no país. A transmissão, que durou poucos minutos antes de o sinal ser cortado, lançou o país em uma incerteza imediata, evocando o fantasma dos golpes que assolaram a região do Sahel nos últimos anos.

No entanto, a narrativa de uma tomada de poder bem-sucedida foi rapidamente contestada pelas autoridades oficiais. Poucas horas após o pronunciamento rebelde, o governo beninense veio a público para classificar o ato como uma “tentativa de golpe fracassada”. O ministro do Interior, Alassane Seidou, divulgou um comunicado em vídeo afirmando que as Forças Armadas do Benin permaneceram leais à República e agiram prontamente para neutralizar o que chamou de “um pequeno grupo de amotinados”. Segundo Seidou, a situação em Cotonou está sob controle, e as atividades civis devem prosseguir normalmente, apesar do pânico inicial causado pela aparição dos homens fardados nas telas de todo o país. A rapidez da resposta governamental sugere que a cadeia de comando militar principal não aderiu ao movimento de Tigri.
Portanto, o cenário atual é de uma calma tensa. Relatos de testemunhas locais e correspondentes internacionais indicam que, embora o governo afirme ter o controle total, tiroteios esporádicos foram ouvidos nas imediações do Palácio Presidencial e do Campo Guezo, uma importante base militar na capital econômica. A guarda presidencial, elite responsável pela segurança direta de Patrice Talon, teria entrado em confronto com os insurgentes para garantir a integridade do chefe de Estado. A disparidade entre o anúncio grandiloquente dos golpistas na televisão e a realidade operacional nas ruas demonstra a complexidade e, muitas vezes, a desorganização que permeia essas tentativas de ruptura institucional em democracias frágeis.
Motim das forças armadas
A figura central desta crise, o presidente Patrice Talon, permanece em segurança, de acordo com fontes oficiais ligadas à presidência. Conhecido como o “Rei do Algodão” antes de entrar na política, Talon governa o Benin desde 2016 e tem enfrentado críticas crescentes sobre um suposto autoritarismo, apesar de ter supervisionado um período de crescimento econômico notável. A tentativa de remoção forçada ocorre em um momento delicado, a menos de seis meses do fim previsto de seu mandato, já que ele deve deixar o cargo em abril de 2026, após cumprir o limite constitucional de dois mandatos. O governo insiste que Talon não sofreu qualquer dano físico e que está no comando das operações de “limpeza” para capturar os remanescentes do grupo rebelde.
Além disso, a estrutura do motim revela fissuras internas nas forças de segurança. O fato de um tenente-coronel conseguir mobilizar soldados para tomar a emissora nacional sugere falhas na inteligência militar ou descontentamento latente em patentes médias. O porta-voz do governo, Wilfried Houngbedji, minimizou a escala do evento, descrevendo os perpetradores como “amadores” que buscaram criar uma ilusão de poder através da mídia, sem ter o controle real de quartéis ou infraestrutura crítica. As prisões já começaram, com relatos de que cerca de uma dúzia de soldados, incluindo os que apareceram no vídeo, foram detidos pelas forças leais. A reação institucional foi desenhada para projetar força e unidade, tentando dissipar qualquer dúvida sobre a lealdade do exército regular.
Contudo, a facilidade com que homens armados acessaram o coração da comunicação estatal levanta questões sérias sobre a vulnerabilidade do regime. Em golpes modernos, o controle da narrativa é tão vital quanto o controle do território, e por algumas horas, o Benin viveu sob a incerteza de quem realmente governava. A restauração do sinal da rádio e da televisão públicas foi o primeiro sinal tangível de que a ordem constitucional estava sendo restabelecida. O incidente serve como um teste de estresse para as instituições beninenses, que até agora parecem ter resistido ao “efeito contágio” que derrubou governos vizinhos, mas que mostram sinais claros de desgaste interno.
Ação rebelde na capital
Nas ruas de Cotonou, a reação popular oscilou entre a curiosidade e o medo. Enquanto em algumas áreas a vida continuava com uma normalidade surreal, em outras, especialmente perto dos edifícios governamentais, o trânsito foi bloqueado por veículos militares e checkpoints foram erguidos às pressas. A comunidade internacional reagiu com rapidez, com embaixadas dos Estados Unidos e da França emitindo alertas de segurança urgentes para seus cidadãos, instruindo-os a permanecerem abrigados e longe das áreas de conflito potencial. O Benin, historicamente visto como um bastião de estabilidade democrática em uma região turbulenta, vê agora sua reputação testada sob os olhares atentos de investidores e diplomatas estrangeiros.
Consequentemente, o impacto econômico e social deste domingo caótico ainda está sendo calculado. O fechamento temporário de fronteiras anunciado pelos golpistas — embora revogado na prática pela retomada do controle governamental — gerou apreensão nos mercados regionais, dado que o porto de Cotonou é uma artéria vital para países sem litoral como o Níger e Burkina Faso. A normalidade está sendo restaurada gradualmente, mas a presença ostensiva de militares nas ruas serve como um lembrete constante da fragilidade da paz. A população, que se prepara para as eleições de 2026, agora observa com desconfiança as movimentações nos quartéis, temendo que a disputa política se transforme em conflito armado.
Por fim, a resposta da sociedade civil beninense será crucial nos próximos dias. Diferente de outros países da região onde golpes foram recebidos com celebração popular devido à frustração com a corrupção e a insegurança, no Benin a adesão ao movimento de Tigri não pareceu imediata ou massiva. Isso pode ter sido o fator determinante para o isolamento e fracasso rápido do grupo. A legitimidade de Talon, embora questionada pela oposição que se diz perseguida, ainda mantém uma base institucional que impediu o colapso do Estado. A “limpeza” prometida pelo governo, no entanto, pode levar a um endurecimento do regime, com o risco de usar a tentativa de golpe como pretexto para silenciar ainda mais os críticos antes da transição de poder.
Instabilidade política regional
O contexto regional não pode ser ignorado ao analisar os eventos deste domingo. A África Ocidental tem sido varrida por uma onda de golpes de Estado desde 2020, criando o que analistas chamam de “Cinturão do Golpe”. Mali, Burkina Faso, Guiné, Níger e, mais recentemente no final de novembro de 2024, a Guiné-Bissau, viram governos civis serem derrubados por juntas militares. A Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a União Africana condenaram veementemente a ação no Benin, temendo que mais um dominó caísse na região. A sobrevivência do governo de Talon é, portanto, uma vitória simbólica para a CEDEAO, que tem lutado para impor suas linhas vermelhas contra mudanças inconstitucionais de governo.
Entretanto, as raízes desses levantes são profundas e compartilhadas. Questões como a insegurança provocada por insurgências jihadistas no norte do Benin, a desigualdade econômica e a percepção de que as elites políticas estão desconectadas das necessidades do povo criam um terreno fértil para aventuras militares. O tenente-coronel Tigri tentou explorar exatamente esses sentimentos em seu discurso, prometendo uma “refundação” — uma palavra de ordem popular entre as juntas vizinhas. O fracasso no Benin mostra que nem todo descontentamento se traduz automaticamente em apoio a regimes militares, mas o sinal de alerta soou alto e claro nos corredores do poder em Cotonou e Abuja.
Em suma, a tentativa de golpe no Benin em 7 de dezembro de 2025 ficará marcada como um momento de perigo extremo que foi contido, mas que expôs as vulnerabilidades de uma democracia sob pressão. A promessa de uma transição pacífica em 2026 agora carrega um peso maior. O governo de Patrice Talon tem a tarefa hercúlea de garantir a segurança nacional sem transformar o país em um estado policial, enquanto a oposição e a sociedade civil devem navegar em um ambiente onde a política e as armas perigosamente se cruzaram. A estabilidade do Benin não é apenas uma questão nacional, mas um pilar essencial para a segurança de toda a África Ocidental, que observa com ansiedade os desdobramentos desta crise.
