A situação jurídica de Adélio Bispo de Oliveira, autor do atentado contra o ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018, entrou em uma nova fase decisiva nesta semana. A Justiça Federal determinou a realização de um novo exame de cessação de periculosidade, procedimento padrão e obrigatório para custodiados que cumprem medida de segurança. Este laudo médico é a peça-chave que definirá se Adélio permanecerá isolado no Sistema Penitenciário Federal ou se poderá, em tese, ganhar a liberdade para tratamento ambulatorial ou internação em hospital psiquiátrico comum. A avaliação, conduzida por peritos oficiais, deve responder se os traços de periculosidade decorrentes de seu transtorno mental persistem ou foram mitigados pelo tratamento.
Atualmente, Adélio está detido na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), uma unidade de segurança máxima, apesar de ter sido considerado inimputável (isento de pena criminal comum) pela Justiça em 2019. A lei penal brasileira estabelece que a medida de segurança deve perdurar enquanto houver periculosidade, mas revisões periódicas são exigidas para evitar a prisão perpétua de doentes mentais. Se os peritos concluírem que ele não oferece mais risco à sociedade, a base legal para mantê-lo em um presídio federal desaparece, abrindo caminho para sua desinternação condicional ou transferência, um cenário que gera intenso debate jurídico e preocupação no setor de segurança pública.
Exame de sanidade e periculosidade
O exame psiquiátrico, conhecido tecnicamente como perícia de verificação de cessação de periculosidade, não avalia a culpa do réu — já estabelecida e convertida em medida de segurança —, mas sim seu estado mental atual. Uma equipe multidisciplinar, composta por psiquiatras e psicólogos forenses, analisa o comportamento de Adélio, sua resposta aos medicamentos e a presença de delírios ativos. Em avaliações anteriores, os laudos indicaram que o transtorno delirante persistente (paranoia) continuava ativo, o que justificou as renovações sucessivas de sua permanência no sistema federal.
A defesa de Adélio, representada pela Defensoria Pública da União (DPU), argumenta há anos que o ambiente de cárcere, especialmente em isolamento, é inadequado para o tratamento de doenças mentais graves e pode até agravar o quadro clínico. Eles sustentam que a Lei Antimanicomial veda a manutenção de pacientes psiquiátricos em estabelecimentos prisionais comuns sem a estrutura hospitalar devida. Portanto, o novo laudo não servirá apenas para medir o risco que Adélio representa, mas também para validar ou refutar a tese de que ele está sendo punido indevidamente em vez de tratado, transformando a perícia médica em um campo de batalha ideológico e jurídico.
Disputa sobre transferência para Minas
Paralelamente ao exame, corre nos tribunais superiores uma disputa federativa sobre o local de custódia de Adélio. A Justiça Federal já havia determinado anteriormente sua transferência para Minas Gerais, seu estado de origem, para que recebesse tratamento adequado em uma rede de atenção psicossocial ou hospital de custódia local. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu essa transferência após um conflito de competência, pois não havia clareza sobre qual vara (de Campo Grande ou de Juiz de Fora) seria responsável pela execução da medida, nem se o estado mineiro teria vaga segura disponível.
Essa indefinição geográfica é crucial. Se o laudo atestar o fim da periculosidade, a soltura de Adélio não significa necessariamente que ele sairá andando pela porta da frente sem supervisão. A tendência é que seja exigido um acompanhamento ambulatorial rigoroso. O problema reside na logística: soltar uma figura de tamanha notoriedade e risco (tanto de cometer novos atos quanto de sofrer retaliações) exige um aparato que a rede de saúde mental convencional pode não conseguir oferecer. A permanência em Campo Grande, portanto, tem sido a solução “de fato” para garantir a segurança física de Adélio, mesmo que contestada sob a ótica dos direitos humanos e da psiquiatria forense.
Consequências da possível soltura
A hipótese de Adélio Bispo possível liberdade gera apreensão imediata. Caso o laudo seja favorável à desinternação, o Ministério Público Federal (MPF) certamente recorrerá, exigindo garantias extremas de segurança. Existe o temor de que, sem a contenção do presídio federal, Adélio possa voltar a agir impulsionado por seus delírios políticos, ou tornar-se alvo fácil de grupos que desejam vingar o atentado de 2018. O sistema de justiça terá que equilibrar a letra fria da lei — que proíbe pena perpétua e prioriza o tratamento — com a realidade política explosiva que envolve o caso.
Além disso, o novo exame ocorre em um contexto onde investigações paralelas sobre os mandantes ou financiadores da defesa de Adélio foram recentemente arquivadas ou esvaziadas, reforçando a tese da Polícia Federal de que ele agiu sozinho (o chamado “lobo solitário”). Isso coloca todo o peso da responsabilidade sobre a gestão de sua custódia. Se ele é um doente mental que agiu sozinho, o Estado é seu tutor. A decisão que emergirá após este novo laudo psiquiátrico testará os limites das instituições brasileiras em lidar com casos onde a psiquiatria e a segurança nacional se colidem frontalmente.
Entenda o Caso de Adélio Bispo
O Atentado e o Diagnóstico Adélio Bispo de Oliveira está privado de liberdade desde o dia 6 de setembro de 2018, data em que desferiu um golpe de faca contra o então candidato à presidência Jair Bolsonaro, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Preso em flagrante, ele admitiu a autoria do crime, alegando motivações políticas e religiosas. Durante o processo judicial, contudo, exames forenses constataram que Adélio sofria de um transtorno mental grave, especificamente o Transtorno Delirante Persistente, o que o tornava incapaz de compreender a ilicitude de seus atos no momento do ataque.
A Absolvição Imprópria Devido ao diagnóstico, em 2019, a Justiça Federal o declarou inimputável (isento de pena criminal comum). A sentença aplicada foi a de “absolvição imprópria”. Isso significa que, embora ele tenha cometido o fato criminoso, não poderia ser condenado a uma pena de prisão tradicional com prazo fixo. Em vez disso, o juiz determinou a aplicação de uma medida de segurança por tempo indeterminado. O objetivo legal dessa medida não é a punição, mas sim o tratamento psiquiátrico e a proteção da sociedade.
Por que ele continua preso? A lei penal brasileira estabelece que a medida de segurança deve perdurar enquanto houver periculosidade. Diferente de um presidiário comum que cumpre sua pena e sai, Adélio só pode ser liberado se uma perícia médica oficial atestar a “cessação de periculosidade”. Periodicamente, ele é submetido a avaliações psiquiátricas. Nos exames anteriores, os peritos concluíram que ele ainda apresentava os delírios que motivaram o crime, o que impedia sua soltura.
O Local da Custódia Embora a lei preveja que medidas de segurança sejam cumpridas em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), Adélio permanece detido na Penitenciária Federal de Campo Grande (MS), uma unidade de segurança máxima. A Justiça determinou essa exceção devido à altíssima periculosidade evidenciada pelo atentado, à repercussão do caso e à necessidade de garantir a integridade física do próprio Adélio, que poderia ser alvo de retaliações em um sistema comum. Portanto, ele segue preso porque, juridicamente e clinicamente, ainda é considerado um risco latente à sociedade.
