O Rio de Janeiro vive momentos de tensão política e institucional aguda nesta segunda feira, 8 de dezembro de 2025. O presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Rodrigo Bacellar, detalhou à Polícia Federal a natureza de sua conversa com o ex deputado TH Joias, preso sob a acusação de ser o braço financeiro do Comando Vermelho na política fluminense. Em depoimento revelado recentemente, Bacellar admitiu ter dialogado com o colega na véspera da Operação Zargun, aconselhando o suspeito a “se preocupar com a filha pequena”, embora negue ter vazado informações sigilosas sobre a ação policial.
A situação de Bacellar é delicada e envolve descobertas que conectam a alta cúpula do legislativo estadual ao crime organizado. Quando foi detido preventivamente na última quarta feira, 3 de dezembro, agentes da Polícia Federal encontraram R$ 90 mil em espécie no veículo do presidente da Alerj. A investigação aponta que Bacellar teria alertado TH Joias sobre a iminência de sua prisão, o que permitiu ao suspeito destruir provas e trocar de aparelho celular horas antes da chegada dos agentes. O caso expõe as entranhas de um possível “estado paralelo” onde o crime e a política se confundem.
Vínculo entre os deputados
O ponto central do depoimento de Rodrigo Bacellar gira em torno da negativa de uma amizade íntima com TH Joias, apesar das evidências de proximidade. Segundo Bacellar, a relação era “estritamente institucional” e limitada ao ambiente da Assembleia. No entanto, os registros telefônicos e a própria confissão do presidente da Alerj mostram um cenário diferente. TH Joias, cujo nome verdadeiro é Thiego Raimundo dos Santos Silva, tinha Bacellar salvo como contato prioritário de emergência em seu celular novo, adquirido na noite anterior à sua prisão.
Durante o interrogatório, Bacellar narrou o momento em que TH o abordou no Palácio Tiradentes, visivelmente nervoso, perguntando se havia alguma operação programada contra ele. A resposta de Bacellar, conforme seu próprio relato, foi evasiva mas carregada de significado: “Não estou sabendo de nada… mas, se eu estivesse no seu lugar, só me preocuparia com a tua filha pequena”. Essa frase é interpretada pelos investigadores não apenas como um conselho pessoal, mas como um aviso velado de que o cerco estava se fechando, o que contraria a tese de mero convívio profissional.
Além disso, as mensagens trocadas incluíam vídeos de freezers cheios de carne, onde TH Joias brincava sobre “roubarem a carne”, o que a polícia suspeita ser um código para bens ou dinheiro que precisavam ser ocultados. A resposta de Bacellar, “Deixa, doido”, sugere uma familiaridade que vai além da formalidade parlamentar. A Polícia Federal vê nesses diálogos a prova de que o presidente da Casa Legislativa agia, no mínimo, com prevaricação ao não denunciar a conduta suspeita de um par, optando por “não entregar o colega”, como ele mesmo afirmou aos agentes.
Conexão dos parlamentares investigados
A gravidade das acusações contra TH Joias amplia o peso político da associação com Bacellar. TH não é apenas um político acusado de corrupção passiva padrão, ele é apontado como um operador logístico e financeiro do Comando Vermelho. As investigações da Operação Zargun revelaram que ele utilizava seu mandato e sua rede de joalherias para lavar dinheiro do tráfico de drogas, além de intermediar a compra de armamento pesado e equipamentos antidrones para a facção criminosa. Portanto, qualquer auxílio prestado a ele por autoridades públicas configura um risco à segurança nacional.
A Polícia Federal sustenta que a estrutura montada por TH Joias servia para garantir impunidade e acesso a informações privilegiadas dentro do aparato estatal. Ao manter contato direto com o presidente da Alerj na véspera de sua prisão, TH buscava justamente utilizar essa rede de proteção. O fato de Bacellar não ter reportado a abordagem de um deputado que temia ser preso, e que é investigado por crimes violentos, coloca em xeque a integridade da liderança da Alerj.
O Ministério Público Federal reforça que a “manobra regimental” que tentou proteger o mandato de TH Joias logo após as primeiras denúncias é outro indicativo de que a organização criminosa havia infiltrado seus tentáculos na administração pública. Bacellar, como presidente da Casa, teria papel fundamental nessas articulações. A defesa de Bacellar, por sua vez, insiste que ele desconhecia a profundidade do envolvimento de TH com o crime organizado e que suas ações foram mal interpretadas, mas os R$ 90 mil em espécie apreendidos sem origem declarada enfraquecem essa narrativa de inocência.
Elo político sob suspeita
A repercussão política deste caso é imediata e devastadora para o governo do estado. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alerj tem uma reunião decisiva agendada para hoje, onde definirá se mantém a prisão preventiva de seu presidente ou se vota pela sua soltura, uma prerrogativa que o legislativo possui em casos de prisão de parlamentares. A pressão popular e midiática é imensa, visto que soltar Bacellar poderia ser interpretado como um ato de cumplicidade corporativista com o crime organizado.
Entretanto, nos bastidores, a articulação é intensa. Aliados de Bacellar argumentam que a prisão foi uma medida extrema e desnecessária, violando a autonomia do poder legislativo. Por outro lado, a oposição e setores da sociedade civil exigem rigor, lembrando que este é o quinto presidente da Alerj a ser preso, perpetuando um ciclo histórico de corrupção no Rio de Janeiro. A decisão da CCJ não afetará apenas o destino de Bacellar, mas também a credibilidade de toda a assembleia perante a população fluminense.
Consequentemente, o governador do estado também se vê em uma posição difícil, já que sua base de apoio incluía tanto Bacellar quanto, indiretamente, o grupo político de TH Joias. A instabilidade gerada por essas prisões paralisa votações importantes e coloca a gestão estadual sob a lupa das autoridades federais. O temor é que novas fases da operação revelem mais nomes envolvidos no esquema de vazamento de informações e lavagem de dinheiro, ampliando a crise para outras secretarias e órgãos públicos.
Interação das lideranças acusadas
O depoimento de Bacellar traz à tona a frase “Não estou aqui para entregar colega, nem para proteger”, que resume a cultura de silêncio que muitas vezes impera nos corredores do poder. Essa postura, contudo, é incompatível com o dever de um funcionário público diante de crimes evidentes. A Polícia Federal analisa se essa omissão de Bacellar configura obstrução de justiça, crime pelo qual ele também é investigado. A “fofocaiada” mencionada por ele sobre a operação policial indica que o segredo de justiça já havia sido violado em diversos níveis antes mesmo da deflagração oficial.
Adicionalmente, a apreensão dos celulares e documentos na residência e no gabinete de Bacellar pode fornecer as peças que faltam para montar o quebra cabeça completo da infiltração do Comando Vermelho na política. Se ficar comprovado que o vazamento partiu deliberadamente do presidente da Alerj para proteger os interesses da facção, as consequências jurídicas serão severas, podendo resultar em longas penas de reclusão e na perda definitiva dos direitos políticos.
Por fim, o caso serve como um alerta trágico sobre a vulnerabilidade das instituições democráticas diante do poderio financeiro e coercitivo do narcotráfico. Enquanto a população sofre com a violência nas ruas, as negociações nos gabinetes com ar condicionado decidem quem será preso e quem será avisado a tempo de fugir. O desfecho da votação de hoje na Alerj será um divisor de águas: ou o legislativo corta na própria carne para tentar recuperar a dignidade, ou reforça a percepção de que, no Rio de Janeiro, o crime e a política caminham de mãos dadas.
