O Brasil encerra o ano de 2025 diante de um “empate técnico” estatístico que revela muito sobre a estrutura social do país.
Dados divulgados nesta semana pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS) confirmam que o Bolsa Família atende, em dezembro, 18,7 milhões de famílias, o que corresponde a uma cobertura direta de 48,92 milhões de pessoas.
Esse contingente populacional, que depende total ou parcialmente da transferência de renda estatal, supera o número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado (excluindo setor público e doméstico), que oscila na casa dos 39 milhões, segundo as métricas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Se olharmos para o Novo Caged, que conta o número total de vínculos (contratos) e inclui parte do setor público, o Brasil atingiu 48,99 milhões de empregos formais em outubro/novembro, empatando tecnicamente com o número de beneficiários do programa social.
Essa correlação — quase 1 para 1 entre pessoas assistidas e vínculos formais — reacende o debate histórico sobre a dependência econômica e a capacidade de geração de renda autônoma da população.
Apesar da “fartura” de vagas criadas em 2025, com um saldo acumulado de mais de 1,7 milhão de novos postos, a base da pirâmide social continua majoritariamente vinculada ao auxílio federal.
População Assistida: O Raio-X de Dezembro
O pagamento de dezembro, que começou a ser liberado nesta quarta-feira (10), injetará mais de R$ 12,7 bilhões na economia, com um valor médio de repasse de R$ 691,37 por família.
Os dados revelam que o programa continua sendo vital para a subsistência, especialmente no Norte e Nordeste.
O Nordeste concentra o maior número de beneficiários, com 8,7 milhões de famílias recebendo o auxílio. Em estados como o Maranhão, a proporção de beneficiários continua superando largamente a de trabalhadores formais, uma tendência observada ao longo de todo o ano de 2025.
Um detalhe importante da estatística de “48 milhões” é a composição demográfica.
Diferente do mercado de trabalho, que mede adultos ativos, o número do Bolsa Família inclui crianças e adolescentes. Do total de 48,92 milhões de pessoas atendidas, a maioria (58,71%) são mulheres, e há uma forte presença de crianças protegidas pelos benefícios variáveis (Nutriz e Primeira Infância).
Ou seja, embora o número choque pelo volume, ele reflete a proteção de lares inteiros, não apenas de adultos em idade laboral.
Mercado Formal de Trabalho e o “Pente-Fino”
Do outro lado da balança, o governo celebra os números do emprego.
O estoque de empregos formais (Caged) chegou a quase 49 milhões no final de 2025, impulsionado principalmente pelo setor de Serviços e pelo Comércio, que reagiram bem no último trimestre.
O setor de Turismo, por exemplo, foi um dos destaques, superando 1,5 milhão de contratações no acumulado do ano.
No entanto, o governo federal tem trabalhado para reduzir a sobreposição indevida entre quem trabalha e quem recebe o benefício integral.
Ao longo de 2025, cerca de 2 milhões de famílias deixaram o Bolsa Família.
Os motivos variam desde a superação da pobreza pelo aumento da renda via trabalho (cerca de 1 milhão de lares apenas em novembro saíram por este motivo) até o cancelamento por fraudes ou inconsistências no Cadastro Único.
A chamada “Regra de Proteção” tem sido a ferramenta chave nessa transição.
Em dezembro, cerca de 2,3 milhões de famílias estão nessa regra: elas conseguiram um emprego e elevaram a renda, mas continuam recebendo 50% do valor do benefício por até dois anos, para garantir estabilidade antes da saída total do programa.
Disparidade Socioeconômica Regional
A comparação “48 milhões vs 39 milhões” (se considerarmos o setor privado estrito) ganha contornos dramáticos quando regionalizada.
Enquanto no Sul e Sudeste o emprego formal costuma superar o número de beneficiários — Santa Catarina, por exemplo, chega a ter 12 empregos para cada família auxiliada —, no Norte e Nordeste a lógica se inverte.
Em pelo menos dez estados brasileiros, o número de famílias dependentes do Bolsa Família ainda é maior do que o número de carteiras assinadas, expondo a fragilidade do setor privado nessas regiões.
Para 2026, a expectativa do governo é que o crescimento econômico (projetado em torno de 2%) e a manutenção da baixa taxa de desemprego (hoje em 5,4%) ajudem a migrar mais pessoas da coluna “beneficiários” para a coluna “empregados”.
Porém, com quase 50 milhões de brasileiros ainda precisando do auxílio para fechar as contas, o desafio de equilibrar essa balança permanece gigantesco.
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