Cerco se fecha: PF mira ex-assessora de Lira e “gerente” do orçamento secreto

Ação autorizada por Flávio Dino atinge núcleo duro do antigo comando da Câmara, investigando desvios milionários, peculato e fraude em emendas, enquanto Lira tenta se blindar.

O deputado Arthur Lira falando ao microfone cercado por outros políticos e jornalistas, com expressão séria, durante entrevista coletiva em Brasília.
Arthur Lira reage à operação da Polícia Federal que mirou sua ex-assessora, afirmando que "cada um responde pelo seu CPF" e negando ligação com os desvios. (Foto: Reprodução/Imprensa)

A Polícia Federal deflagrou na manhã desta sexta,feira (12) a Operação Transparência, uma ofensiva policial federal que atingiu diretamente o entorno político do ex,presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP,AL). O alvo principal das diligências foi a advogada Mariângela Fialek, conhecida nos bastidores de Brasília como “Tuca”, apontada pelas investigações como a “gerente” operacional do chamado orçamento secreto durante a gestão de Lira à frente da Casa. Agentes cumpriram mandados de busca e apreensão no gabinete da servidora, que atualmente está lotada na liderança do Progressistas (PP), e em sua residência no Distrito Federal, apreendendo celulares, computadores e documentos que podem revelar a rota do dinheiro público desviado.

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A operação foi autorizada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), e baseia,se em indícios robustos de crimes como peculato, corrupção, falsidade ideológica e uso de documento falso. Segundo a decisão judicial, que permanece sob sigilo parcial, Fialek não agia sozinha, mas integrava uma “estrutura organizada” voltada ao direcionamento irregular de verbas federais para redutos eleitorais específicos, muitas vezes sem a devida comprovação técnica ou fiscalização. A notícia caiu como uma bomba no Congresso Nacional, reacendendo a tensão entre o Legislativo e o Judiciário, especialmente num momento em que o atual presidente da Câmara, Hugo Motta, tenta pacificar a relação com a Corte Suprema.

Diligência judicial

A diligência judicial desta sexta,feira expõe as entranhas de um mecanismo que movimentou bilhões de reais sem transparência. Mariângela Fialek é descrita por investigadores e parlamentares como a pessoa que detinha a “chave do cofre” das emendas de relator (RP9). Durante os anos de ouro do orçamento secreto, era em sua mesa, muitas vezes localizada dentro da própria Presidência da Câmara, que prefeitos e deputados peregrinavam para garantir a liberação de recursos. A PF suspeita que ela recebia ordens diretas da cúpula da Casa para privilegiar aliados, atropelando critérios técnicos dos ministérios e ignorando as travas orçamentárias impostas pelos órgãos de controle.

Arthur Lira, que presidiu a Câmara até fevereiro de 2025, reagiu à operação tentando distanciar sua imagem da ex,assessora, embora a ligação entre ambos seja histórica e notória. Em conversas reservadas com aliados, o ex,presidente da Casa afirmou que “cada um responde pelo seu CPF” e que a servidora deve prestar os esclarecimentos necessários à Justiça. Oficialmente, sua assessoria divulgou uma nota curta, reiterando que o deputado não é alvo da operação e que defende a apuração rigorosa de quaisquer irregularidades, mantendo o tom pragmático que marcou sua trajetória política. No entanto, nos bastidores, o clima é de apreensão total, pois o material apreendido com “Tuca” pode conter conversas e planilhas que impliquem figuras ainda mais graúdas da política nacional.

Investigação criminal

O aprofundamento da investigação criminal revela que o esquema ia além da simples distribuição política de verbas. A PF investiga se houve “retorno” financeiro (propina) para os operadores do esquema e se empresas de fachada foram utilizadas para lavar o dinheiro das emendas. O nome de Mariângela já havia aparecido em apurações anteriores, como a que envolveu a compra superfaturada de kits de robótica em Alagoas, um escândalo que também orbitou assessores próximos a Lira. A diferença, agora, é que a autorização parte de Flávio Dino, um ministro do STF com profundo conhecimento da máquina pública e que, enquanto Ministro da Justiça, já havia sinalizado a intenção de abrir a “caixa,preta” do orçamento secreto.

A defesa de Mariângela Fialek ainda não se pronunciou detalhadamente sobre as acusações, limitando,se a dizer que aguarda acesso aos autos. Porém, a situação jurídica da servidora é delicada. O afastamento de suas funções públicas foi determinado imediatamente, e a quebra de seus sigilos bancário e telemático pode fornecer as provas materiais que faltavam para fechar o cerco. Para o Ministério Público Federal (MPF), que atua em conjunto com a PF, a atuação de Fialek não era meramente administrativa; ela possuía poder decisório e autonomia para manipular planilhas de pagamentos, o que configura, em tese, usurpação de função pública e gestão fraudulenta.

Ação de busca

A ação de busca realizada hoje também tem um forte componente simbólico. Ao entrar no prédio do Congresso Nacional para vasculhar salas ligadas à liderança do PP, a Polícia Federal envia um recado claro de que a imunidade parlamentar não cobre servidores comissionados envolvidos em ilícitos. O deputado Glauber Braga (PSOL,RJ), que prestou depoimentos cruciais para o início dessa investigação, celebrou a operação nas redes sociais, afirmando que “a casa está caindo” para os artífices do orçamento secreto. Braga lembrou que Fialek era a interlocutora frequente de parlamentares que negociavam apoio político em troca de liberação de verbas, transformando o orçamento público em moeda de troca eleitoral.

Além disso, a operação ocorre em um contexto de “ajuste de contas” institucional. Desde que deixou a presidência da Câmara, Arthur Lira perdeu parte do foro privilegiado e da blindagem política que o cargo lhe conferia. Seus adversários políticos, tanto no governo quanto na oposição à direita, veem na fragilidade de seus ex,assessores uma oportunidade para minar sua influência remanescente. A apreensão do celular de Fialek é vista como o potencial “fio da meada” que pode levar a operação para uma nova fase, possivelmente atingindo parlamentares que se beneficiaram diretamente dos desvios para enriquecimento ilícito ou financiamento de campanhas.

Devassa nas contas

Por fim, a devassa nas contas e nos arquivos da ex,assessora deve dominar a pauta política das próximas semanas. A análise dos dados pode revelar se o “orçamento secreto” serviu também para financiar luxos pessoais ou despesas não republicanas de seus operadores. A sociedade brasileira, cansada de escândalos de corrupção que terminam em impunidade, observa com atenção os desdobramentos da Operação Transparência. A expectativa é que, diferentemente de casos anteriores que foram arquivados por questões técnicas, o conjunto probatório reunido agora seja suficiente para sustentar condenações penais e a devolução dos valores desviados aos cofres públicos.

Consequentemente, a pressão sobre o atual presidente da Câmara, Hugo Motta, aumenta. Ele precisará decidir se mantém a defesa corporativista da instituição e de seus servidores ou se colabora irrestritamente com as investigações para evitar que a crise contamine sua própria gestão. Enquanto isso, em Alagoas e em Brasília, o silêncio de Arthur Lira soa cada vez mais alto, contrastando com o barulho das sirenes que rondam seus antigos aliados. O desfecho desse caso poderá reescrever a história recente do poder no Brasil, mostrando que o segredo do orçamento, cedo ou tarde, acaba sendo revelado.

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