Uma investigação da Polícia Federal revelou, nesta semana, a existência de um vínculo comercial de grandes proporções envolvendo a família de um magistrado da suprema corte brasileira e uma instituição financeira sob intervenção. Documentos apreendidos durante a Operação Compliance Zero indicam que o escritório de advocacia de Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), firmou um compromisso de prestação de serviços no valor total de R$ 129 milhões com o Banco Master. A informação, confirmada por relatórios da PF e divulgada inicialmente pelo jornal Gazeta do Povo e O Globo, aponta que o documento estava armazenado no telefone celular de Daniel Vorcaro, dono do banco, que foi preso preventivamente no dia 18 de novembro de 2025.
O contrato previa pagamentos mensais de R$ 3,6 milhões, com vigência estipulada para 36 meses, totalizando o montante milionário. O que chama a atenção dos investigadores, contudo, é a natureza genérica do escopo de trabalho. Segundo a análise pericial, o documento não especificava causas, processos ou ações detalhadas em que o escritório deveria atuar, citando apenas que a banca representaria os interesses do Banco Master “onde fosse necessário”. Além disso, mensagens trocadas entre executivos da instituição financeira, também interceptadas pela Polícia Federal, revelam que os depósitos para o escritório de Viviane Barci eram classificados internamente como “prioridade absoluta”, não podendo sofrer atrasos “em hipótese alguma”, mesmo diante da crise de liquidez que o banco já enfrentava.
Atualmente, o cenário ganha contornos de crise institucional devido ao momento em que os fatos vêm à tona. O Banco Master sofreu liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central após a descoberta de um rombo estimado em R$ 50 bilhões, decorrente de fraudes na venda de carteiras de crédito sem lastro. A descoberta desse elo financeiro direto entre a esposa de um ministro do STF e o controlador de um banco investigado por gestão fraudulenta e organização criminosa levanta questionamentos imediatos sobre conflitos de interesse e a transparência nas relações entre o Poder Judiciário e o setor bancário privado. Até o fechamento desta edição, nem a defesa de Alexandre de Moraes, nem o escritório Barci de Moraes emitiram notas oficiais explicando o escopo dos serviços prestados.
Vínculo jurídico
Aprofundando a análise sobre a relação formal estabelecida, a Polícia Federal busca agora rastrear o fluxo financeiro real para confirmar quanto desse montante foi efetivamente pago antes da prisão de Vorcaro e da liquidação do banco. A investigação aponta que o contrato entrou em vigor no início de 2024. O escritório de Viviane Barci, localizado em São Paulo, tem como sócios também os filhos do casal. A defesa de Daniel Vorcaro, por sua vez, sustenta que a contratação seguiu critérios técnicos e de mercado, alegando que o escritório possui notória especialização. No entanto, especialistas em direito empresarial e compliance ouvidos sob reserva indicam que honorários mensais fixos de R$ 3,6 milhões são atípicos para a advocacia contenciosa padrão, salvo em casos de altíssima complexidade ou êxito em causas bilionárias, o que não estava discriminado na minuta encontrada.
Nesse sentido, a Operação Compliance Zero, deflagrada para desarticular o esquema de fraudes no Banco Master e no Banco de Brasília (BRB), acabou por expor uma teia de relacionamentos que vai além das fraudes bancárias. O banqueiro Daniel Vorcaro é acusado de liderar um esquema que gerou prejuízos bilionários ao sistema financeiro nacional. A descoberta do contrato no celular pessoal do investigado sugere uma proximidade que os investigadores consideram relevante para o inquérito. A PF analisa se a contratação do escritório poderia ter servido, de alguma forma, como blindagem institucional ou se tratava-se apenas de serviços jurídicos legítimos, ainda que com valores acima da média de mercado para contratos de partido mensal.
Ademais, a repercussão do caso atinge diretamente a credibilidade das cortes superiores. A Transparência Internacional Brasil manifestou-se criticamente sobre o episódio, classificando a situação como alarmante e cobrando explicações detalhadas sobre a natureza dos serviços. A entidade ressaltou que, em democracias consolidadas, relações financeiras vultosas entre familiares de juízes de altas cortes e partes que possuem litígios ou interesses no tribunal devem ser tratadas com o máximo rigor de publicidade ou impedimento. O fato de o Banco Master possuir, à época, interesses em tribunais superiores e disputas regulatórias com o Banco Central adiciona uma camada de complexidade e suspeição que as autoridades precisam esclarecer prontamente.
Pacto financeiro
O contexto financeiro do Banco Master é a chave para entender a gravidade da descoberta. Antes de sua liquidação, a instituição vinha numa escalada agressiva de aquisições e expansão, muitas vezes questionada pelo mercado. O “rombo” de R$ 50 bilhões descoberto pelas auditorias e pelo Banco Central envolveu a maquiagem de balanços e a venda de “créditos podres” para outras instituições, como o BRB. Nesse cenário de insolvência iminente e práticas criminosas, a priorização dos pagamentos ao escritório da esposa de um ministro do STF soa como um alerta vermelho para os órgãos de controle. A pergunta que a Polícia Federal tenta responder é: por que, em meio a um colapso financeiro, esse contrato específico era intocável?
Outrossim, a investigação revelou que o Banco Master investiu pesadamente em conexões políticas e jurídicas nos meses que antecederam sua derrocada. Houve patrocínios a eventos jurídicos internacionais que contaram com a presença de ministros de cortes superiores, incluindo o próprio Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Embora a participação em eventos acadêmicos ou corporativos não constitua irregularidade por si só, a soma desses fatores — patrocínios, contrato milionário com familiar e a subsequente descoberta de fraudes no banco — cria um mosaico que exige investigação minuciosa. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) também está sendo municiado com dados para verificar se as transações financeiras referentes a esse contrato seguiram todas as normas de compliance bancário.
Ainda sobre o aspecto econômico, a liquidação do Master deixou milhares de credores e investidores no prejuízo. O Fundo Garantidor de Créditos (FGC) terá que arcar com parte das perdas, socializando o prejuízo da gestão fraudulenta. Diante disso, a notícia de que R$ 129 milhões estavam comprometidos com um único escritório de advocacia gera indignação entre os lesados pelo banco. Advogados de associações de credores já estudam medidas para solicitar o bloqueio de valores pagos ao escritório, caso fique comprovado que os recursos advinham da gestão fraudulenta ou que os serviços não foram prestados de forma compatível com os valores transferidos. A rastreabilidade do dinheiro tornou-se, portanto, o foco central desta etapa da apuração.
Ajuste formal
Por fim, as implicações políticas e jurídicas deste caso são vastas e ainda imprevisíveis. O ministro Dias Toffoli, citado em relatórios paralelos da investigação devido a menções de terceiros, decretou sigilo sobre parte dos autos que foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal. Essa decisão gerou críticas de juristas e da oposição no Congresso, que enxergam no sigilo uma tentativa de abafar o escândalo. Parlamentares já coletam assinaturas para uma eventual Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Sistema Financeiro, com foco específico nas relações entre bancos sob intervenção e o Poder Judiciário. A pressão por transparência aumenta à medida que novos detalhes do contrato são vazados para a imprensa.
Consequentemente, o silêncio do ministro Alexandre de Moraes até o momento contrasta com sua habitual postura combativa em redes sociais e notas oficiais. A ausência de uma negativa veemente ou de uma explicação técnica sobre o contrato alimenta especulações e o uso político do caso por adversários. É fundamental ressaltar que a advocacia é uma profissão livre e lícita, e não há impedimento legal automático para que cônjuges de magistrados atuem na área. Todavia, o Código de Processo Civil e o regimento interno do STF preveem regras de impedimento e suspeição quando o cônjuge atua diretamente na causa ou tem interesse no litígio. A discussão gira em torno da ética e da moralidade pública, princípios que regem a administração e que são vitais para a confiança na Justiça.
Dessa forma, os próximos dias serão decisivos para o desenrolar desta narrativa. A Polícia Federal deve concluir a análise do material apreendido no celular de Vorcaro e cruzar os dados com as quebras de sigilo bancário já autorizadas. Se confirmado que os serviços jurídicos foram prestados de forma legítima e a preços de mercado, o caso pode se resumir a um debate ético. Contudo, se houver indícios de simulação ou tráfico de influência, as consequências podem ser severas, tanto para a esfera criminal quanto para a estabilidade institucional do país. A sociedade aguarda, com atenção, as respostas que esclareçam se o contrato milionário foi apenas um negócio jurídico ou parte de uma engrenagem mais complexa dentro do escândalo do Banco Master.
