Uma nova pesquisa Datafolha, divulgada na noite deste domingo (7), jogou um balde de água fria na estratégia de defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo o levantamento, realizado entre os dias 2 e 4 de dezembro de 2025, a maioria absoluta da população brasileira não comprou a narrativa de “surto paranoico”. Os números são claros: 54% dos entrevistados acreditam que o rompimento da tornozeleira eletrônica, ocorrido no final de novembro, foi um ato deliberado com o objetivo final de fugir do país e evitar a prisão definitiva.
O episódio, que culminou na prisão preventiva de Bolsonaro no dia 22 de novembro, envolveu o uso de um ferro de solda para danificar o equipamento de monitoramento. A defesa alega que o ex-presidente sofreu uma crise de ansiedade e paranoia medicamentosa, agindo por “curiosidade” e confusão mental. No entanto, apenas 33% dos eleitores ouvidos pelo instituto aceitam essa versão dos fatos. Para a grande parcela da sociedade, a tentativa de abrir o dispositivo na calada da noite, somada à vigília de apoiadores convocada para a porta de sua casa, desenha um cenário claro de tentativa de evasão.
Ex-presidente tentava escapar dispositivo
A percepção de que havia um plano de fuga em andamento é reforçada pelos detalhes técnicos revelados pela Polícia Federal e citados na decisão do ministro Alexandre de Moraes. O relatório da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) do Distrito Federal confirmou que a tornozeleira apresentava marcas de queimadura em toda a sua circunferência, indicando um esforço persistente e manual para remover o lacre de segurança. Esse dado técnico parece ter pesado na opinião pública, que vê no ato uma intenção racional de se livrar do rastreamento, incompatível com a desorganização típica de um surto psicótico genuíno.
A pesquisa também aponta que a prisão preventiva é considerada “justa” pela mesma fatia de 54% da população, sugerindo uma correlação direta entre a crença na tentativa de fuga e o apoio ao encarceramento. Por outro lado, 40% dos brasileiros consideram a prisão injusta, alinhando-se quase que perfeitamente com a base fiel do bolsonarismo que vê perseguição política em cada movimento do Judiciário. O dado revela um país ainda dividido, mas com uma maioria consolidada que valida as ações rigorosas do Supremo Tribunal Federal (STF) diante do risco de impunidade.
O contexto político em que o incidente ocorreu é fundamental para entender essa desconfiança. Dias antes do rompimento, aliados próximos de Bolsonaro haviam deixado o país ou buscado asilo em embaixadas, criando um clima de “barata voa” em Brasília. A coincidência entre esses movimentos e a violação da tornozeleira criou, na mente do eleitor médio, a imagem de uma operação de resgate ou exílio coordenada, possivelmente com destino aos Estados Unidos ou à Hungria, países com líderes simpáticos ao ex-capitão.
Líder objetivava evasão monitoramento
A rejeição à tese de insanidade temporária ou efeito colateral de remédios demonstra o desgaste da credibilidade do ex-presidente fora de sua bolha mais radical. A estratégia de alegar problemas de saúde mental, frequentemente usada por defesas em casos criminais complexos, parece não ter ressonância junto à opinião pública quando confrontada com evidências materiais como o ferro de solda. A narrativa de que Bolsonaro seria um “preso político” perde força quando a maioria interpreta suas ações como as de um fugitivo comum tentando burlar a lei.
Juristas ouvidos após a divulgação do Datafolha avaliam que o resultado da pesquisa dá “fôlego social” para que o STF mantenha a prisão preventiva por tempo indeterminado. Se a percepção dominante fosse a de que o ex-presidente é uma vítima frágil e doente, a pressão por uma prisão domiciliar humanitária seria imensa. Contudo, com a sociedade enxergando risco de fuga, o argumento da garantia da aplicação da lei penal ganha robustez, blindando as decisões de Alexandre de Moraes contra críticas de arbitrariedade excessiva.
A defesa de Bolsonaro, liderada por advogados criminalistas de renome, agora enfrenta o desafio de reverter não apenas a situação jurídica, mas também a condenação no tribunal da opinião pública. A insistência na tese do surto pode acabar isolando ainda mais o ex-presidente, fazendo-o parecer instável e inapto, sem contudo conseguir a liberdade. A estratégia alternativa, de admitir o erro mas negar o dolo de fuga, esbarra na dificuldade de explicar por que alguém usaria uma ferramenta industrial para “consertar” ou “abrir” um dispositivo de segurança do Estado.
Político articulava fuga rastreador
Outro ponto levantado por analistas é o impacto disso nas eleições de 2026. Embora Bolsonaro esteja inelegível, sua capacidade de transferir votos depende de sua imagem de força e injustiçado. A narrativa de “fugitivo” fere o orgulho de parte do eleitorado conservador que preza pela ordem e pelo cumprimento das leis. Tentar escapar, na visão de muitos, é uma admissão de culpa, o que pode enfraquecer o discurso de que ele não temeu a Justiça porque “não deve nada”. A quebra da tornozeleira pode ter sido, politicamente, um tiro no pé mais doloroso do que a própria prisão.
O levantamento ouviu 2.002 pessoas em 113 municípios, o que garante uma representatividade nacional sólida. Entre os mais jovens (16 a 24 anos), a crença na tentativa de fuga é ainda maior, chegando a superar a média nacional. Isso indica que as novas gerações estão menos propensas a aceitar as justificativas do bolsonarismo raiz. Já entre os evangélicos, base tradicional de apoio, a divisão é mais acirrada, refletindo a complexidade de desconstruir a imagem messiânica construída ao longo dos anos.
A repercussão internacional também não foi favorável. Jornais estrangeiros noticiaram a prisão citando a “tentativa de adulteração” do dispositivo eletrônico, colocando o ex-líder brasileiro ao lado de outros governantes populistas que entraram em conflito direto com o sistema judicial de seus países. A imagem do ferro de solda tornou-se um meme global, simbolizando a improvisação e o desespero de um projeto político que, acuado, recorreu a métodos rudimentares para tentar sobreviver.
Capitão buscava sair vigilância
Por fim, o episódio do rompimento da tornozeleira serve como um alerta para o sistema penitenciário. A facilidade com que um detento em prisão domiciliar acessou ferramentas capazes de violar o monitoramento expõe falhas na fiscalização. Embora o sistema tenha gerado o alerta à meia-noite, o tempo de resposta entre a violação e a chegada da polícia poderia ter sido suficiente para uma fuga bem planejada, caso houvesse um resgate aéreo ou terrestre preparado. O fato de Bolsonaro ter sido encontrado em casa pela manhã sugere que, se havia um plano, ele foi abortado ou falhou na execução.
A decisão da Primeira Turma do STF de ratificar a prisão preventiva, tomada em sessão virtual extraordinária, agora se vê respaldada pelos números das ruas. A democracia brasileira, testada repetidamente nos últimos anos, parece ter criado anticorpos contra narrativas que desafiam a lógica factual. Quando um político rompe uma tornozeleira com solda, a maioria entende como fuga, não como doença. É o realismo se impondo sobre a retórica inflada da guerra cultural.
O futuro de Jair Bolsonaro agora depende de exames médicos periciais oficiais, e não apenas de laudos particulares da defesa. O Instituto Nacional de Criminalística (INC) já realizou as perícias iniciais, e seus resultados devem confrontar a versão do “surto” com a realidade clínica. Até lá, o ex-presidente permanece em uma cela da Polícia Federal, vigiado agora por grades reais, e não mais por sinais eletrônicos que ele tentou, sem sucesso, silenciar.
