Empresa de secretário do PT recebeu R$ 11 milhões da fraude

Documentos do Coaf e Receita Federal revelam que Datacore foi terceira maior beneficiária de repasses da ADS Soluções, principal operadora do esquema que desviou R$ 493 milhões de aposentados entre 2022 e 2025

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Composição mostrando à esquerda homem sorridente de barba grisalha vestindo camisa branca com logotipo vermelho em forma de estrela do PT abaixo, e à direita logotipo oficial do INSS com esfera azul quadriculada sobre círculos verde e amarelo em fundo azul
Ricardo Bimbo Troccoli, secretário nacional de Ciência e Tecnologia da Informação do PT, é sócio da Datacore Informática, empresa que recebeu R$ 11,1 milhões de intermediárias ligadas ao esquema de fraudes em aposentadorias do INSS

A Datacore Informática, empresa que tem como sócio minoritário Ricardo Bimbo Troccoli, secretário nacional de Ciência e Tecnologia da Informação do Partido dos Trabalhadores, recebeu R$ 11,1 milhões entre 2023 e 2024 de empresas ligadas ao esquema de fraudes em aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social. A revelação consta em documentos enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras e pela Receita Federal à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga as irregularidades desde agosto.

Segundo dados do Coaf obtidos pela CPMI e divulgados inicialmente pelo portal Metrópoles, a Datacore foi a terceira empresa que mais recebeu recursos da ADS Soluções e Marketing, considerada a principal operadora financeira do esquema fraudulento. Entre os valores transferidos constam R$ 8,3 milhões da ADS, R$ 1,4 milhão da G8 Cursos e Consultoria e R$ 121 mil da Sempre Empreendimentos. Além disso, três empresas cujo sócio é José Luis Santos Jesus, apontado como intermediador de repasses das associações, enviaram R$ 1,4 milhão para a Datacore no mesmo período.

Dirigente do PT também recebeu valores pessoais

Ricardo Bimbo Troccoli não apenas é sócio da empresa que recebeu os milhões, como também teve repasses diretos em suas contas pessoais. Segundo os documentos fiscais analisados pela CPMI, o dirigente petista recebeu R$ 320 mil da ADS Soluções entre 2023 e 2024. Os valores chegaram à sua conta no mesmo intervalo em que a Datacore Informática se tornou uma das principais beneficiárias do dinheiro movimentado pelas intermediárias do esquema de fraudes previdenciárias.

O secretário nacional do PT, em nota divulgada pelo partido ao portal G1, afirmou que detém participação minoritária na Datacore, nunca recebeu dividendos e desconhece os contratos ou operações com as empresas investigadas. Segundo a defesa, Ricardo Bimbo não teve contato ou relacionamento com as empresas mencionadas e nunca teve ciência ou qualquer contato direto com contratos ou operações dessas companhias. O dirigente ressaltou que exerce voluntariamente a função de coordenador setorial do PT, sem poder decisório.

Empresa declarou ter milhões a receber

Apesar de já ter recebido mais de R$ 11,1 milhões das empresas envolvidas no esquema, a Datacore declarou no Imposto de Renda que ainda tem valores a receber de duas dessas companhias. Os documentos fiscais mostram que a empresa de Ricardo Bimbo registrou R$ 6,7 milhões em créditos a receber, sendo R$ 5,6 milhões da ADS Soluções e Marketing e R$ 1 milhão da G8 Cursos e Consultoria. A expectativa de novos repasses chamou atenção dos investigadores, especialmente porque a ADS foi desativada em junho de 2025.

A situação fiscal da Datacore levanta questionamentos entre os parlamentares da CPMI. Apesar do volume de recursos movimentados entre 2021 e 2024, as demonstrações financeiras entregues à Receita Federal não registram gastos com salários de funcionários. A empresa também não declara propriedade de sede própria, mesmo estando localizada no centro financeiro de São Paulo. Consta apenas um gasto anual de R$ 4 mil com aluguel de endereço na Avenida Faria Lima, o que equivale a aproximadamente R$ 333 por mês.

Transferência para empresa de beneficiário do Bolsa Família

Outro dado que chamou atenção dos investigadores foi uma transação realizada pela própria Datacore. Segundo informações do Coaf, ao longo de 2023 a empresa de Ricardo Bimbo transferiu R$ 122 mil para a CH Soluções de Tecnologia da Informação, companhia carioca cujo sócio é Rosenilton Santos de Brito, pessoa que atualmente recebe R$ 300 mensais do programa Bolsa Família. A movimentação integra o conjunto de operações financeiras suspeitas mapeadas pela comissão parlamentar.

O repasse para uma empresa cujo proprietário depende de auxílio governamental contrasta com o volume de milhões movimentados pela Datacore nos últimos anos. A CH Soluções aparece nos relatórios do Coaf como receptora de valores da empresa de Ricardo Bimbo no mesmo período em que a Datacore recebia recursos das intermediárias do esquema de fraudes. Os investigadores tentam esclarecer qual seria a natureza dos serviços prestados pela companhia carioca que justificariam a transferência de R$ 122 mil.

Dirigente alega atuação limitada em game educacional

Em nota complementar divulgada após a repercussão do caso, Ricardo Bimbo Troccoli procurou esclarecer sua participação na Datacore Informática. O secretário nacional do PT afirmou que sua atuação na empresa se limitou à promoção de oportunidades para o uso de um game educacional em instituições de ensino. Segundo ele, teria participado de poucos pregões relacionados ao produto e não recebeu nenhum lucro, participação ou dividendos da companhia ao longo dos anos.

O dirigente petista destacou que sua função no partido é exercida de forma voluntária, sem remuneração, e que não possui poder decisório sobre questões administrativas ou financeiras da legenda. A defesa enfatizou que Ricardo Bimbo é militante histórico do PT desde 1989 e que participou de diversas campanhas e gestões importantes ao longo de sua trajetória partidária. Procurado pela imprensa, o PT Nacional não se manifestou sobre os repasses milionários recebidos pela empresa de seu secretário nacional.

ADS Soluções movimentou R$ 116 milhões em dois anos

A ADS Soluções e Marketing, principal operadora dos repasses financeiros do esquema, foi criada em fevereiro de 2023 em Aracaju, Sergipe, com a finalidade declarada de prestar serviços de marketing. Em menos de dois anos e meio de operação, a empresa movimentou R$ 116 milhões, sendo a maior parte desse montante proveniente de três associações suspeitas de desviar recursos da Previdência Social: Universo, APDAP/Acolher e Asbrapi.

Segundo a Polícia Federal, o sócio formal da ADS, Ivaldo Carvalho Silveira, também exercia a presidência da Unidos, Associação de Defesa dos Aposentados e Pensionistas, entidade que realizou descontos de R$ 155 mil em mensalidades de beneficiários. A duplicidade de papéis evidencia a estrutura montada para operar as transferências financeiras entre as associações fraudulentas e as empresas intermediárias. A ADS foi desativada em junho de 2025, meses antes da deflagração das operações policiais que levaram à prisão de diversos envolvidos.

Três associações descontaram quase meio bilhão

As associações Universo, APDAP/Acolher e Asbrapi, todas sediadas na região Nordeste, firmaram acordos de cooperação técnica com o Instituto Nacional do Seguro Social entre 2022 e 2023. Os convênios tornaram essas entidades aptas a realizar descontos em benefícios previdenciários sob a alegação de oferecer serviços associativos aos aposentados e pensionistas. Entre julho de 2022 e março de 2025, os descontos aplicados nos contracheques somaram R$ 493 milhões.

A APDAP/Acolher recebeu autorização para aplicar descontos em 29 de dezembro de 2022, apenas dois dias antes do início do governo Lula. As investigações indicam que 824.736 aposentados tiveram descontos irregulares realizados em seus contracheques sem que tivessem solicitado filiação às associações. Até setembro deste ano, o governo havia reembolsado R$ 190 milhões, menos da metade do montante total desviado. A Dataprev informou à CPMI que 299.536 vítimas solicitaram reembolso após abertura de canal específico para denúncias.

Intermediário distribuía recursos para dezenas de empresas

José Luis Santos Jesus, identificado pelos investigadores como um dos principais intermediadores de repasses das associações fraudulentas, é sócio de ao menos três empresas que transferiram recursos para a Datacore Informática. A JLSJ Solucoes enviou R$ 1,2 milhão, a Arth Consultoria repassou R$ 181 mil e a Pactual Serviços transferiu R$ 50 mil para a empresa de Ricardo Bimbo entre 2023 e 2024. Todas essas companhias são citadas pela Polícia Federal como intermediárias no esquema de distribuição do dinheiro desviado.

O papel de Jesus na engenharia financeira do esquema continua sendo apurado pela CPMI e pela Polícia Federal. Os relatórios do Coaf mostram um fluxo intenso de transferências entre as associações, a ADS Soluções e as empresas controladas pelo intermediário, que posteriormente distribuía os valores para dezenas de outras companhias. A rede de empresas funcionava como um sistema de lavagem que dificultava o rastreamento da origem dos recursos e o destino final do dinheiro desviado dos aposentados.

CPMI investiga mais de 950 requerimentos

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que apura as fraudes no INSS foi instalada em agosto e já aprovou mais de 950 requerimentos com pedidos de informação, convocações, quebras de sigilos bancários e telefônicos. O relator da comissão, deputado Alfredo Gaspar, tem destacado em diversas reuniões que parte dos congressistas estaria dificultando o avanço das investigações ao blindar figuras politicamente conectadas aos esquemas apurados.

A revelação dos repasses milionários para a empresa de um dirigente nacional do PT ocorre em momento delicado para a CPMI, que enfrenta resistências da base governista para aprovar convocações e quebras de sigilo de investigados com ligações políticas. O caso da Datacore deve ser incluído na pauta de votação das próximas reuniões, quando os parlamentares decidirão se convocam Ricardo Bimbo Troccoli e outros sócios da empresa para prestar depoimentos sobre a origem e destinação dos R$ 11,1 milhões recebidos.

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