Flávio Bolsonaro celebra fim das sanções a Moraes: “Gesto gigante pela anistia”

Enquanto governo vê vitória da soberania, filho “01” do ex-presidente reescreve a narrativa, afirmando que recuo dos EUA joga a pressão para o Congresso e STF aprovarem perdão aos condenados do 8 de janeiro.

Close do rosto do senador Flávio Bolsonaro, vestindo terno cinza e gravata, com expressão séria durante uma entrevista em ambiente com fundo escuro e luzes desfocadas.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) classificou a retirada das sanções a Alexandre de Moraes como um "gesto gigantesco" de Trump em prol da anistia no Brasil. (Foto: Reprodução)

Em uma declaração que pegou muitos observadores políticos de surpresa pela habilidade retórica, o senador Flávio Bolsonaro (PL,RJ) afirmou nesta sexta,feira (12) estar “feliz” com a decisão do governo de Donald Trump de retirar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), da lista de sanções da Lei Magnitsky. Longe de admitir uma derrota na estratégia internacional do bolsonarismo — que passou meses fazendo lobby em Washington justamente para punir o magistrado —, o filho mais velho de Jair Bolsonaro rebatizou o recuo americano como um “gesto gigantesco” em prol da pacificação nacional e, especificamente, da anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro.

Leia Também: Urgente: Trump retira Moraes e esposa da Lei Magnitsky em recuo diplomático

A fala de Flávio, divulgada em suas redes sociais minutos após o anúncio oficial do Departamento do Tesouro dos EUA, tenta transformar um revés tático em uma oportunidade estratégica. “A bola está com a gente”, disparou o senador, sugerindo que, agora que os Estados Unidos baixaram a guarda e removeram as restrições financeiras e de visto contra Moraes e sua família, cabe às instituições brasileiras retribuir a gentileza aprovando o Projeto de Lei da Anistia, que tramita no Congresso. Para Flávio, o fim das sanções não é um atestado de inocência para o ministro, mas sim uma “trégua” oferecida por Trump para permitir que o Brasil resolva seus próprios conflitos internos sem a necessidade de intervenção externa contínua.

Manobra retórica

A manobra retórica empregada pelo senador visa estancar a sangria de moral na base militante. Durante todo o segundo semestre de 2025, a inclusão de Alexandre de Moraes na “lista negra” da OFAC (Agência de Controle de Ativos Estrangeiros) foi vendida por influenciadores e políticos ligados a Bolsonaro como a “bala de prata” que derrubaria o ministro ou, no mínimo, inviabilizaria sua permanência no cargo. A súbita remoção do nome de Moraes, sem que ele tenha sido afastado ou impeachmado, poderia ser lida como um fracasso retumbante da “diplomacia paralela” conduzida por Eduardo Bolsonaro. Ao se antecipar e classificar o ato como um passo necessário para a anistia, Flávio oferece uma boia de salvação narrativa para seus seguidores: Trump não desistiu, ele apenas mudou a tática para facilitar o perdão a Jair Bolsonaro.

Essa interpretação colide frontalmente com a visão do Palácio do Planalto e do próprio STF. Para o governo Lula, a decisão de Washington foi uma vitória da diplomacia institucional e um reconhecimento de que as sanções eram baseadas em fake news e distorções factuais levadas à Casa Branca por opositores brasileiros. O presidente Lula, inclusive, declarou que “a verdade venceu”, celebrando a normalização das relações com a superpotência do Norte. No entanto, no jogo de xadrez político de Brasília, a verdade factual muitas vezes importa menos do que a versão que cola no eleitorado. E a versão de Flávio é clara: Trump deu o primeiro passo, agora o STF e o Senado precisam ceder.

Interpretação estratégica

A interpretação estratégica de Flávio Bolsonaro também serve para pressionar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e seu provável sucessor, Davi Alcolumbre. Ao vincular o alívio das sanções à pauta da anistia, o senador do PL tenta criar um ambiente de “toma lá, dá cá” institucional. O argumento é sutil: se a pressão internacional extrema (sanções) foi retirada, a justificativa para manter a “mão de ferro” do Judiciário contra os bolsonaristas também desaparece. É uma tentativa de desarmar os espíritos, mas mantendo a pistola da anistia sobre a mesa de negociações.

Nos bastidores, aliados de Flávio admitem que a manutenção das sanções estava se tornando contraproducente. Em vez de enfraquecer Moraes, o ataque externo acabou gerando um efeito de “união de corpos” no Judiciário e no Executivo brasileiro, que cerraram fileiras em defesa da soberania nacional. A tese agora é que, sem o “bode expiatório” do imperialismo americano interferindo diretamente, o Congresso terá mais liberdade — e menos desculpas — para pautar o perdão aos condenados, incluindo o próprio ex,presidente Jair Bolsonaro, cuja inelegibilidade é o verdadeiro alvo de toda essa movimentação.

Gesto diplomático

O suposto gesto diplomático de Trump, na visão de Flávio, seria uma forma de “limpar a mesa” para 2026. O senador argumenta que a normalidade democrática exige que todos os atores políticos possam disputar as eleições, e que a pacificação passa obrigatoriamente pelo fim das punições que ele considera desproporcionais. “Trump fez a parte dele, agora o Brasil tem que fazer a sua”, repetiu o senador a aliados, indicando que a oposição não vai baixar o tom nas cobranças, mas apenas mudar o foco: de Washington para a Praça dos Três Poderes.

É importante ressaltar, contudo, que a retirada das sanções não foi um ato isolado de benevolência. Ela ocorreu em meio a negociações comerciais tensas, envolvendo tarifas sobre o aço e o alumínio brasileiros, e após intensa movimentação do Itamaraty para demonstrar que as acusações de violação de direitos humanos contra Moraes não se sustentavam tecnicamente à luz da legislação americana. A narrativa de Flávio ignora convenientemente esses fatores econômicos e técnicos, preferindo focar exclusivamente na política partidária, o que é natural para quem precisa manter uma base mobilizada e esperançosa.

Contrapartida política

A exigência de uma contrapartida política interna coloca o STF em uma posição delicada. Se o tribunal mantiver o rigor nos inquéritos das fake news e das milícias digitais, a narrativa bolsonarista dirá que o Brasil “perdeu a chance” de paz oferecida por Trump. Se houver qualquer sinal de flexibilização, Flávio e seus aliados capitalizarão isso como uma vitória da pressão exercida. É um jogo de soma zero onde a narrativa da vitimização continua sendo a principal arma da família Bolsonaro. O senador sabe que a anistia é juridicamente complexa e politicamente explosiva, mas transformá-la em uma moeda de troca pela “boa vontade” internacional é uma cartada nova e ousada.

Além disso, a declaração de Flávio busca proteger seu irmão, o deputado Eduardo Bolsonaro. Foi Eduardo quem liderou as caravanas aos EUA para pedir as sanções, chegando a ser citado nominalmente por Moraes em decisões judiciais como alguém que coagia a corte através de influência estrangeira. Com o fim das sanções, Eduardo poderia ficar exposto como o artífice de um fracasso. A narrativa de Flávio blinda o irmão, reclassificando o episódio não como um erro, mas como uma etapa cumprida de um plano maior que visava, desde o início, forçar a anistia.

Narrativa da oposição

Por fim, a narrativa da oposição consolidada nesta sexta,feira desenha o cenário para os próximos meses. O “fim da Magnitsky” deixa de ser o assunto principal e vira apenas o preâmbulo para a batalha da anistia. Flávio Bolsonaro, com sua declaração de felicidade calculada, tenta virar a página de um capítulo diplomático que ameaçava isolar o Brasil, trazendo a disputa de volta para o terreno que ele conhece bem: o plenário do Senado e as redes sociais. Resta saber se a base, acostumada a ver Moraes como o inimigo a ser abatido, aceitará essa mudança de script onde o “mal” deixa de ser punido pelos EUA em nome de um “bem maior” que ainda não se concretizou.

Consequentemente, o fim de semana promete ser de intenso debate nos grupos de mensagens da direita. A orientação que desce do gabinete de Flávio é clara: não critiquem Trump pelo recuo, cobrem Pacheco pela anistia. A eficácia dessa estratégia dependerá da capacidade da oposição de manter a coesão diante de um fato que, a olho nu, parece uma vitória do governo Lula, mas que, sob as lentes de Flávio Bolsonaro, é apenas o início do segundo tempo de um jogo muito mais longo.

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários