A Polícia Federal (PF) indiciou formalmente, nesta quinta-feira (11), o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO), seu filho Gabriel Gayer e assessores parlamentares. O grupo é acusado de integrar um esquema de desvio de recursos públicos da cota parlamentar para financiar negócios privados, incluindo uma escola de inglês e uma loja de produtos políticos em Goiânia. O relatório final do inquérito, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, aponta crimes de associação criminosa, peculato-desvio, falsidade ideológica e falsificação de documento particular.
O indiciamento é o desdobramento da Operação Discalculia, deflagrada para investigar a falsificação de documentos na criação de uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Segundo as investigações, a entidade teria sido constituída com datas retroativas e um quadro social fictício composto, à época da suposta fundação, por crianças de 1 a 9 anos de idade. A PF concluiu que a estrutura servia para drenar verbas do gabinete do deputado em benefício próprio e de aliados.
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Em vídeo divulgado nas redes sociais logo após a conclusão do inquérito, Gayer classificou a ação como perseguição política. O parlamentar alegou que a investigação é uma retaliação por sua postura de oposição e atribuiu o indiciamento diretamente ao ministro Alexandre de Moraes, a quem chamou de “ditador”. Ele nega todas as irregularidades, afirmando que o espaço alugado servia legitimamente como escritório político, apesar das provas apontadas pelos investigadores sobre o funcionamento do “Gustavo Gayer Language Institute” no local custeado pela Câmara.
Polícia Federal acusa parlamentar goiano
A base do indiciamento reside na constatação de que verbas indenizatórias da Câmara dos Deputados foram utilizadas para pagar o aluguel de um imóvel em Goiânia que, na prática, abrigava a escola de idiomas do deputado e a loja “Desfazueli”, administrada por seu filho. Segundo o relatório policial enviado ao STF, não havia distinção entre o espaço público do gabinete e os empreendimentos privados da família Gayer. Documentos apreendidos e trocas de mensagens entre assessores reforçaram a tese de que o dinheiro do contribuinte sustentava a operação comercial.
Além disso, a investigação detalhou como os assessores parlamentares trabalhavam para os negócios particulares do deputado durante o expediente legislativo. O assessor João Paulo de Sousa Cavalcante, apontado como peça-chave no esquema e também indiciado, teria sido flagrado em diálogos que demonstravam a mistura indevida entre o mandato e as atividades empresariais. A PF identificou que funcionários pagos pela Câmara desempenhavam funções administrativas e pedagógicas na escola de inglês, configurando desvio de função e dano ao erário.
Outro ponto crítico levantado pelos investigadores foi a apreensão de mais de R$ 70 mil em espécie com um dos assessores durante as buscas realizadas em 2024. A origem do dinheiro não foi devidamente comprovada, o que corroborou as suspeitas de lavagem de dinheiro e movimentação financeira atípica dentro do grupo político ligado ao parlamentar. A soma de evidências físicas e digitais permitiu à PF consolidar a acusação de que o mandato funcionava como um motor financeiro para os interesses privados do grupo.
Investigação criminal responsabiliza deputado do PL
A gravidade das acusações de falsidade ideológica e falsificação de documento particular reside na criação fraudulenta da OSCIP. A perícia da Polícia Federal detectou que a ata de fundação da entidade foi forjada para simular uma existência pregressa, datada de 2003. O objetivo seria cumprir requisitos legais para receber verbas públicas e emendas parlamentares de forma facilitada. O detalhe grotesco de que as crianças constavam como fundadoras na data retroativa foi classificado pelos peritos como uma prova irrefutável da fraude documental.
Consequentemente, o indiciamento coloca Gustavo Gayer em uma situação jurídica delicada. Os crimes imputados — especialmente o peculato, que prevê pena de 2 a 12 anos de prisão — podem resultar, em última instância, na perda do mandato e na inelegibilidade. O caso agora segue para a Procuradoria-Geral da República (PGR), que analisará o relatório da PF e decidirá se oferece denúncia ao STF. Se a denúncia for aceita, Gayer se tornará réu em ação penal na Corte Suprema.
Entretanto, a defesa do parlamentar sustenta que não houve dolo ou prejuízo aos cofres públicos, argumentando que as atividades no imóvel eram compatíveis com a divulgação do mandato e o atendimento à população. Advogados ligados ao caso indicam que a estratégia será questionar a competência do STF para julgar o caso e alegar nulidade das provas obtidas durante a Operação Discalculia, sob a justificativa de que a operação policial teria excedido os limites legais e violado prerrogativas parlamentares.
Inquérito policial aponta crimes de Gayer
A repercussão do caso no Congresso Nacional foi imediata. Enquanto aliados do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, saíram em defesa de Gayer alegando “lawfare” (uso da lei como arma de guerra política), a oposição cobrou celeridade no processo de cassação no Conselho de Ética. O indiciamento por peculato é visto como uma das infrações mais graves para um agente público, pois envolve a apropriação direta de recursos que deveriam servir à sociedade.
Ademais, o envolvimento do filho de 22 anos, Gabriel Gayer, amplia o escopo do escândalo para o núcleo familiar. A PF sustenta que Gabriel não era apenas um beneficiário passivo, mas participava ativamente da gestão da loja que funcionava com recursos desviados. Essa dinâmica familiar no suposto esquema criminoso agrava a situação, pois sugere uma estrutura organizada e hierarquizada com o objetivo comum de enriquecimento ilícito às custas da cota parlamentar.
Por outro lado, o contexto político atual, com a polarização entre o STF e a bancada bolsonarista, deve inflamar ainda mais os ânimos. Gayer é um dos críticos mais vocais do Judiciário e utiliza suas redes sociais diariamente para atacar ministros da corte. O indiciamento, portanto, é lido por sua base de apoiadores como uma tentativa de silenciamento, narrativa que o próprio deputado explorou exaustivamente em seu vídeo de resposta, convocando seus seguidores a “não desistirem do Brasil”.
Corporação federal indicia congressista bolsonarista
O futuro político de Gustavo Gayer depende agora da velocidade da PGR e do STF. Diferente de processos que tramitam na primeira instância, o foro privilegiado garante que o caso seja analisado diretamente pela corte máxima, o que pode acelerar ou travar o desfecho dependendo da pauta do tribunal. A pressão pública e a materialidade das provas apresentadas pela Polícia Federal — incluindo comprovantes de pagamento, contratos de aluguel e testemunhos — tornam o arquivamento do caso improvável neste estágio.
Contudo, é fundamental observar os próximos passos da defesa técnica. A narrativa de perseguição política tem força nas redes sociais, mas possui pouco peso técnico nos tribunais superiores. A defesa terá que explicar, documentalmente, por que uma escola de idiomas e uma loja comercial operavam no endereço registrado e pago como escritório de apoio parlamentar. A ausência de uma justificativa contábil plausível para essa “mistura” de finalidades é o calcanhar de Aquiles que a PF explorou com sucesso no inquérito.
Portanto, o indiciamento de Gustavo Gayer não é apenas um fato isolado, mas um símbolo do endurecimento dos órgãos de controle contra o uso indevido de verbas de gabinete. O caso serve de alerta para outros parlamentares sobre o rigor crescente na fiscalização das cotas indenizatórias. Para a sociedade, resta a expectativa de que o processo legal transcorra com a devida transparência, garantindo o amplo direito de defesa, mas também a punição exemplar caso os crimes sejam comprovados em juízo.
