Herdeiros já podem pedir devolução de descontos indevidos do INSS

Após o escândalo da fraude do INSS, herdeiros de aposentados e pensionistas mortos poderão recuperar parte dos R$ 700 milhões descontados de forma irregular, via pedido administrativo.

X
Facebook
WhatsApp
Telegram
Threads
Fachada do prédio do INSS com logotipo visível sob céu azul em Brasília
Fachada da sede do Instituto Nacional do Seguro Social, em Brasília. A autarquia é alvo da CPMI que investiga fraudes previdenciárias e supostas blindagens judiciais concedidas a investigados.

O escândalo da fraude do INSS expôs um passivo bilionário em descontos indevidos feitos diretamente nos benefícios de aposentados e pensionistas, muitos deles já falecidos. Dados oficiais apontam que centenas de milhares de beneficiários morreram antes de ver o dinheiro de volta, e o valor descontado dessas pessoas se aproxima de R$ 700 milhões.

Ao longo dos últimos meses, o governo estruturou um acordo de devolução para quem ainda está vivo e abriu crédito orçamentário específico para bancar o ressarcimento. Faltava, no entanto, uma solução objetiva para os herdeiros de segurados que morreram no meio do caminho. Agora, com normas complementares e abertura de fluxos específicos, herdeiros podem reaver descontos pela via administrativa, sem depender exclusivamente de ações judiciais.

Além do volume financeiro, o caso tem forte peso simbólico. Idosos, um dos grupos mais vulneráveis do sistema, foram alvo de uma engrenagem que combinou entidades associativas pouco fiscalizadas, falhas de controle do próprio INSS e um modelo de autorização que, na prática, permitiu descontos sem ciência clara do beneficiário. A devolução é uma etapa necessária, mas ainda insuficiente, de uma agenda de reparação mais ampla.

Quem tem direito a pedir a devolução

Em linhas gerais, herdeiros podem reaver descontos quando o segurado falecido teve valores retirados do benefício por associações, sindicatos, clubes ou entidades similares sem autorização expressa ou com autorização considerada inválida. Entram nesse escopo tanto benefícios que foram convertidos em pensão por morte quanto aqueles que simplesmente foram encerrados após o óbito.

No primeiro caso, o pensionista passa a ser o ponto de contato natural com o INSS, já que é ele quem aparece como beneficiário ativo. No segundo, filhos, cônjuge, companheiro ou demais herdeiros previstos na lei sucessória podem pleitear a restituição, desde que comprovem o vínculo. Isso exige apresentação de documentação como certidão de óbito, RG, CPF, comprovante de parentesco e, quando houver, inventário ou escritura pública que comprove a condição de sucessor.

Na prática, o direito é amplo, mas a efetividade depende de organização documental. Famílias que não guardaram papéis, não regularizaram inventário ou vivem em situação de maior vulnerabilidade jurídica tendem a enfrentar mais dificuldades. É justamente aí que o desenho da política pública mostra suas fragilidades: quem mais precisa, muitas vezes, é quem tem mais barreiras de acesso.

Quanto dinheiro está sobre a mesa

O volume de recursos potencialmente recuperável é relevante. Só entre beneficiários já falecidos, o governo estima cerca de R$ 700 milhões em descontos considerados irregulares ou contestáveis. Isso representa um recorte específico de um prejuízo muito maior, acumulado ao longo de anos de descontos automáticos em folha.

Apesar da cifra robusta, existe um risco claro de subutilização do mecanismo. Muitos herdeiros nem sabem que o parente falecido teve valores descontados de forma indevida. Outros, mesmo ouvindo que herdeiros podem reaver descontos, acreditam que o ressarcimento será automático e acabam não tomando nenhuma providência. A comunicação oficial ainda é tímida, pouco didática e excessivamente concentrada em canais digitais, o que deixa fora do radar boa parte da população mais idosa e das famílias em situação de baixa renda.

Do ponto de vista de governança, deixar centenas de milhões de reais sem devolução por falha de comunicação seria um fracasso institucional. O Estado monta um acordo de ressarcimento, mas, se o público-alvo não consegue entender como acessar o direito, o esforço se perde no caminho.

Passo a passo para herdeiros com pensão por morte

Quando o benefício do segurado falecido foi convertido em pensão por morte, o fluxo é relativamente menos complexo. O pensionista já está habilitado no sistema e pode ser o responsável direto por solicitar a devolução.

O passo a passo, em termos operacionais, segue uma lógica clara:

  1. O pensionista acessa o aplicativo ou portal do INSS, ou utiliza a central telefônica, para consultar o histórico de descontos de entidades associativas vinculados ao benefício original.

  2. Em seguida, identifica cobranças que não reconhece como autorizadas e registra a contestação formal.

  3. A partir desse registro, abre-se processo administrativo de análise, no qual as entidades são intimadas a comprovar a existência de autorização válida.

  4. Se não houver comprovação, os valores descontados são considerados indevidos e passam a integrar o montante a ser devolvido ao pensionista, seguindo cronograma estabelecido pelo próprio INSS.

Na teoria, o fluxo é direto. Na prática, porém, muitos pensionistas esbarram em dificuldades de acesso digital, falta de familiaridade com linguagem técnica ou até medo de errar ao contestar um desconto. Um desenho de política pública que depende tanto de autoatendimento digital precisa ser acompanhado de suporte presencial e orientação simples, sob risco de empurrar parte da população para consultores informais e atravessadores.

Passo a passo para herdeiros sem pensão por morte

Situações em que o benefício foi encerrado sem gerar pensão exigem mais etapas. Nesses casos, herdeiros podem reaver descontos, mas primeiro precisam demonstrar, perante o INSS, que são sucessores legítimos daquele segurado.

O roteiro básico inclui:

  1. Reunir a documentação que comprove o vínculo com o falecido: certidão de óbito, documentos pessoais, certidão de casamento ou nascimento, e, se houver, escritura de inventário ou alvará judicial.

  2. Acessar os canais oficiais e solicitar habilitação como herdeiro para fins de ressarcimento de descontos indevidos.

  3. Após a validação, consultar o histórico de descontos no benefício que era pago ao falecido e identificar cobranças associativas que não tenham sido autorizadas.

  4. Formalizar a contestação e acompanhar o andamento do processo até a decisão final.

Esse desenho busca dar segurança jurídica, mas cria um funil relevante. Famílias que não fizeram inventário ou que enfrentam disputas entre herdeiros terão mais dificuldade para atender às exigências. O risco é claro: um direito que, em tese, é amplo, acaba sendo acessado sobretudo por quem tem estrutura jurídica, apoio contábil ou maior capital informacional.

Canais oficiais e como fugir de novos golpes

A abertura do processo de devolução criou também terreno fértil para uma segunda onda de golpes. Aproveitando o fato de que herdeiros podem reaver descontos, surgiram ofertas de “assessoria” prometendo ressarcimento rápido em troca de parte do valor, de adiantamento em dinheiro ou até da entrega de senhas bancárias.

Para reduzir esse risco, é fundamental deixar claro que o pedido deve ser feito apenas por canais oficiais do INSS: portal, aplicativo, central telefônica e atendimentos presenciais quando agendados. Qualquer abordagem por redes sociais, aplicativos de mensagem ou ligações pedindo códigos de confirmação e dados sensíveis precisa ser tratada com desconfiança.

Caso a família opte por apoio jurídico, o caminho institucional é buscar advogado ou defensoria pública, com contrato claro e acompanhamento formal. A lógica é simples: quem já foi prejudicado uma vez pela fraude não pode ser colocado novamente em posição de vulnerabilidade.

Prazo, prescrição e possibilidade de judicialização

Embora o governo tenha criado trilhas administrativas para o ressarcimento, o tema da prescrição continua no radar. A diretriz oficial é evitar que o prazo legal corra contra herdeiros e pensionistas enquanto o modelo de devolução estiver vigente. Ainda assim, a recomendação de especialistas é objetiva: não deixar o pedido para depois.

A via administrativa tende a ser mais rápida e menos onerosa. Porém, se o pedido for negado, se houver divergência de valores ou se a família entender que a devolução não cobre todo o prejuízo, existe a opção de acionar o Judiciário. Nessa rota, é possível discutir, por exemplo, devolução em dobro, danos morais e responsabilidade solidária de entidades envolvidas.

O risco estrutural é transformar a fraude em um novo contencioso de massa, sobrecarregando ainda mais o sistema de Justiça. Por isso, a eficiência do fluxo administrativo será determinante: se funcionar bem, tende a reduzir a judicialização; se falhar, pode empurrar milhares de famílias para a fila de processos.

O que a devolução revela sobre a governança do INSS

O fato de herdeiros poderem reaver descontos indevidos é um avanço necessário, mas não apaga a falha de origem. A fraude ocorreu porque o próprio sistema permitiu que entidades tivessem acesso direto à folha de benefícios sem mecanismos robustos de conferência de autorização. Em termos de governança, é um caso clássico de risco operacional subestimado.

Mesmo com a devolução, a mensagem que fica é ambígua. De um lado, o Estado assume o prejuízo e busca reparar o dano. De outro, sinaliza que só reage quando o problema atinge escala bilionária e vira crise pública. A confiança do segurado, que deveria ser prioridade, fica abalada.

Para evitar repetição, será preciso revisar regras de convênios, limitar o número de descontos permitidos por benefício, fortalecer mecanismos antifraude e aumentar a transparência nas autorizações. Sem isso, a devolução de hoje pode ser apenas a prévia de um novo escândalo amanhã.

Oportunidade de reparação, com risco de exclusão

A possibilidade de que herdeiros possam reaver descontos indevidos ligados à fraude do INSS abre uma janela de reparação relevante, tanto financeira quanto simbólica. R$ 700 milhões podem voltar para famílias que, em muitos casos, enfrentam dificuldades econômicas sérias e perderam parentes sem qualquer compensação.

No entanto, o desenho atual ainda é complexo e pouco amigável para quem tem baixa escolaridade, pouco acesso digital ou nenhuma familiaridade com burocracia pública. Sem apoio estruturado, parte das famílias tende a ficar para trás, apesar de ter direito.

Do ponto de vista de gestão, o desafio é transformar essa política em uma entrega efetiva, e não em estatística de intenção. Isso significa investir em comunicação simples, em atendimento presencial qualificado e em parcerias com defensorias e órgãos locais. Só assim o compromisso de devolver o que foi cobrado de forma indevida deixará de ser discurso e se consolidará como prática.

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários