PL Antifacção aprovado, CCJ impõe 60 anos de prisão e fim da visita íntima

Projeto endurece progressão de regime para líderes de organizações criminosas, cria fundo bilionário com taxas de apostas e segue com urgência para votação final no Plenário do Senado.

O senador Alessandro Vieira, um homem de pele clara, cabelos grisalhos e usando óculos, fala enfaticamente ao microfone durante uma sessão legislativa; ele veste terno azul-escuro e gravata azul royal, com outros parlamentares desfocados ao fundo.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do PL Antifacção, defende o texto que endurece o combate ao crime organizado durante votação na Comissão de Constituição e Justiça. (Foto: Agência Senado)

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal deu um passo histórico e decisivo nesta quarta,feira (10) ao aprovar o texto,base do chamado “PL Antifacção” (PL 5.582/2025). A proposta, que estabelece um novo e rigoroso marco legal para a segurança pública no Brasil, foi chancelada pelos senadores em um ambiente de forte pressão popular por respostas à escalada da violência urbana. O projeto, relatado pelo senador Alessandro Vieira (MDB,SE), não apenas atualiza a legislação vigente, mas inaugura uma era de tolerância zero contra grupos que dominam territórios e aterrorizam a população. Com a aprovação, a matéria segue agora em regime de urgência para o Plenário do Senado, onde a expectativa é de uma votação célere para que as medidas entrem em vigor o quanto antes.

O texto aprovado é uma resposta direta e contundente ao avanço das milícias e do narcotráfico, que nos últimos anos expandiram seus domínios para além das comunidades, infiltrando,se na economia formal e no poder público. Entre as medidas mais impactantes está o aumento drástico das penas para quem integra essas organizações, podendo chegar a 30 anos de reclusão para membros comuns e até 60 anos para lideranças identificadas, uma punição sem precedentes na história penal brasileira recente. O relator destacou que o objetivo central é “asfixiar” a capacidade operacional desses grupos, atacando tanto a sua estrutura hierárquica quanto o seu poder financeiro, que passará a ser minado por novos mecanismos de rastreamento e confisco de bens.

Além do rigor carcerário, o projeto inova ao criar uma fonte de custeio perene para o aparato de segurança. Foi estabelecido que a tributação sobre o mercado de apostas online (bets) abastecerá um fundo exclusivo, com previsão de arrecadação de até R$ 30 bilhões anuais. Esse recurso será carimbado, ou seja, terá destino obrigatório para investimentos em inteligência policial, modernização de presídios e integração de dados entre estados e a União. A medida visa resolver um dos gargalos históricos do combate ao crime: a falta de orçamento contínuo e previsível para operações complexas e de longo prazo.

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Ofensiva Legislativa contra o domínio territorial

A Ofensiva Legislativa liderada pela CCJ reflete um consenso raro entre situação e oposição sobre a necessidade de modernizar as ferramentas do Estado. O texto aprovado define legalmente o conceito de “facção criminosa” como aquela organização que exerce controle territorial armado ou atua de forma interestadual mediante violência e coação. Essa tipificação específica permite que o Judiciário e a Polícia Federal atuem com muito mais precisão, diferenciando quadrilhas comuns de verdadeiros exércitos paralelos que desafiam a soberania estatal. O senador Alessandro Vieira enfatizou que a lei preenche lacunas que, até então, permitiam que advogados de defesa explorassem brechas para livrar líderes de facções de penas mais severas.

Nesta Ofensiva Legislativa, um dos pontos de maior destaque é a proibição total de visitas íntimas para presos vinculados a essas organizações, sejam eles provisórios ou condenados. A medida, polêmica e alvo de debates acalorados com defensores dos direitos humanos, baseia,se em relatórios de inteligência que apontam essas visitas como o principal canal de comunicação entre os chefes encarcerados e os operadores do crime nas ruas. Ao cortar esse fluxo de informações, o projeto busca isolar as lideranças, transformando os presídios federais em unidades de contenção real, e não em “escritórios do crime” como muitas vezes são descritos por autoridades da segurança pública.

Contudo, a Ofensiva Legislativa não se resume apenas a proibições. O texto reintroduziu a figura do “agente infiltrado” e do delator que pode atuar sob disfarce, ferramentas de investigação inspiradas em legislações internacionais de combate à máfia e ao terrorismo. Essas medidas dão à polícia um poder de penetração inédito nas estruturas criminosas, permitindo a coleta de provas “por dentro” do organograma do crime. A expectativa é que, com esses novos instrumentos, operações policiais possam desmantelar esquemas inteiros de lavagem de dinheiro e corrupção policial antes mesmo que a violência exploda nas ruas.

Cerco às Organizações pelo bolso e pelo isolamento

O Cerco às Organizações desenhado pelo projeto tem um forte pilar econômico. A criação do Fundo Nacional de Combate ao Crime Organizado, financiado pela Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre as bets, é vista como a “bala de prata” para estruturar as polícias estaduais. Especialistas em segurança pública há muito alertam que não se vence o crime organizado apenas com viaturas e armamento, mas com tecnologia de ponta capaz de rastrear o fluxo financeiro ilícito. Com os R$ 30 bilhões estimados, o governo poderá investir em softwares de big data, drones de vigilância e laboratórios forenses que hoje são escassos na maioria dos estados brasileiros.

Dentro deste Cerco às Organizações, a questão prisional ganha contornos de segurança nacional. O projeto determina que chefes de facções e milícias deverão cumprir suas penas, obrigatoriamente, em estabelecimentos federais de segurança máxima, sem possibilidade de transferência para presídios estaduais onde o controle é mais frouxo. Essa federalização da execução penal para a alta cúpula do crime visa quebrar a cadeia de comando. Além disso, a progressão de regime torna,se extremamente difícil: para esses detentos, os benefícios de saída temporária (“saidinhas”) e livramento condicional são praticamente extintos ou condicionados a requisitos de comportamento e tempo de pena muito superiores aos atuais.

Entretanto, o Cerco às Organizações também gera preocupações sobre o sistema carcerário como um todo. Críticos da proposta alertam que o endurecimento das penas e a restrição de direitos podem aumentar a tensão dentro dos presídios, servindo de combustível para motins e para o recrutamento de novos membros por facções que oferecem “proteção” aos detentos comuns. O relator, no entanto, argumenta que o Estado não pode pautar sua legislação pelo medo de represálias, e que a recuperação do controle dos presídios é a primeira etapa para qualquer política de ressocialização efetiva que se pretenda implementar no futuro.

Endurecimento Penal como resposta à sociedade

O Endurecimento Penal proposto pelo PL 5.582/2025 é, sem dúvida, a face mais visível do projeto para a opinião pública. A sociedade, cansada da sensação de impunidade, vê na elevação das penas uma resposta necessária. Homicídios cometidos por integrantes de facções no contexto de suas atividades criminosas terão penas base elevadas, variando de 20 a 40 anos, desestimulando a prática de execuções sumárias e tribunais do crime. Além disso, o texto prevê agravantes que podem dobrar a pena caso o réu exerça função de comando, enviando um recado claro: ser chefe do crime custará a liberdade pelo resto da vida.

Esse Endurecimento Penal também atinge crimes correlatos, como a lavagem de dinheiro e a corrupção ativa, quando praticados em benefício de facções. A ideia é que o contador que lava o dinheiro do tráfico receba uma punição tão severa quanto o traficante armado na ponta da linha. A legislação passa a enxergar a organização criminosa como um corpo único, onde cada peça, seja ela violenta ou burocrática, contribui para o resultado lesivo à sociedade. O projeto também endurece as regras para servidores públicos que facilitem a ação desses grupos, prevendo a perda imediata do cargo e a ineligibilidade, fechando o cerco contra a infiltração do crime na política e na polícia.

Por outro lado, juristas garantistas apontam que o Endurecimento Penal isolado não resolve as causas da criminalidade. Argumentam que o Brasil já possui uma das maiores populações carcerárias do mundo e que a simples elevação do tempo de prisão não tem se mostrado eficaz para reduzir índices de violência no longo prazo. O debate na CCJ foi intenso nesse ponto, mas prevaleceu a visão de que o momento exige medidas de exceção para conter uma situação de emergência. A aprovação simbólica e unânime na comissão demonstra que, politicamente, nenhum partido quis se posicionar contra uma pauta de “lei e ordem” às vésperas de um ano eleitoral.

Estratégia de Segurança Integrada e Inteligente

A nova Estratégia de Segurança proposta pelo PL Antifacção vai além da repressão pura e simples; ela busca a integração. O texto fomenta a criação de Forças Integradas de Combate ao Crime Organizado (Ficco) em todos os estados, unindo Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civis e Militares em forças-tarefas permanentes. O modelo, que já teve projetos-piloto bem-sucedidos, elimina a “guerra de egos” entre as corporações e permite o compartilhamento de bancos de dados em tempo real. A inteligência policial passa a ser o motor da segurança pública, substituindo o patrulhamento ostensivo aleatório por operações cirúrgicas baseadas em dados concretos sobre a mancha criminal.

Nesta Estratégia de Segurança, o papel do novo fundo financeiro é crucial. Os recursos das bets não poderão ser contingenciados pelo governo federal para fazer superávit primário; eles devem ir direto para a ponta. Isso garante que, independentemente da crise fiscal, a segurança pública terá verba para comprar coletes, viaturas blindadas e, principalmente, tecnologia de interceptação e monitoramento. O projeto também prevê a criação de um Banco Nacional de Dados de Organizações Criminosas, onde informações sobre membros, modus operandi e áreas de atuação estarão disponíveis para delegados de qualquer parte do país, dificultando a migração de criminosos de um estado para outro para fugir da polícia.

Por fim, a Estratégia de Segurança aposta na asfixia logística. O texto tipifica e pune com rigor ataques a infraestruturas críticas (como torres de energia e oleodutos) e o bloqueio de vias públicas (“novo cangaço”), crimes que têm aterrorizado o interior do Brasil. Ao tratar essas ações quase como atos de terrorismo doméstico (embora sem usar o termo polêmico para evitar entraves internacionais), a lei dá respaldo jurídico para que as forças de segurança utilizem meios mais robustos de resposta. O Brasil, assim, tenta alinhar sua legislação à gravidade da ameaça que enfrenta, buscando retomar territórios onde hoje o Estado é apenas um visitante indesejado.

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