Protesto na BYD: trabalhadores param fábrica e denunciam rotina exaustiva

Movimento social e operários relatam pressão psicológica, banheiros precários e descontos indevidos em ato que travou o complexo industrial nesta semana.

Trabalhadores uniformizados reunidos em protesto em frente à fábrica da BYD, ouvindo liderança com megafone.
Lideranças do Movimento Luta de Classe (MLC) discursam para operários durante a paralisação nas obras do complexo da BYD, em Camaçari. (Foto: Divulgação/Movimento Luta de Classe)

Uma grave denúncia de violação de direitos trabalhistas sacudiu o polo industrial de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador, nesta semana. Lideranças de movimentos sociais e um grupo significativo de operários deflagraram uma paralisação das atividades no canteiro de obras e nas instalações iniciais da montadora chinesa BYD (Build Your Dreams), gigante dos carros elétricos que ocupa o antigo complexo da Ford. O protesto, que bloqueou acessos e reuniu centenas de trabalhadores, expõe uma rotina de tensão, marcada por relatos de jornadas exaustivas, cobranças de metas inalcançáveis e um ambiente disciplinar descrito como rigoroso ao extremo.

Ato reivindicatório operário

A mobilização, que ocorreu na manhã da última terça-feira (2), não foi um evento isolado, mas o estopim de uma insatisfação que fermentava há meses entre os trabalhadores, especialmente os vinculados a empresas terceirizadas que prestam serviço à multinacional. Segundo os manifestantes, a gestão do trabalho dentro do complexo tem imposto um ritmo de produção incompatível com a saúde física e mental dos colaboradores. Relatos colhidos durante o ato apontam para casos de assédio moral, onde a ameaça de demissão é utilizada como ferramenta constante de coação para garantir o cumprimento de cronogramas apertados.

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O ato reivindicatório operário trouxe à tona uma lista extensa de precariedades que contrastam com a imagem de modernidade e tecnologia vendida pela marca chinesa. Entre as principais queixas, destaca-se a falta de estrutura básica de higiene: trabalhadores denunciaram a insuficiência de banheiros químicos, a falta de limpeza dos mesmos e a ausência de bebedouros adequados em frentes de trabalho distantes, obrigando operários a longos deslocamentos ou ao consumo de água em condições duvidosas. Além disso, a questão financeira pesou fortemente, com reclamações sobre o valor do vale-alimentação e descontos injustificados nos contracheques, que corroem o já apertado orçamento das famílias.

A liderança do movimento, apoiada por militantes de grupos como a Unidade Popular (UP), enfatizou que a paralisação foi espontânea, nascida do “chão de fábrica”, embora tenha recebido suporte posterior de entidades de classe. A presença de bandeiras e faixas exigindo “Dignidade” e “Respeito” marcou o cenário na Avenida BYD, transformando a entrada da fábrica em um palco de debate sobre o custo humano do desenvolvimento industrial. A Polícia Militar foi acionada para mediar a situação, mantendo o policiamento intensificado na região para evitar confrontos diretos entre a segurança patrimonial e os manifestantes.

Movimento de interrupção laboral

É crucial notar que este movimento de interrupção laboral ocorre em um contexto sensível. A BYD é a “menina dos olhos” da política industrial do governo baiano e federal, prometendo gerar milhares de empregos e transformar a Bahia em um hub de tecnologia verde. Contudo, a pressa para entregar as obras e iniciar a produção em larga escala parece estar gerando atalhos perigosos nas relações de trabalho. O Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Camaçari (Sindimetal), embora tenha afirmado que a greve não foi orquestrada por sua diretoria oficial, reconheceu a legitimidade das pautas e se posicionou ao lado das reivindicações por melhores condições, cobrando responsabilidade solidária da montadora sobre as suas terceirizadas.

As denúncias de “medidas disciplinares rigorosas” citadas pelos trabalhadores incluem advertências severas por atrasos mínimos, controle excessivo de idas ao banheiro e uma hierarquia que muitas vezes impede o diálogo direto com os supervisores. Há relatos de que o choque cultural entre a gestão chinesa e a legislação trabalhista brasileira tem gerado atritos constantes. A cultura de “996” (trabalhar das 9h às 21h, 6 dias por semana), comum em algumas indústrias asiáticas, é incompatível com a CLT, mas resquícios dessa mentalidade de produtividade a qualquer custo parecem permear o ambiente, segundo as denúncias dos operários.

Além disso, a questão da insalubridade foi um ponto central. Os trabalhadores exigem o pagamento do adicional de 30% de periculosidade/insalubridade, alegando exposição a riscos físicos e químicos sem a devida compensação ou Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados em todas as etapas. A falta de vestiários e áreas de descanso adequadas (fumódromos e áreas de vivência) também compõe o dossiê de reclamações entregue informalmente aos representantes da empresa que foram ao portão tentar negociar o fim do bloqueio.

Manifestação dos funcionários

A manifestação dos funcionários traz de volta à memória um fantasma recente que assombrou as obras da BYD. No final de 2024 e início de 2025, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) já havia realizado operações no local que resultaram no resgate de trabalhadores chineses em condições análogas à escravidão, o que gerou multas e a interdição de alojamentos. Embora a empresa tenha afirmado na época ter rompido contratos com as construtoras responsáveis e reiterado seu compromisso social, o novo protesto sugere que a precarização pode ter mudado de nacionalidade, afetando agora majoritariamente a mão de obra local contratada pelas novas terceirizadas como Terra Construções, Falcão e Valtec.

Essa reincidência de problemas trabalhistas coloca em xeque os mecanismos de fiscalização interna da montadora. Grandes corporações globais geralmente possuem setores de compliance robustos para auditar sua cadeia de fornecedores, mas a repetição de denúncias graves em um intervalo curto de tempo indica falhas sistêmicas. O governo do estado, que concedeu incentivos fiscais milionários para a atração da fábrica, também se vê pressionado a agir, não apenas como promotor do investimento, mas como garantidor da lei e da ordem social dentro do seu território.

A repercussão do caso nas redes sociais e na imprensa local forçou a empresa a emitir comunicados protocolares, afirmando que está “apurando os fatos” e que preza pelo bem-estar de seus colaboradores. Todavia, para quem está sob o sol quente de Camaçari, segurando faixas e gritando palavras de ordem, as notas oficiais pouco resolvem a fome, o cansaço e a sensação de injustiça. A exigência é clara: atualização do piso salarial (que estaria sendo pago a menor pelas terceirizadas, com uma diferença de cerca de R$ 100,00 abaixo da convenção) e tratamento humanizado imediato.

Levante trabalhista industrial

O desfecho deste levante trabalhista industrial ainda é incerto, mas já deixa lições importantes. Ele demonstra que a transição energética e a modernização industrial não podem ocorrer às custas da dignidade humana. O “carro do futuro” não pode ser construído com práticas de trabalho do passado. A mobilização dos trabalhadores de Camaçari serve como um alerta para todo o setor automotivo brasileiro: a vigilância sindical e social está ativa e não aceitará retrocessos travestidos de “flexibilidade” ou “novos modelos de gestão”.

Para a BYD, o episódio é um risco reputacional que precisa ser gerido com ações concretas, e não apenas marketing. Resolver as pendências de banheiros, água, alimentação e assédio moral é o mínimo existencial para qualquer operação desse porte. Se a empresa deseja realmente se integrar ao Brasil e conquistar o consumidor nacional, precisará provar que sua sustentabilidade vai além da bateria elétrica e alcança também o capital humano que aperta os parafusos e levanta as paredes de sua fábrica.

Por fim, a sociedade baiana observa atenta. O sucesso da BYD é desejado por todos, pois significa renda e desenvolvimento, mas o limite desse desejo é a lei. A paralisação desta semana foi um grito de basta que ecoou nos gabinetes de Brasília e Salvador, lembrando que, antes de números de produção e lucros, existem pessoas com direitos inegociáveis. A expectativa agora é pela mesa de negociação e pelo cumprimento efetivo das promessas de melhoria, sob pena de novos e mais intensos movimentos paralisarem o sonho elétrico no Nordeste brasileiro.

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