Justiça decreta prescrição e absolve Marcola na maior investigação do PCC

Juiz de Presidente Venceslau reconhece fim do prazo legal para punição em processo que mapeou a facção entre 2009 e 2013, decisão gera revolta mas não solta o líder da organização.

Marcola caminha algemado usando uniforme de presidiário azul, cercado por policiais fortemente armados com fuzis e equipamentos táticos.
Apesar da decisão judicial que declarou a prescrição do processo sobre a estrutura do PCC, Marcola continuará cumprindo pena na Penitenciária Federal de Brasília. (Foto: Reprodução/Agência Brasil)

Uma decisão judicial proferida nesta semana abalou os pilares da segurança pública e gerou intensa repercussão nos bastidores da justiça brasileira. O juiz Gabriel Medeiros, da 1ª Vara da Comarca de Presidente Venceslau, em São Paulo, declarou a prescrição dos crimes imputados a Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e a outros 159 acusados de integrarem a cúpula do Primeiro Comando da Capital (PCC). A sentença, que reconhece a incapacidade do Estado de julgar os réus dentro do prazo legal, encerra aquela que era considerada a maior investigação da história sobre a estrutura hierárquica da facção. O magistrado concluiu que o lapso temporal de 12 anos, previsto em lei para a aplicação da pena, esgotou-se em setembro de 2025, tornando impossível qualquer condenação válida a partir de agora.

O processo em questão baseava-se em um inquérito monumental conduzido pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo. A investigação mapeou minuciosamente as atividades da organização criminosa entre os anos de 2009 e 2013, período em que a facção consolidou sua hegemonia nos presídios paulistas e expandiu suas rotas de tráfico internacional. Segundo a denúncia original, os 160 réus, incluindo Marcola, exerciam funções de comando e coordenação, orquestrando crimes de dentro e fora das penitenciárias. Contudo, a lentidão do trâmite processual, somada à complexidade de notificar centenas de advogados e réus, resultou na “morte jurídica” do caso antes que uma sentença de mérito pudesse ser proferida.

A notícia da absolvição técnica caiu como uma bomba entre promotores e policiais que dedicaram anos à construção do caso. A sensação de impunidade é agravada pelo fato de que a prescrição não inocenta os réus no sentido moral ou factual, mas apenas atesta que o Estado perdeu o direito de puni-los pela demora. Especialistas em direito penal explicam que a prescrição é uma garantia constitucional para evitar que processos se arrastem eternamente, mas, neste caso específico, ela simboliza uma vitória institucional do crime organizado sobre a burocracia estatal. A decisão beneficia não apenas Marcola, mas toda uma geração de lideranças que ajudou a transformar o PCC em uma multinacional do crime.

Fim do processo histórico

Para compreender a dimensão desta falha judicial, é necessário revisitar o escopo da investigação agora anulada. O trabalho do Ministério Público, iniciado há mais de uma década, foi pioneiro ao desvendar a estrutura corporativa da facção, identificando setores como a “Sintonia Final”, a “Sintonia dos Gravatas” e o “Resumo Disciplinar”. O inquérito reuniu milhares de horas de escutas telefônicas, documentos apreendidos em “bunkers” da facção e planilhas contábeis que comprovavam a movimentação de milhões de reais provenientes do tráfico de drogas e assaltos a bancos. Ao todo, 175 pessoas foram denunciadas inicialmente, num esforço hercúleo para descapitar a liderança da organização de uma só vez.

A denúncia apontava que, entre 2009 e 2013, o grupo agiu de forma coordenada para cometer ilícitos e fortalecer o caixa da organização. O Gaeco conseguiu traçar um panorama inédito de como as ordens saíam da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau e eram executadas nas ruas. No entanto, o gigantismo do processo acabou se tornando seu “calcanhar de Aquiles”. Com dezenas de advogados de defesa atuando simultaneamente, manobras protelatórias e a própria morosidade natural do sistema judiciário brasileiro, o relógio correu a favor dos acusados. O prazo prescricional começou a contar a partir do fim da atividade criminosa apontada na denúncia (setembro de 2013), e a interrupção desse prazo só ocorreu com o recebimento da denúncia, não sendo suficiente para evitar o vencimento agora em 2025.

Esse desfecho levanta questões críticas sobre a capacidade do Judiciário brasileiro em lidar com megaprocessos envolvendo crime organizado. Enquanto as facções operam com agilidade empresarial e tecnologia de ponta, a justiça ainda caminha a passos lentos, presa a ritos processuais do século passado. A anulação de todo esse trabalho investigativo representa não apenas um desperdício de recursos públicos, mas também a perda de uma memória jurídica importante sobre o funcionamento do PCC. Documentos e provas que poderiam servir para desmantelar novas células acabam perdendo sua força legal, restando apenas como registro histórico de uma batalha perdida pelo Estado.

Decisão judicial controversa

A repercussão da decisão foi imediata e polarizada. A defesa de Marcola, liderada pelo advogado Bruno Ferullo, celebrou o resultado, argumentando que o Judiciário apenas cumpriu o que determina a lei. Em nota, a defesa ressaltou que a prescrição é um mecanismo fundamental para garantir a segurança jurídica e impedir que o Estado exerça seu poder punitivo de forma ilimitada no tempo. Para os advogados, a culpa pela absolvição não é dos réus, mas da ineficiência estatal em conduzir o processo dentro dos prazos razoáveis estabelecidos pelo Código Penal. Essa narrativa busca legitimar a absolvição como um triunfo dos direitos individuais sobre o arbítrio estatal.

Por outro lado, associações de magistrados e membros do Ministério Público manifestaram profunda preocupação com o precedente aberto. A crítica central reside no fato de que líderes de organizações criminosas de alta periculosidade acabam sendo beneficiados pelas mesmas garantias pensadas para crimes comuns. Há um debate crescente no Congresso Nacional sobre a necessidade de alterar os prazos prescricionais para crimes hediondos ou praticados por organizações criminosas complexas, visando evitar que a complexidade da investigação se torne um trunfo para a impunidade. A sociedade, que clama por rigor e justiça, vê na decisão um sinal de fraqueza das instituições democráticas frente ao poder paralelo.

Além disso, o contexto político da decisão é delicado. O PCC vive um momento de racha interno histórico, com disputas sangrentas entre a ala leal a Marcola e dissidentes como Roberto Soriano (Tiriça) e Abel Pacheco (Vida Loka). Nesse cenário de guerra interna, uma vitória jurídica dessa magnitude fortalece a imagem de Marcola perante a “massa carcerária”, reafirmando sua liderança e capacidade de articulação, mesmo estando isolado em um presídio federal. A absolvição serve como propaganda para a facção, vendendo a ideia de que o crime compensa e de que a justiça é falha, o que pode incentivar o recrutamento de novos membros.

Encerramento da ação penal

É fundamental esclarecer à população que, apesar da absolvição neste processo específico, Marcola não será solto. O líder máximo do PCC cumpre penas que, somadas, ultrapassam 300 anos de prisão por condenações anteriores transitadas em julgado, incluindo homicídios, latrocínios e tráfico de drogas. Ele permanece recolhido na Penitenciária Federal de Brasília, sob regime de segurança máxima. A decisão de hoje afeta apenas o processo referente à associação criminosa no período de 2009 a 2013, eliminando a possibilidade de acréscimo de pena por esses fatos, mas não anula as condenações passadas nem relaxa sua prisão atual.

Todavia, o impacto simbólico é devastador. A “Sintonia Final” do PCC recebe a notícia como um troféu, provando que a estratégia de alongar processos e investir em bancas de defesa pesadas traz resultados práticos. Enquanto isso, o Ministério Público avalia se ainda cabe algum recurso, embora as chances de reverter uma prescrição reconhecida com base em cálculo matemático de pena sejam remotas. O foco das autoridades agora se volta para evitar que o mesmo ocorra em outros processos em andamento, como a Operação Ethos (que mirou os advogados da facção) e as investigações sobre lavagem de dinheiro via empresas de ônibus e postos de gasolina.

Portanto, o dia de hoje entra para a história judiciária como um exemplo do descompasso entre a velocidade do crime e a morosidade da justiça. Enquanto o PCC se moderniza, cria departamentos de compliance e lava dinheiro com criptomoedas, o Estado brasileiro falha no básico: julgar dentro do prazo. A absolvição de Marcola por prescrição é um alerta estridente de que a legislação penal precisa de reformas urgentes, sob pena de vermos cada vez mais líderes criminosos escaparem das garras da lei não por inocência, mas pelo simples passar do tempo.

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