Uma operação de grande envergadura deflagrada na manhã desta quarta-feira (10) abalou as estruturas da segurança pública de São Paulo. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), em parceria com a Polícia Federal e a Corregedoria da Polícia Civil, prendeu preventivamente um investigador do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) e um advogado criminalista. Ambos são acusados de orquestrar um esquema de suborno do crime organizado que movimentou a cifra de R$ 1 milhão. O objetivo do pagamento era garantir a proteção e o arquivamento indevido de inquéritos contra Wagner Nascimento de Souza, apontado pelas autoridades como uma liderança relevante do Primeiro Comando da Capital (PCC) na baixada santista.
A ação cumpriu mandados expedidos pela 2ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital. O investigador detido foi identificado como Murilo Muniz, enquanto o policial Alan Fernandes Dias, também alvo da operação, não foi localizado em seus endereços e é considerado foragido pela justiça. Além das prisões, as equipes táticas realizaram buscas e apreensões em endereços ligados a um escrivão do Denarc, que também está sob investigação por suposta participação na rede de proteção ilícita. O clima nos corredores do departamento é de tensão absoluta, visto que a operação expõe, mais uma vez, a infiltração do poder paralelo em unidades de elite da polícia paulista.
Pagamento ilícito da facção
Segundo o detalhamento fornecido pelos promotores do Gaeco, a dinâmica do crime envolvia uma sofisticação que ia além da simples entrega de dinheiro em espécie. O advogado preso, cujo nome está sendo preservado em sigilo parcial para não comprometer outras etapas da investigação, atuava como o elo financeiro e logístico entre a facção e os agentes públicos. As investigações apontam que o pagamento ilícito da facção foi maquiado através de contratos de honorários advocatícios superfaturados e transações fracionadas para burlar os sistemas de controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A quebra do sigilo bancário e fiscal dos envolvidos revelou um patrimônio absolutamente incompatível com os vencimentos de um servidor público estadual, incluindo imóveis de alto padrão e veículos de luxo registrados em nomes de terceiros.
O inquérito que originou a cobrança da propina investigava Wagner Nascimento de Souza por tráfico internacional de drogas e lavagem de dinheiro. Ao invés de aprofundar as diligências e solicitar a prisão do criminoso, os policiais do Denarc teriam optado por vender a impunidade. Escutas telefônicas e trocas de mensagens interceptadas com autorização judicial mostram diálogos explícitos onde os valores eram negociados como se fossem mercadorias lícitas. O advogado chegava a pressionar o traficante para que os pagamentos fossem agilizados, alertando que a “segurança” da operação dependia da satisfação financeira dos policiais envolvidos.
Vantagem indevida do tráfico
Este episódio não é um caso isolado, mas reflete um problema estrutural que assombra o Denarc e outros departamentos especializados há anos. A concessão de vantagem indevida do tráfico para agentes da lei cria um ciclo vicioso onde o Estado financia, indiretamente, o fortalecimento das facções que deveria combater. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) emitiu uma nota oficial reiterando que “não compactua com desvios de conduta” e que a Corregedoria foi acionada desde o início das apurações para garantir a lisura do processo. Contudo, especialistas em segurança pública alertam que a recorrência desses escândalos minas a confiança da população nas instituições e desmoraliza os policiais honestos que arriscam suas vidas diariamente.
O contexto atual é agravado pelas recentes revelações do caso Gritzbach, ocorrido no final de 2024, onde um delator do PCC foi executado após denunciar um esquema similar de extorsão envolvendo policiais civis. A sombra desse evento anterior paira sobre a operação de hoje, sugerindo que a “limpeza” prometida pelas autoridades ainda está longe de ser concluída. O Gaeco trabalha com a hipótese de que o grupo desmantelado nesta quarta-feira (10) seja apenas uma célula de uma engrenagem maior, que utiliza a estrutura do Estado para enriquecimento ilícito e sabotagem de investigações sensíveis.
Acordo financeiro criminoso
A investigação também foca na lavagem de dinheiro decorrente do acordo financeiro criminoso. A Polícia Federal assumiu a frente dessa parte do inquérito, rastreando o caminho do dinheiro desde as contas de laranjas ligados ao PCC até o bolso dos agentes públicos. A suspeita é de que parte do valor da propina tenha sido investido em criptoativos e bens móveis no exterior, dificultando o rastreio e a recuperação dos ativos. O juiz responsável pelo caso determinou o bloqueio imediato de bens dos envolvidos até o limite de R$ 1 milhão, visando garantir o ressarcimento aos cofres públicos e o pagamento de futuras multas penais.
Além disso, a operação “Salus” (nome não oficial, mas citado em bastidores como referência à saúde/limpeza da corporação) deve gerar desdobramentos nas próximas semanas. A análise dos celulares e computadores apreendidos na casa do investigador Murilo Muniz e no escritório do advogado pode revelar a participação de outros delegados e chefes de equipe no esquema. O Ministério Público não descarta novos pedidos de prisão preventiva à medida que o material for periciado. A defesa dos acusados, quando procurada, informou que só se manifestará nos autos após ter acesso integral ao conteúdo das investigações, mas adiantou que considera as prisões “desnecessárias e midiáticas”.
Por fim, a prisão destes agentes públicos e do advogado serve como um alerta severo para a chamada “Sintonia dos Gravatas”, braço jurídico do PCC responsável por corromper o sistema de justiça. A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo) informou que acompanha o caso através de sua Comissão de Prerrogativas, mas ressaltou que, se comprovados os crimes, abrirá processo ético-disciplinar que pode culminar na exclusão do advogado dos quadros da Ordem. A sociedade aguarda agora que a justiça seja célere e que a punição sirva de exemplo, rompendo a sensação de impunidade que muitas vezes protege o crime de colarinho branco dentro das forças policiais.
