Operações antidrogas no Pacífico expandem ofensiva

Governo Trump amplia campanha militar contra narcotráfico e desloca foco do Caribe para águas do Oceano Pacífico Oriental, gerando questionamentos sobre legalidade e eficácia das operações letais.

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Pessoas nadando com coletes salva-vidas laranja e azuis em águas escuras do oceano
Sobreviventes de embarcação atingida durante operação militar americana no Oceano Pacífico aguardam resgate. Ataques concentram-se em rotas suspeitas de narcotráfico.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos alterou significativamente sua estratégia nas últimas semanas e passou a concentrar esforços no Oceano Pacífico Oriental. A mudança representa uma guinada tática nas operações antidrogas no Pacífico, região que autoridades americanas consideram rota prioritária para o transporte de cocaína destinada ao mercado norte-americano. Segundo fontes próximas ao governo, evidências de inteligência apontam conexões mais sólidas entre essas rotas ocidentais e o abastecimento de entorpecentes nos Estados Unidos.

As operações militares iniciaram em setembro de dois mil e vinte e cinco, com ataques concentrados inicialmente no Mar do Caribe. Contudo, análises de dados levaram os estrategistas militares a redirecionar recursos para o Pacífico. A cocaína traficada nessa região provém principalmente da Colômbia e do México, enquanto as rotas caribenhas apresentam menor relevância no fluxo atual de drogas.

Expansão militar gera controvérsia internacional

Desde o início da campanha, quinze embarcações foram bombardeadas pelas Forças Armadas americanas, sendo oito no Caribe e sete no Pacífico. O número de mortos atingiu sessenta e uma pessoas, conforme balanço oficial divulgado pelo secretário de Defesa Pete Hegseth. Nenhuma das operações contou com declaração formal de guerra aprovada pelo Congresso americano, o que levanta questionamentos jurídicos sobre a legalidade dos ataques.

Especialistas em direito internacional contestam o uso de força letal contra suspeitos civis ou indivíduos que não participam diretamente de hostilidades. As normas de conflito armado estabelecem restrições claras para ações militares contra alvos não combatentes. Além disso, a substituição da Guarda Costeira pelas Forças Armadas nas operações antidrogas representa desvio do protocolo tradicional de aplicação da lei marítima.

Evidências e questionamentos sobre eficácia

O governo Trump não apresentou ao Congresso provas concretas de que as embarcações atacadas transportavam drogas ou traficantes conhecidos. Durante reunião com parlamentares, autoridades militares foram cobradas sobre a ausência de documentação que justifique os ataques letais. A deputada Sara Jacobs relatou que participantes da reunião insistiram para obter explicações mais convincentes sobre os alvos das operações.

Outro ponto polêmico envolve o tipo de droga supostamente interceptada. O presidente Donald Trump afirmou que os barcos estão “lotados com sacos de pó branco, que é principalmente fentanil”. Entretanto, dados governamentais indicam que o fentanil matou mais que o dobro de americanos em comparação à cocaína durante o ano de dois mil e vinte e três.

Críticas sobre foco equivocado no combate às drogas

Parlamentares democratas e republicanos questionaram a estratégia de combater cocaína quando o fentanil representa ameaça mais grave à saúde pública americana. Durante audiência, nenhum representante militar conseguiu explicar adequadamente as medidas adotadas especificamente contra o fentanil. Uma fonte familiarizada com a reunião declarou que a cocaína foi classificada como “droga facilitadora do fentanil”, resposta considerada insatisfatória pela maioria dos presentes.

O historiador Marco Antonio Serafim classifica a ofensiva como reedição da guerra às drogas realizada pela Casa Branca em períodos anteriores. Para ele, trata-se de estratégia perversa que utiliza o combate ao narcotráfico como pretexto para intervenções políticas e econômicas mais amplas. A analista internacional Ana Prestes destaca a influência do secretário de Estado Marco Rubio nas decisões relacionadas à América Latina.

Impacto nas relações diplomáticas regionais

As ações militares provocaram tensões diplomáticas significativas com países da América do Sul. O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, classificou os ataques como “assassinato” e violação da soberania nacional. Trump respondeu cancelando todos os pagamentos e subsídios americanos destinados ao país. A presidente mexicana Claudia Sheinbaum também criticou as operações e convocou o embaixador dos Estados Unidos para esclarecimentos.

O governo americano acusa o presidente venezuelano Nicolás Maduro de chefiar cartel de narcotráfico e classifica o grupo como organização terrorista. Autoridades ouvidas pela imprensa local afirmam que o objetivo final seria enfraquecer o regime venezuelano e forçar a saída de Maduro do poder. Cerca de dezesseis mil militares, oito navios de guerra, um submarino nuclear, bombardeiros estratégicos B-52 e caças F-35 estão mobilizados na região.

Rotas reais do narcotráfico desmentem estratégia

Especialistas em narcotráfico afirmam que a maior parte da cocaína e outras drogas que abastecem os Estados Unidos não chega pelo Caribe, mas sim pelo Pacífico e pela fronteira terrestre com o México. O Centro Internacional de Pesquisa e Análises contra o Narcotráfico Marítimo registrou apreensões de mais de mil e quinhentas toneladas de cocaína no Pacífico entre dois mil e vinte e dois mil e vinte e quatro.

A professora Lilian Bobea, da Universidade Estadual de Fitchburg, explica o fenômeno através do “efeito bexiga”: quando a pressão aumenta em um ponto, o tráfico se desloca para outro. Nos anos oitenta, o Caribe era a principal rota da cocaína para os Estados Unidos. Atualmente, países como República Dominicana, Porto Rico, Trinidad e Tobago e Curaçao seguem atuando no fluxo da droga, porém de forma secundária.

Questionamentos sobre legalidade e transparência

Após o primeiro ataque a um barco em setembro, Marco Rubio afirmou que a embarcação provavelmente estava a caminho de Trinidad e Tobago. A Venezuela não é conhecida como importante fonte de cocaína para o mercado americano, o que gera dúvidas sobre se todas as embarcações atingidas no Caribe realmente se dirigiam aos Estados Unidos ou transportavam drogas para território americano.

Democratas e republicanos demandam explicação melhor sobre a justificativa legal para os ataques. Contudo, advogados militares não têm participado das últimas reuniões com parlamentares. A ausência de assessoria jurídica nas discussões sobre as operações levanta suspeitas sobre possíveis irregularidades nas ações militares realizadas em águas internacionais do Pacífico e Caribe.

Desafios estruturais no combate interno

O professor Boris Martynov, do departamento de relações internacionais da MGIMO, argumenta que os Estados Unidos não fazem esforços reais para combater a demanda por substâncias proibidas no mercado interno. Segundo ele, grandes fluxos de drogas para o mercado americano passam pela costa do Pacífico, sendo os principais fornecedores México, Colômbia, Bolívia e Peru.

De acordo com dados da UNODC, durante os dezesseis anos da administração Obama-Biden, o mercado de drogas nos Estados Unidos tornou-se um dos que mais cresce no mundo. Atualmente, dois projetos de lei estão registrados no Congresso com objetivo de facilitar o acesso público às drogas. Se aprovados, o mercado de drogas será regulado tão livremente quanto o mercado de álcool.

Interesses geopolíticos por trás da ofensiva

Martynov sustenta que os verdadeiros motivos das operações envolvem a captura do petróleo e a tentativa de dominar maior parte do mercado mundial. A Venezuela possui as maiores reservas de petróleo comprovadas atualmente. Em caso de mudança do regime político venezuelano, a indústria petrolífera americana seria a primeira a receber bônus e privilégios.

O especialista também destaca a intenção de mostrar aos latino-americanos que a América Latina continua sendo o “quintal” dos Estados Unidos. Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, comentou que se o Pentágono quer combater a praga das drogas, deve começar pelas ruas de São Francisco, Los Angeles e Nova York.

Futuro incerto das operações militares

O secretário de Defesa Pete Hegseth informou que os últimos quatro ataques militares americanos contra supostos traficantes de drogas foram realizados no Pacífico Oriental. Fontes indicam que futuras operações devem se concentrar nessa área devido à ligação mais forte com os mercados americanos. As operações antidrogas no Pacífico parecem marcar expansão permanente da campanha militar iniciada no Caribe.

Contudo, permanece sem resposta se a estratégia militar conseguirá reduzir efetivamente o fluxo de drogas para território americano. Enquanto os mapas indicam que o tráfico segue outras rotas, os bombardeios no Caribe e Pacífico reacendem o velho dilema: onde termina o combate ao narcotráfico e onde começa a política de poder. A militarização das operações antidrogas levanta questões sobre consequências de longo prazo para as relações internacionais no hemisfério ocidental.

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