Alcolumbre garante votação do PL da Dosimetria no Senado ainda em 2025

Presidente do Senado firma compromisso com a Câmara e ignora apelos da CCJ para acelerar texto que reduz penas do 8 de janeiro, Otto Alencar reage à manobra de urgência.

O senador Davi Alcolumbre conversa com outro senador em uma sessão do Senado Federal.
O senador Davi Alcolumbre conversa com o senador Otto Alencar durante uma sessão no Senado Federal. (Foto: Reprodução/Agência Senado)

O presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União-AP), assumiu um compromisso público e decisivo na tarde desta terça-feira (9): colocar em pauta e votar o Projeto de Lei da Dosimetria ainda neste ano legislativo de 2025. A declaração foi feita diretamente do plenário, sinalizando uma articulação alinhada com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), que pautou a matéria para análise dos deputados no mesmo dia. O projeto é visto como a principal alternativa política à anistia total dos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, propondo uma revisão no cálculo das penas que pode beneficiar centenas de condenados, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro.

A movimentação ocorre em um cenário de alta tensão entre os poderes e dentro do próprio Congresso Nacional. Alcolumbre, reeleito para o comando do Senado, busca limpar a pauta de temas ideológicos sensíveis antes do recesso, cumprindo acordos firmados com a oposição e com o “Centrão”. Segundo o senador, existe um entendimento prévio de que, se a Câmara der o sinal verde, o Senado não será um obstáculo para a celeridade do processo. No entanto, essa pressa gerou reações imediatas entre aliados do governo e membros da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que veem na manobra um atropelo ao rito legislativo padrão.

Análise da nova regra

O cerne da proposta reside na alteração de como as penas são calculadas em casos de múltiplos crimes cometidos em um mesmo contexto, tecnicamente conhecido como “concurso de crimes”. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem aplicado o cúmulo material para os réus do 8 de janeiro, somando as penas de cada infração isoladamente, o que resulta em condenações que ultrapassam 15 ou 17 anos de prisão. O novo texto propõe uma mudança para critérios mais brandos, onde prevaleceria a pena do crime mais grave com um aumento fracionado, evitando somatórios que a defesa dos réus considera desproporcionais.

Se aprovada, a legislação teria caráter retroativo, pois, no Direito Penal brasileiro, toda nova lei que beneficia o réu deve ser aplicada a casos passados. Isso significa que as condenações já proferidas pelo STF poderiam ser revisadas, reduzindo drasticamente o tempo de encarceramento dos participantes dos atos antidemocráticos. Para a oposição, trata-se de um ajuste necessário para corrigir o que chamam de “excessos judiciais”. Já para a base governista e para ministros da Corte, a medida soa como um drible institucional para garantir impunidade a crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Deliberação sobre penas

A promessa de Alcolumbre de votar o texto “a toque de caixa” encontrou uma barreira vocal na figura do senador Otto Alencar (PSD-BA), presidente da CCJ. Em um embate direto no plenário, Alencar classificou a tentativa de votar o projeto sem passar pela comissão como um “desrespeito aos senadores”. “De afogadilho é impossível. Não é possível que não passe pela Comissão de Constituição e Justiça. Passou um tempão lá [na Câmara], meses. Vai chegar aqui e votar imediatamente? Permita-me discordar”, disparou o senador baiano, evidenciando a fissura na base aliada.

Alencar argumentou que matérias de tamanha complexidade jurídica exigem a designação de um relator, elaboração de parecer técnico e debate aprofundado antes de qualquer decisão em plenário. A postura do presidente da CCJ reflete o incômodo de parte do Senado com a transformação da Casa em um mero carimbador de decisões vindas da Câmara, especialmente em temas que afetam diretamente a jurisprudência da Suprema Corte. Alcolumbre, contudo, rebateu sugerindo um calendário expresso: envio imediato à CCJ com deliberação em 24 horas, permitindo a votação final na semana seguinte, antes do Natal.

Exame do texto legal

O projeto da dosimetria ganhou força política após o fracasso das negociações pela anistia ampla, geral e irrestrita. Parlamentares do PL e do Centrão entenderam que a anistia enfrentaria resistência intransponível no STF e no governo Lula, tornando o PL da Dosimetria o “caminho do meio” viável para aliviar a situação jurídica de seus aliados. A estratégia é técnica: ao invés de perdoar o crime (anistia), altera-se a matemática da punição. Isso permite que o Congresso afirme que não está compactuando com os atos, mas apenas “aperfeiçoando a legislação penal”.

Além dos réus diretos das invasões, a proposta é monitorada de perto pela defesa de Jair Bolsonaro. Embora o ex-presidente esteja inelegível por decisões do TSE, ele enfrenta inquéritos criminais que podem resultar em prisão. Uma mudança na lei de dosimetria poderia ser crucial para definir se, em uma eventual condenação, o cumprimento da pena se daria em regime fechado ou em modalidades menos severas. Por isso, a votação é tratada como prioridade máxima pela oposição, que condicionou o apoio a pautas econômicas do governo à aprovação deste projeto.

Definição de critérios judiciais

A aprovação deste projeto representa mais um capítulo na disputa por protagonismo entre o Legislativo e o Judiciário. Ao tentar fixar critérios objetivos e rígidos para a dosimetria, o Congresso busca limitar a margem de interpretação dos juízes e ministros, uma resposta direta ao que consideram “ativismo judicial” do STF. A ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR) já se manifestou, classificando a proposta como um “retrocesso” e um afronta às decisões da Corte Constitucional, sinalizando que o governo tentará obstruir a votação ou vetar o texto caso chegue à sanção presidencial.

O desfecho desta semana será determinante para o clima político de 2026. Se Alcolumbre cumprir a promessa e o texto for aprovado, o Senado entregará uma vitória significativa ao bolsonarismo, reconfigurando o xadrez jurídico dos processos do 8 de janeiro. Caso a resistência de Otto Alencar e da base governista prevaleça, o tema ficará para o próximo ano, mantendo a pressão sobre o STF e prolongando a instabilidade institucional. O certo é que a “pacificação” prometida pelos presidentes das Casas Legislativas passa, ironicamente, por mais um embate acirrado sobre os limites da punição e da justiça no Brasil.

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários