Câmara aprova limite a decisões monocráticas do STF: O que muda agora?

Projeto impede que um único magistrado suspenda eficácia de leis ou atos dos presidentes da República e do Congresso; liminares exigem aval colegiado.

Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão legislativa, com painéis de votação ao fundo e deputados sentados.
Sessão no plenário da Câmara dos Deputados: projeto que impõe limites a decisões individuais de ministros do STF foi aprovado nesta quarta-feira (3)

A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta-feira (3), o Projeto de Lei que impõe limites rígidos às decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A medida, que avança em meio a uma crise institucional entre os Poderes, visa impedir que um único magistrado tenha o poder de suspender a eficácia de leis aprovadas pelo Congresso ou atos assinados pelo Presidente da República. O texto, que agora segue para análise do Senado, é visto por parlamentares como uma ferramenta necessária para restabelecer o equilíbrio federativo e conter o chamado “ativismo judicial”, enquanto críticos alertam para o enfraquecimento da corte constitucional.

Restrição a liminares individuais

O ponto central da proposta é a proibição expressa de que medidas cautelares (liminares) concedidas monocraticamente suspendam a vigência de leis ou atos normativos de efeito geral. Pelo novo texto, qualquer decisão dessa magnitude precisará ser tomada de forma colegiada, ou seja, pela maioria dos ministros em plenário. Em casos de extrema urgência ou durante o recesso do Judiciário, um ministro poderá até conceder a liminar, mas ela deverá ser submetida “imediatamente” à ratificação dos demais integrantes da Corte. Caso o referendo não ocorra na sessão seguinte, a decisão individual perde a validade automaticamente.

Essa mudança ataca diretamente uma prática comum no STF, onde leis aprovadas por centenas de parlamentares ficavam suspensas por anos devido a uma “canetada” de um único juiz, sem que o plenário analisasse o mérito definitivo. Deputados favoráveis ao projeto argumentam que isso cria uma insegurança jurídica inaceitável e desrespeita a soberania do voto popular representado pelo Legislativo. A “restrição a liminares individuais” força o Supremo a atuar como um corpo unificado, e não como “onze ilhas” independentes, garantindo que decisões de alto impacto nacional tenham o respaldo de todo o tribunal.

Veto a sentenças solitárias

Outra inovação importante do projeto é o estabelecimento de prazos para o julgamento de mérito. Uma vez concedida a medida cautelar pelo colegiado, o STF terá um prazo (estipulado em 6 meses no texto base) para julgar a ação em definitivo. Após esse período, o processo passará a ter prioridade absoluta na pauta, trancando a votação de outros temas até que seja resolvido. O objetivo é acabar com os pedidos de vista que se estendem indefinidamente, utilizados muitas vezes como estratégia para “sentar em cima” de processos polêmicos. O “veto a sentenças solitárias” vem acompanhado, portanto, de uma exigência por celeridade processual.

A proposta também altera as regras sobre quem pode acionar o STF. O texto restringe a legitimidade de partidos políticos, exigindo que apenas siglas com representação no Congresso (que tenham atingido a cláusula de barreira) possam propor Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs). Isso visa diminuir a judicialização da política, onde partidos nanicos são frequentemente usados como “laranjas” para questionar derrotas legislativas no tribunal. A intenção é que o Supremo seja provocado apenas em questões de real relevância constitucional, e não como um terceiro turno das eleições legislativas.

Bloqueio de atos singulares

A aprovação na Câmara ocorre em um momento de tensão elevada. Recentemente, o Senado reagiu a decisões do ministro Gilmar Mendes que dificultaram processos de impeachment contra magistrados, e a resposta dos deputados veio em forma de legislação. O “bloqueio de atos singulares” é interpretado nos bastidores como um recado claro: o Congresso não aceitará mais ser tutelado por decisões individuais que interferem na gestão pública ou na pauta legislativa. Líderes partidários destacaram que a medida não é uma retaliação, mas um “aprimoramento institucional” pendente há anos.

Contudo, a oposição e juristas alertam para riscos. Argumentam que, em situações de violação flagrante de direitos fundamentais, a agilidade de uma decisão monocrática é vital para evitar danos irreparáveis. Exigir a reunião do colegiado pode burocratizar a proteção de direitos em momentos críticos. Além disso, há o temor de que o projeto seja, em si, inconstitucional, por ferir a separação dos Poderes e a autonomia interna do Judiciário. É provável que, se sancionada, a própria lei seja questionada no STF, gerando um ciclo vicioso de conflitos.

Fim das suspensões únicas

Agora, os olhos se voltam para o Senado Federal. Embora a Casa Revisora já tenha aprovado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 8/2021) com teor semelhante no passado, o projeto de lei vindo da Câmara traz especificidades processuais que precisarão ser debatidas. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tem adotado um tom de conciliação, mas a pressão da base parlamentar por respostas firmes ao STF é grande. O “fim das suspensões únicas” pode ser apenas o primeiro capítulo de um pacote mais amplo de reformas judiciárias que tramitam no Congresso, conhecido como “Pacote Anti-STF”.

Portanto, a sociedade brasileira deve acompanhar os próximos desdobramentos com atenção. A mudança nas regras do jogo entre os Poderes pode redefinir a governabilidade e a segurança jurídica do país nos próximos anos. Se o projeto virar lei, a era dos “superpoderes” individuais dos ministros do Supremo pode estar chegando ao fim, dando lugar a uma corte obrigatoriamente mais colegiada, mas também potencialmente mais lenta e pressionada pela política.

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