A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quarta-feira (10), o texto-base do Projeto de Lei 2162/2023, conhecido como PL da Dosimetria. Com um placar de 291 votos a favor e 148 contra, a medida altera significativamente o Código Penal e a Lei de Execução Penal, estabelecendo novas regras para o cálculo de penas em crimes contra o Estado Democrático de Direito. A sessão, marcada por intensos debates e obstrução da oposição governista, foi concluída por volta das 2h30, consolidando uma vitória para a ala que buscava atenuar as condenações referentes aos atos de 8 de janeiro.
Às 02:30h da madrugada – aprovada a redução do sofrimento. Prosseguimos! pic.twitter.com/HjtpIe7A9n
— Nikolas Ferreira (@nikolas_dm) December 10, 2025
O ponto central da proposta, relatada pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), é a vedação do chamado “cúmulo material” para crimes conexos em contextos de multidão. Na prática, isso impede que as penas de diferentes infrações sejam somadas integralmente. Em vez disso, aplica-se a pena do crime mais grave com um aumento fracionado. Essa alteração técnica tem um efeito prático imediato: a redução drástica do tempo total de condenação para quem responde por múltiplos crimes em um mesmo contexto fático, como ocorreu nas invasões aos Três Poderes.
Redução de Penas Golpistas
A aprovação do projeto representa uma mudança de paradigma no tratamento judicial dos envolvidos nos ataques de 2023. O texto estabelece que, para crimes cometidos em “contexto de multidão”, a pena poderá ser reduzida de um terço a dois terços, desde que o réu não tenha exercido papel de liderança ou financiado os atos. Especialistas jurídicos apontam que essa cláusula beneficia diretamente a grande massa de condenados que participou das depredações sem exercer comando, permitindo, em muitos casos, a substituição do regime fechado por medidas cautelares ou penas alternativas mais brandas.
Além disso, a proposta altera a progressão de regime. O texto aprovado facilita a migração para o regime semiaberto ou aberto, exigindo menos tempo de cumprimento da pena em comparação à legislação anterior. Para as famílias dos presos do 8 de janeiro, a medida é vista como uma correção de excessos judiciais. Por outro lado, parlamentares da base do governo Lula e juristas críticos ao projeto classificam a manobra como uma “anistia velada”, argumentando que a redução de penas esvazia o caráter punitivo e pedagógico das condenações por tentativa de golpe de Estado.
Impacto na Sentença de Bolsonaro
Embora o foco inicial do debate tenha sido os presos do 8 de janeiro, o ex-presidente Jair Bolsonaro emerge como um dos potenciais beneficiários diretos da nova legislação. Condenado a 27 anos e três meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito — sentença que ainda cabe recursos —, Bolsonaro poderia ter sua pena recalculada sob os novos parâmetros. Segundo estimativas preliminares apresentadas pelo próprio relator do projeto, a aplicação das novas regras de dosimetria poderia reduzir a sentença do ex-presidente para cerca de dois anos e quatro meses.
Essa possibilidade gerou reações imediatas no cenário político. O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que o texto aprovado é o “possível” para o momento e confirmou que houve aval do ex-presidente para que a bancada votasse a favor, mesmo sem uma anistia total explícita. A estratégia da oposição foi garantir uma redução de danos jurídica, apostando na retroatividade da lei penal mais benéfica. Se sancionada, a lei se aplicará a todos os processos em curso e até mesmo às condenações já transitadas em julgado, forçando uma revisão geral das penas aplicadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Repercussão Política Imediata
A votação expôs a correlação de forças atual no Congresso e a capacidade de articulação do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Ao pautar o projeto de surpresa, Motta atendeu a uma demanda prioritária da direita, gerando atritos com o Palácio do Planalto. O líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), acusou a manobra de ser um acordo entre a presidência da Casa e a família Bolsonaro, chamando a aprovação de “escandalosa”. A base governista tentou obstruir a votação, mas não reuniu votos suficientes para barrar o texto-base, evidenciando a fragilidade da articulação governista em pautas de costumes e segurança pública.
Agora, o projeto segue para o Senado Federal, onde a tramitação promete ser mais cadenciada. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), já sinalizou que o texto será encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na próxima semana, indicando que não haverá a mesma celeridade vista na Câmara. O cenário no Senado é incerto, com maior resistência de senadores governistas e independentes que temem a repercussão negativa da medida junto ao STF e à opinião pública internacional. A aprovação na Câmara, contudo, já impõe uma nova realidade política, pressionando o Judiciário e reaquecendo a polarização nacional.
