A Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados protagonizou, nesta semana, um dos momentos mais intensos da agenda legislativa de 2025. Em uma sessão marcada por debates acalorados e visões antagônicas sobre saúde pública e liberdade individual, o colegiado aprovou o parecer favorável ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 31/2024. A proposta tem como objetivo central suspender a nota técnica do Ministério da Saúde que incluiu, em 2024, a imunização contra a Covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação para crianças de 6 meses a menores de 5 anos. O resultado da votação, ocorrida na última quarta-feira (26), foi expressivo: 23 votos a favor da suspensão e apenas 7 contrários.
Essa decisão representa uma vitória significativa para a ala da oposição ao governo federal, que há tempos questiona a obrigatoriedade dos imunizantes para o público infantil. O projeto, de autoria original do deputado Dr. Frederico (PRD-MG) e outros parlamentares, sustenta que a imposição da vacina fere direitos fundamentais de escolha das famílias. Além disso, os autores argumentam que não existem evidências científicas robustas o suficiente, na visão deles, que justifiquem a compulsoriedade para essa faixa etária específica, citando divergências em relação a protocolos de outros países e recomendações internacionais que sugerem a vacinação apenas para grupos de risco.
O avanço da matéria na Comissão de Saúde acende um alerta no Ministério da Saúde, que defende a vacinação como principal ferramenta de combate à doença e suas sequelas. A atual gestão da pasta, sob o governo Lula, havia tornado a vacina obrigatória para garantir altas taxas de cobertura vacinal e proteção coletiva. Contudo, o entendimento da maioria dos deputados presentes na comissão foi de que a decisão administrativa do Executivo ultrapassou limites, necessitando de uma correção legislativa para devolver aos pais a tutela sobre a decisão sanitária de seus filhos.
Término da exigência compulsória avança
A aprovação do parecer pelo fim da vacina obrigatória não encerra a tramitação, mas impulsiona o texto com força política considerável. O relator e os apoiadores da medida enfatizaram durante a sessão que o objetivo não é proibir a vacinação, mas sim retirar o caráter coercitivo que vincula a imunização a outros direitos, como matrícula escolar e recebimento de benefícios sociais como o Bolsa Família. Para esse grupo, a saúde das crianças deve ser preservada, mas a estratégia de obrigatoriedade adotada pelo governo foi considerada desproporcional ao cenário epidemiológico atual, onde a doença apresenta taxas de letalidade menores em crianças saudáveis comparadas a outros grupos.
Os deputados favoráveis ao PDL 31/2024 utilizaram a tribuna para destacar que muitos países desenvolvidos não adotaram a obrigatoriedade para bebês e crianças pequenas. Eles citaram exemplos de nações europeias onde a vacina é recomendada, mas permanece facultativa, dependendo da avaliação individual de risco feita pelos pediatras e pelas famílias. Esse comparativo internacional serviu de base para sustentar a tese de que o Brasil estaria na contramão de certas práticas globais ao impor a vacina via calendário oficial do Programa Nacional de Imunizações (PNI) sem um debate social mais amplo e aprofundado.
Por outro lado, os parlamentares que votaram contra o projeto alertaram para os riscos de retrocesso na cobertura vacinal. Eles argumentaram que o PNI é uma política de Estado de sucesso histórico e que retirar a obrigatoriedade pode abrir precedentes perigosos para outras vacinas essenciais. A preocupação desse grupo é que a desobrigação envie uma mensagem equivocada à população de que a vacina não é segura ou necessária, o que poderia aumentar a hesitação vacinal em um momento onde o Sistema Único de Saúde (SUS) luta para recuperar os índices de proteção contra diversas doenças infecciosas que voltaram a ameaçar a saúde pública brasileira.
Suspensão do dever vacinal em debate
A discussão sobre a suspensão do dever vacinal tocou em pontos sensíveis da Constituição Federal. O principal argumento jurídico dos defensores do projeto baseia-se no artigo 5º, que determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Segundo essa interpretação, uma nota técnica ou portaria ministerial não teria força suficiente para impor uma obrigação que restringe liberdades individuais tão íntimas. A aprovação na Comissão de Saúde reforça essa leitura de que o Legislativo precisa atuar como freio e contrapeso às decisões das agências reguladoras e ministérios quando estas afetam diretamente a autonomia familiar.
O clima na sessão refletiu a polarização que ainda existe em torno do tema da pandemia. Enquanto um lado celebrava a “liberdade restaurada”, o outro lamentava o “negacionismo científico”. No entanto, é crucial analisar o fato sob a ótica institucional: o Congresso Nacional está exercendo sua prerrogativa de fiscalizar e sustar atos do Poder Executivo que considere exorbitantes. Esse movimento político demonstra que a gestão da saúde pública não é apenas uma questão técnica, mas também um campo de disputa de valores e visões de mundo que precisa ser mediado pelos representantes eleitos pela população.
Além das questões legais, o debate técnico sobre a eficácia e segurança dos imunizantes para crianças de 6 meses a 4 anos ocupou grande parte do tempo. Foram apresentados dados e estudos por ambas as partes. Os favoráveis ao fim da obrigatoriedade questionaram a durabilidade da proteção vacinal e a possibilidade de eventos adversos, defendendo que o princípio da precaução deveria pender para a não obrigatoriedade. Já os defensores da norma vigente reiteraram que as vacinas aprovadas pela Anvisa passaram por rigorosos testes de qualidade e que os benefícios superam largamente os riscos, sendo a vacinação a forma mais eficaz de prevenir casos graves e mortes infantis pela doença.
Interrupção da imposição sanitária infantil
Com a vitória na Comissão de Saúde, a interrupção da imposição sanitária ganha um novo capítulo. O trâmite agora segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). Nesta etapa, não se discute mais o mérito da saúde (se a vacina é boa ou ruim), mas sim a constitucionalidade do projeto. A CCJ analisará se o Decreto Legislativo é o instrumento correto para derrubar a nota técnica e se a proposta fere alguma cláusula pétrea da Constituição. Dado o perfil atual da Câmara, é provável que o texto encontre terreno fértil também nesta comissão, seguindo posteriormente para o Plenário, onde todos os 513 deputados poderão votar.
Se aprovado no Plenário da Câmara, o projeto ainda precisará ser remetido ao Senado Federal. Lá, o processo se repete, passando por comissões e plenário. Somente após a aprovação em ambas as Casas Legislativas é que a norma do Ministério da Saúde seria efetivamente sustada. Isso significa que, na prática, a obrigatoriedade continua valendo hoje e nos próximos meses, até que todo o rito legislativo seja concluído. É importante que os pais e responsáveis estejam cientes de que, legalmente, nada mudou de imediato na rotina dos postos de saúde, e a exigência de vacinação para matrículas continua vigente até segunda ordem.
A repercussão dessa votação já é sentida nas redes sociais e nos grupos de pais. Há uma clara divisão entre aqueles que se sentem aliviados com a possibilidade de decidir sobre a vacinação de seus filhos e aqueles que temem pela segurança sanitária nas escolas. Especialistas em saúde pública alertam que a politização do tema pode gerar confusão. É fundamental buscar informações em fontes oficiais e conversar com pediatras de confiança. A decisão legislativa, qualquer que seja o desfecho final, terá impactos profundos na forma como o Brasil lida com campanhas de vacinação em massa no futuro.
Cancelamento da regra de imunização forçada
O cenário político que permitiu o avanço do cancelamento da regra de imunização forçada revela a força da oposição no Congresso. O placar elástico de 23 a 7 mostra que o governo teve dificuldades em articular sua base aliada dentro da Comissão de Saúde para defender a nota técnica da ministra Nísia Trindade. Isso pode sinalizar dificuldades futuras para o Executivo em outras pautas de saúde que envolvam costumes ou liberdades individuais. A bancada conservadora mostrou-se unida e organizada, utilizando o regimento interno para pautar e aprovar um projeto que é caro ao seu eleitorado.
Para o Ministério da Saúde, resta agora a estratégia de defesa no restante da tramitação. É provável que o governo intensifique o diálogo com líderes partidários e apresente novos dados técnicos na tentativa de reverter o quadro na CCJ ou no Plenário. Também não se descarta a possibilidade de judicialização do tema caso o projeto seja aprovado no final, levando a discussão para o Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte já decidiu anteriormente a favor da constitucionalidade da vacinação obrigatória, o que adiciona mais uma camada de complexidade jurídica a esse imbróglio.
Em resumo, o que aconteceu na Comissão de Saúde foi um passo importante, mas não definitivo. O Brasil vive um momento de redefinição de suas políticas sanitárias pós-pandemia. O equilíbrio entre a proteção coletiva, dever do Estado, e a liberdade individual, direito do cidadão, continua sendo o fiel da balança. Acompanhar os próximos passos do PDL 31/2024 é essencial para entender os rumos da saúde pública no país. A sociedade deve permanecer atenta e participativa, pois as decisões tomadas em Brasília refletem diretamente na carteirinha de vacinação e na proteção de milhões de crianças brasileiras.
