Em pronunciamento no Plenário do Senado Federal nesta segunda-feira (24), o senador Eduardo Girão (Novo-CE) classificou como arbitrária a prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no sábado anterior. Segundo o parlamentar, a medida judicial pode representar uma “cortina de fumaça” destinada a desviar a atenção pública de escândalos de corrupção de grande magnitude que estão sob investigação no país.
A prisão preventiva de Bolsonaro foi confirmada por unanimidade pelos ministros da Primeira Turma do STF durante a sessão de segunda-feira. O ministro Alexandre de Moraes fundamentou a decisão alegando risco de fuga e impossibilidade de manutenção da prisão domiciliar, após constatar violação do equipamento de monitoramento eletrônico às 0h08 do dia 22 de novembro. Além disso, o despacho mencionou a convocação de uma vigília em frente à residência do ex-presidente.
Escândalos financeiros de grande proporção
Durante sua fala, Girão questionou o momento da prisão preventiva, destacando que ela coincide com a explosão de dois grandes escândalos financeiros que envolvem bilhões de reais. O senador mencionou especificamente o esquema de desvios em benefícios de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o colapso do Banco Master, instituição liquidada pelo Banco Central em 18 de novembro.
O parlamentar expressou preocupação com o fato de que a grande mídia brasileira estaria focando suas coberturas exclusivamente na prisão de Bolsonaro, enquanto casos de corrupção de dimensões ainda maiores seguem sem receber a devida atenção. Segundo Girão, esses escândalos podem deixar o “petrolão” e o “mensalão” como “coisa de roubinhos”, dado o volume de recursos envolvidos nas investigações atuais.
Operação Compliance Zero e liquidação do Master
O Banco Master foi liquidado pelo Banco Central após a deflagração da Operação Compliance Zero, conduzida pela Polícia Federal. A investigação resultou na prisão de Daniel Vorcaro, presidente do banco, além de outros executivos do grupo. Durante a operação, foram cumpridos cinco mandados de prisão preventiva, dois temporários e 25 mandados de busca e apreensão em diversos estados, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Distrito Federal.
Segundo documentos do Ministério Público Federal, o Banco Master emitiu aproximadamente R$ 50 bilhões em Certificados de Depósito Bancário (CDBs) oferecendo juros acima das taxas comuns de mercado, sem demonstrar capacidade futura de pagamento. Para simular liquidez, a instituição teria adquirido carteiras de crédito da empresa Tirreno sem realizar qualquer desembolso financeiro, posteriormente revendendo esses ativos ao Banco de Brasília (BRB) por R$ 12,2 bilhões.
Envolvimento do BRB nas operações
As investigações apontam que o BRB destinou R$ 16,7 bilhões ao Banco Master entre 2024 e 2025, em operações que apresentam indícios de gestão fraudulenta. Essas transações ocorreram durante o período em que o banco público tentava adquirir 58% das ações do Master por R$ 2 bilhões, negociação que foi barrada pelo Banco Central em setembro deste ano.
A Justiça Federal afastou por 60 dias o presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e o diretor-executivo de finanças e controladoria, Dario Oswaldo Garcia Junior. Ambos foram alvos de mandados de busca e apreensão no âmbito da operação. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), informou que Paulo Henrique Costa estava nos Estados Unidos no momento do afastamento.
Impacto no Fundo Garantidor de Créditos
A liquidação do Banco Master deve consumir entre R$ 40 e R$ 50 bilhões do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), montante que representa aproximadamente um terço do total disponível no fundo, atualmente estimado em R$ 120 bilhões. Este será o maior resgate da história do FGC, que funciona como um seguro para proteger o dinheiro dos clientes em caso de quebra de um banco.
O fundo cobre valores até R$ 250 mil por CPF, desde que o produto esteja dentro das regras de proteção. Milhares de clientes do Banco Master agora dependem dessas regras específicas para reaver seus recursos, enquanto o liquidante designado pelo Banco Central conduz o levantamento de bens, pagamentos e migração de ativos.
Protocolo de requerimento para CPI
Girão informou durante seu pronunciamento que protocolou requerimento para a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) destinada a investigar o caso do Banco Master. O senador destacou que as investigações já identificaram movimentações financeiras irregulares, com reflexos sobre fundos de pensão, vínculos com bancos públicos e desvio de recursos que podem chegar a R$ 50 bilhões.
O parlamentar solicitou a assinatura dos senadores desta Casa, independentemente de partido político. Segundo Girão, aqueles que desejam buscar a verdade têm o dever de assinar a CPI. Ele afirmou que ficará lembrando todos os dias até que seja alcançado o número necessário de assinaturas para que o presidente do Senado possa ler o requerimento e a comissão seja instalada.
Crimes investigados pela Justiça Federal
A Justiça Federal autorizou a Operação Compliance Zero para apurar crimes de organização criminosa, gestão fraudulenta, gestão temerária e comercialização de títulos de crédito falsos. Conforme destacou Girão, não se trata de questões relacionadas a vigília ou oração, mas de organização criminosa devidamente enquadrada na legislação penal brasileira.
Durante as investigações, agentes da Polícia Federal apreenderam R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo na residência de um dos investigados, além de carros de luxo, obras de arte e relógios de alto valor. O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, afirmou em depoimento na CPI do Crime Organizado que o enfrentamento ao crime organizado depende do estrangulamento financeiro das organizações, com bloqueio de recursos e prisão de suas lideranças.
Rioprevidência e outros fundos públicos
O escândalo também alcançou o Rioprevidência, fundo responsável pelo pagamento de aposentadorias e pensões de cerca de 235 mil servidores inativos do Estado do Rio de Janeiro. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ), a autarquia aplicou recursos em fundos administrados pelo grupo Master, embora a instituição tenha negado oficialmente o valor de R$ 2,6 bilhões divulgado inicialmente.
Em nota, a Rioprevidência afirmou que o valor efetivamente aplicado foi de R$ 960 milhões em Letras Financeiras do Banco Master, entre outubro de 2023 e agosto de 2024, com vencimentos previstos apenas para 2033 e 2034. O TCE-RJ, que desde maio já apontava graves irregularidades, determinou em outubro uma tutela provisória impedindo novos aportes ao conglomerado.
Articulações políticas e resistências
Embora o requerimento para CPI do Banco Master tenha potencial de prosperar, há articulações nos bastidores tanto da base governista quanto da oposição contra a instalação da comissão. O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) afirmou que o lobby contra a CPI está pesado nos bastidores, embora ressalte que boa parte dos senadores não se renderá a pressões.
Anteriormente, o senador Izalci Lucas (PL-DF) havia liderado um requerimento para Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que chegou a reunir 28 assinaturas, superando o mínimo necessário de 27. No entanto, o parlamentar recuou abruptamente da iniciativa, afirmando ter analisado relatórios do BRB e do Banco Master que o tranquilizaram quanto aos riscos da operação.
Contexto político da prisão preventiva
A prisão preventiva de Bolsonaro ocorreu após o ministro Alexandre de Moraes considerar que havia risco de fuga e avaliar que não havia mais condições para manter a prisão domiciliar. A medida cautelar não está relacionada à execução da condenação pela tentativa de golpe de Estado, caso no qual a decisão ainda não transitou em julgado e há prazo para apresentação de recursos.
Apoiadores de Bolsonaro argumentam que o despacho que fundamentou a prisão dedicou 14 de suas 17 páginas à convocação de uma vigília de oração organizada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), questionando a proporcionalidade da medida. Girão se junta a outros parlamentares que consideram a decisão judicial excessiva diante das circunstâncias apresentadas.
Próximos desdobramentos
A instalação da CPI do Banco Master dependerá da capacidade de Girão e outros senadores de reunirem as assinaturas necessárias e resistirem às pressões contrárias. O senador afirmou que continuará cobrando diariamente o apoio dos parlamentares até que o requerimento seja lido pelo presidente do Senado e a comissão seja formalmente instalada.
A Polícia Federal prossegue com as investigações da Operação Compliance Zero, enquanto o Ministério Público Federal analisa as provas coletadas para eventual oferecimento de denúncia criminal. Daniel Vorcaro permanece preso preventivamente, assim como outros executivos do Banco Master envolvidos no esquema.