O Congresso Nacional protagonizou uma reviravolta legislativa nesta quinta-feira (4) ao derrubar os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva referentes ao Código de Trânsito Brasileiro. A decisão impõe uma mudança drástica para quem pretende dirigir no país, tornando o toxicológico na primeira habilitação uma exigência legal não apenas para caminhoneiros, mas também para candidatos às categorias A (motos) e B (carros de passeio). A medida pegou muitos centros de formação de condutores de surpresa e promete alterar profundamente a dinâmica de emissão de documentos no Brasil a partir de agora.
Teste de detecção de drogas
A obrigatoriedade do teste de detecção de drogas para motoristas amadores era um ponto de discórdia antigo entre o Palácio do Planalto e as bancadas conservadoras do Legislativo. O governo federal havia vetado o dispositivo originalmente sob o argumento econômico e social, alegando que o custo adicional poderia inviabilizar o acesso de jovens de baixa renda à Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Segundo estimativas apresentadas na época do veto, o valor do processo poderia subir consideravelmente, empurrando milhares de brasileiros para a ilegalidade nas ruas e estradas.
Contudo, os parlamentares rejeitaram essa visão governista durante a sessão conjunta, argumentando que a segurança no trânsito deve prevalecer sobre questões de custo operacional imediato. A derrubada do veto foi impulsionada por dados que associam o consumo de substâncias psicoativas a uma parcela significativa dos acidentes graves registrados no país. Para a maioria do Congresso, a extensão da exigência para todas as categorias cria uma barreira de entrada necessária, filtrando condutores que possuem comportamento de risco antes mesmo que eles assumam o volante pela primeira vez.
Dessa forma, a nova legislação equipara, em termos de exigência clínica inicial, o cidadão comum aos motoristas profissionais das categorias C, D e E, que já realizam o procedimento há anos. A diferença crucial é que, para os profissionais, a exigência se mantém nas renovações periódicas, enquanto para as categorias A e B o foco, por enquanto, reside na etapa de entrada no sistema. O mercado de laboratórios credenciados já se movimenta para absorver a demanda gigantesca que surgirá com a inclusão de milhões de novos candidatos anuais.
Análise de substâncias ilícitas
A implementação da análise de substâncias ilícitas para motociclistas e motoristas de carros traz desafios logísticos imediatos para os Departamentos Estaduais de Trânsito (Detrans) de todo o país. A janela de detecção exigida pelo exame é de larga escala, geralmente de 90 dias, o que obriga a coleta de queratina (cabelos ou pelos), um procedimento mais complexo e caro do que os exames de sangue ou urina tradicionais. Esse detalhe técnico foi um dos pontos centrais do debate, visto que não há laboratórios de análise em todos os municípios brasileiros.
Além disso, a medida levanta questões sobre a capacidade operacional da rede credenciada em atender a um volume de exames que pode triplicar da noite para o dia. Filas e atrasos na emissão da Permissão para Dirigir (PPD) são consequências temidas por especialistas do setor, que alertam para um possível “gargalo” administrativo nos primeiros meses de vigência da lei. As autoescolas, por sua vez, terão que adaptar seus cronogramas e orientar os alunos sobre essa nova etapa, que passa a ser pré-requisito para a realização das aulas práticas e teóricas.
Nesse sentido, a Associação Brasileira de Toxicologia (ABTox) celebrou a decisão do Congresso, classificando-a como um avanço civilizatório para a redução da violência no trânsito nacional. A entidade defende que a “cultura do não uso” deve ser incentivada desde o primeiro contato do cidadão com a responsabilidade de dirigir um veículo automotor. O argumento técnico é que o usuário eventual de drogas, sabendo da barreira do exame, tenderá a abandonar o consumo ou adiar sua habilitação, retirando um fator de risco potencial das vias públicas.
Verificação química de condutores
O impacto financeiro da verificação química de condutores recairá inteiramente sobre o bolso do candidato, visto que não há previsão de subsídio federal para custear os exames. Atualmente, o valor do procedimento oscila entre R$ 100 e R$ 160, dependendo da região e da concorrência local entre os laboratórios. Somado às taxas de matrícula, exames médicos, psicotécnicos e o custo das aulas obrigatórias, o preço final para tirar a CNH pode atingir patamares proibitivos para grande parte da população assalariada, gerando um efeito colateral de exclusão social.
Todavia, os defensores da medida no Congresso sustentam que o custo social dos acidentes — que envolve gastos com SUS, previdência e perda de força de trabalho — supera largamente o custo individual do exame. A lógica aplicada pelos legisladores é a da prevenção: investir na triagem rigorosa agora para economizar em reabilitação e indenizações no futuro. Essa visão prevaleceu sobre a tese do governo, que tentava desburocratizar o processo de habilitação para torná-lo mais acessível e ágil, especialmente em anos de recuperação econômica.
Sendo assim, a partir da promulgação da lei, que deve ocorrer nos próximos dias, nenhum processo de primeira habilitação poderá ser concluído sem o laudo negativo no sistema do Renach (Registro Nacional de Carteiras de Habilitação). Candidatos que testarem positivo terão o processo suspenso e deverão aguardar um período de “washout” (limpeza do organismo) para tentar novamente, além de ficarem marcados no sistema. Isso cria um novo paradigma de responsabilidade civil, onde o comportamento privado do indivíduo impacta diretamente seu direito de ir e vir motorizado.
Exame laboratorial para motoristas
Por fim, a exigência do exame laboratorial para motoristas iniciantes nas categorias A e B reconfigura a relação de poder entre o Estado e o cidadão no contexto do trânsito. A derrubada do veto presidencial é uma demonstração de força do Legislativo, que impôs sua agenda de segurança pública sobre a agenda social do Executivo. A medida também abre precedente para futuras discussões sobre a extensão da obrigatoriedade para a renovação da CNH nessas categorias, algo que hoje ainda permanece restrito aos motoristas profissionais de carga e passageiros.
A reação popular nas redes sociais foi imediata e dividida, com muitos apoiando o rigor contra as drogas e outros criticando o encarecimento do documento. O fato concreto é que a lei está posta e sua aplicação é iminente, exigindo adaptação rápida de todos os atores envolvidos no Sistema Nacional de Trânsito. Resta saber se a medida terá o efeito prático desejado na redução da sinistralidade ou se servirá apenas como mais uma etapa burocrática e arrecadatória em um país já saturado de taxas e exigências cartoriais.
Concluindo, o cenário para 2026 desenha-se mais restritivo e caro para o futuro motorista brasileiro. A decisão de hoje encerra um ciclo de debates e inicia uma era de fiscalização biológica massiva, onde a aptidão para dirigir deixa de ser apenas técnica e psicológica, passando a ser também toxicológica para todos, sem distinção de categoria. O motorista de carro de passeio e o motociclista agora entram na mira do controle estatal, em uma tentativa legislativa de frear a epidemia de acidentes que ceifa milhares de vidas anualmente no Brasil.
